LITERATURA INFANTOJUVENIL


A PENA SEMPRE APEQUENA: MESMA ANGÚSTIA E NOVAS RESPOSTAS

Trabalhar com um grupo sensível é sempre uma vivência enriquecedora. Se o grupo é coordenado pelo pedagogo André Luís Onório Coneglian, a aprendizagem é dobrada ou triplicada. Esse professor há anos realiza pesquisas a respeito de surdez, língua de sinais, educação especial e educação inclusiva. Fez mestrado e doutorado em Ciência da Informação na Unesp de Marília. Já colaborou em bancas de acadêmicos do curso de graduação e mestrado da Universidade Estadual de Londrina a nosso convite. Desde que o conheço aprendo com ele, mas ele sempre dá um jeito de me surpreender.

Outro dia, eu, minha orientanda Layara Feifer Calixto Seco, a professora Adriana Rosecler Alcara e sua orientanda Ana Paula Pereira tivemos uma reunião com ele e, não poderia ser diferente, eu saí mais uma vez impactada. Principalmente quando decidimos incluir no texto que estamos escrevendo, os sujeitos surdocegos. Foram apenas 50 minutos de conversa que me causaram um reboliço na cabeça e uma série de gatilhos de memória.

Voltei em 1980, quando assisti o espetáculo O milagre de Annie Sulivann estreado na Semana Cultural do Colégio Positivo de Londrina pelo Grupo Teatral Positivo sob a direção de José Antonio Teodoro (diretor que sempre colocou Londrina no cenário nacional e internacional com diversas peças). Especificamente essa peça narrava a convicção da professora Anne Sullivan de que Helen Keller, uma garota cegasurda, conseguiria se comunicar e sair de seu total isolamento social. O elenco era formado por vários atores londrinenses, porém, na minha memória está o personagem Arthur Keller, (pai de Helen Keller), encarnado de maneira tão crível pelo ator Donizeti Buganza, que até hoje quando o vejo nos palcos em Londrina, sua atuação não me deixa esquecer esse momento. A força desse espetáculo foi tão forte na minha emoção que na mesma semana peguei emprestado na Biblioteca Municipal de Londrina o livro História da minha vida, cuja autora é Helen Keller. Hoje constatei no catálogo dessa Biblioteca que há apenas o livro Lutando contra as trevas de Anne Sullivan; isso me aguçou a vontade de reler.

O leitor deve estar se perguntando... o que tem a ver o título A PENA SEMPRE APEQUENA nessa Coluna?

Acabada a reunião gravei uma mensagem para o professor André dizendo que já estava lendo alguns artigos e era muito triste saber das condições das pessoas surdacegas. Ele me ensinou:

[...] tristeza é uma fase que a gente passa na vida, mas considerando que já estou há 20 anos convivendo e estudando... a gente passa dessa fase de tristeza para considerar como um fato. É um fato que existem pessoas surdacegas, existem pessoas cegas, existem pessoas surdas. Se é um fato, eu avanço e tenho de saber o que eu faço com esse fato. Preciso do conhecimento, da prática, da experiência de vida da própria pessoa, como ela percebe o mundo, o que ela sente e o que precisa ser mudado e o que a gente vai para estes avanços. Entre avanços e retrocessos, especialmente no Brasil, a luta é constante.

Disso concluo que quando a gente tem apenas pena, a gente apequena. A gente apequena a capacidade que o sujeito tem de ser e lidar com situações diversas e adversas. Depositamos nele a dúvida de que são capazes, sendo que na real os incapazes somos nós.

O leitor deve estar se perguntando de novo... o que tem a ver esse assunto com uma Coluna de literatura infantojuvenil?

Muito! Não conheço livro infantil (se alguém conhece, me ajuda) que ensina a comunicação com uma criança surdacega. O tadoma (que é a colocação da mão nos lábios, bochecha, mandíbula ou garganta do falante) é o método utilizado para compreender a fala, mas é de difícil aprendizagem. Assim, reforço a importância da literatura na humanização do indivíduo, principalmente nesse momento quando o Ministério da Educação distribuiu, para os pais lerem em família, contos de fadas empobrecidos de maneira assustadora com personagens perfeitos psicologicamente e moralmente.

Para piorar, o governo federal propõe mudar a política de inclusão de pessoas com deficiência e joga no ralo o trabalho desenvolvido há anos pelos professores. As primeiras reações dos especialistas é que haverá brechas para a abertura de escolas especiais e, consequentemente, a segregação das crianças.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.