BIBLIOTECAS ACADÊMICAS


BIBLIOTECAS ACADÊMICAS: PARA COMEÇAR A CONVERSA

"Viver é perigoso" diz Riobaldo, personagem de "Grande Sertão: Veredas" do grande escritor brasileiro João Guimarães Rosa.

O universo das bibliotecas, pouco visível às pessoas não afetas à área, esconde, e ao mesmo tempo expõe, grandes desafios. Toda e qualquer atividade biblioteconômica está atrelada, ou deveria estar, ao usuário final; portanto, temos um grande objetivo, um horizonte bem determinado. A despeito de termos esse horizonte muito claro, ainda não fomos capazes de formular, a partir de nossas experiências e como segmento da sociedade, coletivamente, políticas públicas, governamentais ou não, para esse universo tão importante das bibliotecas. O que vemos são outros segmentos da sociedade, da economia, elaborando e propondo políticas em nossa área, como se fossemos acéfalos, incapazes intelectualmente, tutelados ora por intelectuais da academia, ora por profissionais das letras, etc. Para quem duvida dessa condição, podemos citar as recentes notícias veiculadas pela CBL - Câmara Brasileira do Livro que, articulada e defensora de seus interesses, já teve pelo menos duas audiências com o "staff" do recém empossado Ministério da Cultura ao qual está vinculada a Secretaria do Livro e da Leitura. Dentre as várias reivindicações levadas pela CBL ao MINC está a "proposta de implementação das Bibliotecas Públicas" e, obviamente, todo um contexto de desenvolvimento de programas de aquisição de livros já tradicional na esfera pública federal e disseminada pelas esferas estaduais e mesmo municipais.

A CBL faz o seu trabalho, nós silenciamos, não temos uma face, não temos voz, e pior, não somos reconhecidos como interlocutores legítimos em nossa própria área de interesse. Conseqüência dessa falta de posicionamento é o fracasso das políticas públicas nessa área, investimentos públicos equivocados, desperdício de recursos financeiros, mas como em tudo há sempre os ganhadores, aqueles que sob a manta do " interesse público" fazem fama e fortuna, os programas acabam retornando, governo após governo, sem qualquer embasamento em critérios de custo-benefício para a sociedade.

Todos conhecem a importância das bibliotecas escolares na formação do estudante, em todo processo pedagógico; no entanto, políticas implementadas pelo governo FHC através do MEC, sob a batuta de Paulo Renato, "distribuiu" coleções de livros para estudantes de ensino fundamental e como sempre, denúncias de desvios no programa pipocaram em veículos da imprensa, mais e mais recursos desperdiçados e a evidência da falta de compromisso com uma solução duradoura para a questão do acesso ao patrimônio bibliográfico, a única possível: a implementação gradual e constante de bibliotecas, na acepção exata da palavra, em todas as instituições de ensino do país, não apenas depósitos de livros, fechados aos alunos, sem quaisquer serviços de informação e mão de obra minimamente qualificada.

Mas e as bibliotecas acadêmicas? Estranhamente vários temas surgiram neste texto e até o momento não falamos de bibliotecas acadêmicas.

Bem, é verdade, estamos chegando lá. O que ocorre é que uma das conseqüências da paupérrima situação das bibliotecas públicas e escolares no país é a quase ausência de experiência em uso e acesso a bibliotecas dos nossos estudantes de ensino superior; temos que alfabetizá-los na utilização do equipamento biblioteca e não raro ouvimos os calouros do ensino superior dizendo aos funcionários das bibliotecas:

- Como fazemos para alugar um livro da Biblioteca?

Este testemunho, extremamente forte, deve ser interpretado como um grande desafio. O nosso usuário vem de pelo menos onze anos de educação formal e sequer teve a oportunidade de entrar em uma biblioteca, traz consigo um único referencial de acervo que é o da vídeo-locadora de onde empresta o termo "alugar". Daí a atividade "alfabetizadora" da Biblioteca acadêmica. Com certeza a atividade de alfabetização não estava nos planos de nossa colega bibliotecária recém chegada ao mundo das bibliotecas acadêmicas.Várias serão as surpresas que devem surgir para nossa colega...

Outros desafios vão acumulando-se ao longo do tempo, mas mal inicia-se o trabalho e um furacão anuncia-se: está para chegar a Comissão de Especialistas do MEC para avaliar o curso.... e a Biblioteca? Como está? Temos todas as obras necessárias? Temos as quantidades exigidas? Temos as principais publicações periódicas da área? E as bases de dados? Onde estão? Socorro!!! Grita a nossa pobre colega, relegada à sua pequena sala, com poucos livros, ramal telefônico sem permissão para ligação externa, sem fax, com poucos microcomputadores, programas desatualizados e tentando formar a sua base de dados em "dbase" (esse é velho!), access ou microisis.

Sabemos que ainda há muito o que fazer em todos os segmentos de bibliotecas no Brasil, o país é gigantesco e nem todas as bibliotecas universitárias estão nadando em recursos com seus aleph's, virtua's, pergamum's, etc... A maioria recente-se de investimentos, pois a cultura de uso de bibliotecas no país ainda é diminuta, muito pequena, sequer gera uma massa crítica em nossa elite, que ainda vê a Biblioteca como um equipamento de "perfumaria". Portanto, não é essencial no ensino infantil, fundamental e médio, não é essencial na vida da comunidade.

O imenso patrimônio cultural "universal" representado na potencialidade da Biblioteca para as nossas comunidades ainda está longe de tornar-se efetivo, presente em nossa sociedade. Nem bibliotecas públicas, nem bibliotecas escolares, nem bibliotecas acadêmicas conseguirão cumprir o seu papel se nós, bibliotecários, continuarmos a trabalhar sem a perspectiva de uma política de mobilização, de conscientização de nossas comunidades, de nossa sociedade, para a importância da implantação de uma política séria, sistemática, consistente, de bibliotecas escolares e públicas sejam municipais, estaduais, federais, de ong's, particulares de uso público, de bairro, etc.

A sociedade está mobilizando-se, muitas são as iniciativas, super-mercados arrecadando livros e oferecendo microcomputadores (dois por biblioteca montada pela ONG responsável pela campanha), açougueiro montando biblioteca nos fundos de sua casa para a comunidade da favela, biblioteca no canteiro de obra, etc.

Algo está acontecendo. Precisamos, urgentemente, discutir políticas concretas para nossa área, propor soluções, ter opinião, para formar opinião. A nossa voz está ausente, e simplesmente criticar não nos leva às mudanças necessárias em nossa realidade. Somos agentes sociais, temos uma missão que vai além de nossas responsabilidades dentro de cada uma de nossas bibliotecas, a sociedade espera de nós um posicionamento claro quanto ao rumo e o papel das bibliotecas em nosso país e até o momento, mal sabem quem somos. Temos muito que andar e sozinhos não chegaremos nunca, a nossa maior obra é a que deve ser criada coletivamente.

"Somos como anjos de uma só asa, só conseguimos voar abraçados uns aos outros."

A biblioteca acadêmica tem suas necessidades, especificidades...

A biblioteca escolar também tem...

A biblioteca pública também...

Um dia seremos um todo, cada qual fazendo a sua parte, porque cada uma terá a sua importância, porque cada uma terá vida, e todos lutaremos por elas, como se fossem nossas, não só bibliotecários, mas também bibliotecários, por iniciativa de bibliotecários, por idealização de bibliotecários, pedreiros, açougueiros, pintores, médicos, advogados, professores, aposentados, cozinheiras, parteiras, garís...

Não estaremos lutando por empregos, concursos públicos, salários, legislação e regulamentação profissional, estaremos lutando por nossa sociedade, por nossa comunidade, por nossos filhos, pelos filhos dos nossos filhos e por toda uma nação.

A Biblioteca é uma expressão da democracia, a diversidade fazendo a riqueza, a tolerância do convívio entre os opostos, as idéias, o respeito à individualidade, de cada obra, a generosidade de seu acervo, as quantidades na diversidade, as portas abertas ao conhecimento, o universo digital que nela pode encontrar abrigo, conexão e ramificações.

Afinal, há algo de ruim que poderíamos encontrar em uma Biblioteca? Há contra-indicações?

Então, caros amigos, precisamos defendê-las, trazê-las à pauta de nossa sociedade, evidenciá-las; quando o fizermos, estaremos todos, valorizando também a nossa profissão.

Precisamos nos expor, viver é perigoso, e nada se faz sem um pouco de coragem. Vamos dar os braços e caminhar por uma causa que não é só nossa, é de toda sociedade e a liderança deve ser sua!


Críticas, comentários e sugestões são sempre bem-vindas!

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ARTUR DA SILVA MOREIRA

Bibliotecário, fundou e presidiu o Grupo de Bibliotecas de Instituições Particulares de Ensino Superior – GBIPES (1997 – 2004) e a Comissão Brasileira de Bibliotecas das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – CBBI (2011 – 2014). Formado pela FESP-SP, turma de 1987. Coordena o Grupo de Trabalho de Cadastro de Bibliotecas e Profissionais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e atua como moderador e administrador da Lista de Discussão da CBBI, atualmente com 672 membros.