CINEMA


AMIZADE, AMOR E IDEOLOGIA

Dois belos filmes chineses em cartaz oferecem aos mais exigentes apreciadores da arte cinematográfica a oportunidade de conhecerem aspectos de uma cultura milenar que sempre primou pelo princípio e pela ética. Assim, amizade, amor e ideologia compõem a tríade que sustenta o argumento dos filmes "O clã das adagas voadoras" e "Herói", do diretor chinês Zhang Yimon. Exibidos no Brasil quase ao mesmo tempo, chegaram entre o final de 2004 e início de 2005. Herói, com uma defasagem de dois anos, aproximadamente, mas valeu a pena a espera. Os filmes, de rara beleza e harmonia, primam por fotografias e cenários de ilhas de excelência e montagens e ritmos excepcionais. Pode-se considerá-los de plasticidade impecável.

Em O clã das adagas voadoras, a trama política que determina o argumento revela a força da ideologia acima do amor e da amizade. O Estado é prioridade de vida e de morte. A amizade fundamenta-se no respeito à ideologia, e o amor submete-se à razão e ao dever ideológico (politicamente desprovido de razão - a história tem demonstrado).

A luta marcial (tão vulgarizada nos anos 70/80 em exibições kunfunianas) beira o espetáculo da dança, e de tão extraordinária pode-se compará-la a um balé. São travadas tendo como fundo cenários naturais como florestas, principalmente, e campos cobertos por neve, como na última seqüência, explorando uma linha temporal pouco vista no cinema.

Essa seqüência final, referida acima, expõe o clímax de um triângulo amoroso, que sufoca a dimensão de um amor emergente sufocado por uma ideologia política. O filme mostra uma sociedade que valoriza os ideais da vida coletiva e não teme a morte.

Em Herói, os cenários são tão belos quanto em "O clã das adagas voadoras", embora não existam as cores como o verde exuberante das matas e a clareza da neve. Zhang Yimon consegue extrair cenas de rara beleza com as cores áridas do deserto. E o mosaico colorido que impõe às cenas é para ficar nos anais da história da Sétima Arte.

Mais uma vez o diretor lança mão de um triângulo amoroso para estabelecer a dicotomia razão-emoção, sempre conferindo ao primeiro o sabor da vitória. É a sabedoria milenar chinesa em catarse.

Em Herói, assim como em "O clã ...", Yimon explora um acontecimento político, desta feita, narrando os fatos acontecidos quando da unificação do território chinês. A surpresa fica para a seqüência final quando os opositores ao regime poupam a vida do tirano para que ele possa exercer pela força a união da China dividida. A compreensão de inimigos, estabelecidos pela ideologia, de que o Rei Qin vivo seria mais importante, só é entendível dentro de uma cultura milenar que tem na mente a supremacia perante o coração, que faz da razão, ainda que seja incompreensível, a supremacia perante a emoção.

A seqüência final expõe a grandeza política e a valorização da vida coletiva quando assassinos políticos confessos preferem morrer para dar a paz ao povo que fazem aquela Terra, do que vê-lo continuar vivendo no sofrimento de guerras.
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O clã das adagas voadoras, China, 2004. Direção de Zhang Yimon.
Herói, China, 2002. Direção de Zhang Yimon.
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CINEMA BRASILEIRO

VIDA BLINDADA

Baseado no livro "O Matador" de Patrícia Melo, o diretor José Henrique Fonseca realiza um filme que tem a marca do novo cinema brasileiro depois da retomada pós-Collor. Vencedor de seis prêmios internacionais o "O homem do ano" é uma mistura de violência, poder, fama, amor e religião, o que culmina num filme explosivo. Uma aposta banal, por um time de futebol, modifica a vida do pacato Máiquel, que se transforma em um matador frio e implacável. Ao primeiro crime, passa a ser reverenciado como herói pela comunidade, posto que o assassinado era um bandido que aterrorizava a região.

Ao ser guindado ao posto de guardião da comunidade, começa então uma vida de crimes e corrupção que envolve empresários e policiais. Guindado a 'O homem do ano' por uma associação comercial, passa a ter dinheiro e fama, mas o poder continua do outro lado.

O empresário que vive refém do medo e submete-se a uma vida blindada, o policial corrupto, os amigos e inimigos drogados das gangues que controlam o crime organizado, os cuidados com o porquinho Bill, seu animal doméstico de estimação, a moça trabalhadora com quem casa e tem uma filha, e a amante, a destilar salmos e salmos, que arrependida de uma vida de crimes procura a igreja evangélica, são as situações com as quais o criminoso passa a ter que conviver. Tudo resultado de um simples detalhe.

A seqüência final é contraponto da seqüência inicial e indica os caminhos que o personagem pode seguir a partir dali. E fica a perspectiva de que, novamente, um simples detalhe pode mudar um destino.
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O homem do ano, 2003, Brasil. Direção de José Henrique Fonseca. Com Murilio Benício, Cláudia Abreu, Natália Laje e Jorge Dória. Em DVD.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo