OBRAS RARAS


PROJETO-LEI DE DIGITALIZAÇÃO E DESCARTE DE DOCUMENTOS

Mês passado (19/09/2017) houve um debate público organizado pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) – órgão colegiado vinculado ao Arquivo Nacional (AN) – sobre o Projeto de Lei 7920/2017. Na oportunidade, um grupo multidisciplinar discutiu o assunto que se refere à digitalização de documentos/queima de arquivos hoje em papel em instituições governamentais brasileiras após a reprodução em meio eletrônico desses acervos.

Várias questões pertinentes foram mencionadas, como a possibilidade de retrocesso na gestão e fraude na tramitação de documentos eletrônicos. O Brasil parece ser atípico na proposição desse PL, pois nenhum país realiza alguns desses procedimentos citados no projeto de lei.

Alguns dos motivos alegados pelo governo para a implantação do sistema eletrônico de informação são o baixo custo de manutenção e a economia de tempo e de pessoal – o que, segundo um palestrante, não corresponde à realidade. Além disso, pode-se criar, na forma como está sendo feito, uma reserva de mercado, com cartórios e empresas de TI como validadores da informação digital.

Há, também, ameaças concretas, como a vulnerabilidade de suportes e sistemas; ausência de gestão arquivística e procedimentos controlados de preservação digital; dependência de tecnologia, por exemplo, da assinatura digital, em oposição a ter procedimentos controlados de gestão e preservação de documentos em sistemas robustos, ou seja, um sistema centrado no ambiente e não no documento. Isso tudo é considerado pelos especialistas como fundamental para garantir a autenticidade dos documentos eletrônicos e é desconsiderado pelo PL do Senado que tramita na Câmara.

Outro ponto de grande relevância é o jurídico e a questão da redação de projetos de lei, assim como de suas emendas etc. Conceitos da Arquivologia não necessariamente são os mesmos do Direito e isso confunde os legisladores. 

O Brasil não possui nuvens públicas. Dessa forma, o armazenamento dos documentos digitais ficaria sob responsabilidade de empresas como Google e Microsoft, por exemplo – o que fere o princípio da territorialidade. 

Por fim, muitos dos presentes pareceram concordar que o PL 7920/2017, com a atual redação, não moderniza a gestão pública e, no caso da eliminação de documentos após a digitalização, impede a comprovação de sua autenticidade.

O Blog Queima de Arquivos Não possui muitas (se não todas) as informações sobre o assunto. Seu representante no evento também foi claro quanto ao risco que o PL representa para o patrimônio arquivístico brasileiro. Vale, igualmente, visitar o e-Democracia, portal da Câmara dos deputados que permite a participação dos cidadãos nos debates, PLs e discussões correntes, aproximando-os de seus representantes.

O que isso tem a ver com obras raras? Diretamente, não muito, mas 1. Documentação arquivística histórica pode fazer parte do setor de coleções especiais e ser gerida por bibliotecário; 2. Na historiografia, documentos considerados corriqueiros podem ter valor histórico. Se parte será descartada, como reconstruir uma parte da história no futuro, considerando a falta de confiança dos sistemas? Para citar apenas duas questões, claro.

Não parece haver discussão suficiente sobre o assunto, sobre o que pode ser descartado ou não, além da forma como a novidade está sendo imposta, digo, implantada (sem falar no momento). Em algumas instituições, processos já foram enviados para digitalização em outra cidade sem que esteja claro se os documentos retornarão à instituição de origem. Isso já ocorre no âmbito do governo federal com o SEI (Sistema Eletrônico de Informações), sistema de gestão de processos e documentos arquivísticos eletrônicos que pretende eliminar o papel e compartilhar conhecimento com atualização e comunicação em tempo real.

Temário, apresentação e nomes dos expositores do evento são encontrados em:

http://www.conarq.gov.br/divulgacao-de-eventos/600-debate-publico-sobre-o-pl-7920-2018.html. Vale a leitura.

Até a próxima!

Referências:

queimadearquivo.webnode.com
https://edemocracia.camara.leg.br/home
https://softwarepublico.gov.br/social/sei/manuais/manual-do-usuario/visao-geral/


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.