SEMPRE E NUNCA
Essa é a dicotomia da cidade do pecado Sin City: sempre e nunca. Sempre é uma palavra que permeia o falar dos pecadores, e nunca é a outra palavra. Sempre acontecerá algo no campo da esperança, que nunca se concretizará. Sin City é cinema quadrinizado na acepção do termo, maior que quadrinho filmado. Competência do início ao final. Não foi sem propósito que a produção do filme uniu o próprio Frank Miller, um dos maiores nomes do graphic novel, ao irrequieto Robert Rodriguez e ao impagável Quentin Tarantino.
Confesso que analisar filmes baseados em HQs não é tarefa fácil, por se tratar de uma literatura corrente nada convencional. A dificuldade se prende ao fato de que na diversidade dos títulos dos gibis, nos seus estilos mais variados, esses apresentam idéias próprias e sempre vanguardistas, daí difíceis de adaptações, e julgamentos.
No filme aqui levantado, Sin City, os personagens, tão humanos quanto os espectadores, são anti-heróis que vivem suas agruras terrenas, próprias de qualquer vulnerável, dos dilemas financeiros às relações amorosas. E são as relações amorosas que tecem o núcleo central do filme. Os pecados que povoam a cidade impregnada de pecadores não eliminam os sentimentos de amor que afloram em alguns dos personagens.
Sin City é uma metáfora às grandes cidades assediadas pelas máfias que controlam a promiscuidade da prostituição e do tráfico do poder, e charfundam na lama da corrupção instalada nas instituições religiosa, política e policial. São três histórias que entrelaçam a trama submergindo o clero nos crimes sexuais, a polícia na maquinagem da exploração sexual, e a política na urdidura que se enreda na marginalidade do sexo.
Nas (três) histórias paralelas, e que convergem no final, Hartigan é um policial que tenta salvar uma garota de onze anos vítima de um seqüestro por um filho de um senador - mesma garota que se mantém fiel ao seu salvador durante anos, e quando adulta (vivendo como dançarina de boate) confessa o seu amor ao homem que a salvou; Marv é um renegado social que quer vingar a morte de uma prostituta, Goldie, a única mulher a lhe dar sexo durante a sua existência; já Dwight é outro policial, que apaixonado por Valquíria, líder das prostitutas, protege as mulheres da cidade, todas prostitutas, contra as atrocidades da própria policia.
Assim é Sin City, entre o sempre e o nunca. Uma dicotomia tão presente quanto a existência de amores impossíveis, da corrupção e dos sofismas da moralidade política e da ética clerical. Sempre e nunca é a presença adverbial que causa a ação e a reação, a favor e contra os desmandos humanos a criarem cidades repletas de pecadores. E não se trata de moral bíblica, mas de constatação da realidade nefasta das metrópoles.
A cidade do pecado é imagem e semelhança da vida real. Um filme de temática que se situa muito além da imaginação e no fundo da realidade. É um filme de ação intimista, do ponto de vista das emoções de homens e mulheres envolvidos em pecados; de ação psicológica, a mostrar uma sociedade desnudada pela crueza das mazelas da imoralidade institucional e que busca a reflexão numa análise do homem dentro de si mesmo.
Rodrigues tece o fio de uma argumentação que leva os eventos dos episódios paralelos para a marginalidade social. Por quê? É como se o mundo metropolitano transformasse cidades em guetos confinando seus habitantes em cidades condenadas pelo pecado. Assim, o confinamento espacial de prostitutas, a crescente corrupção política e policial, e a associação da igreja aos processos citados levam a sociedade para uma vala comum: a do pecado.
Sin City é quadrinho do melhor nível. E é filme do mesmo nível do quadrinho. Os fotogramas capturam os quadrinhos e têm-se a impressão que ganham vida na tela. É como se os fotogramas perdessem a velocidade tradicional do cinema e adquirissem a ilusória estática das revistas. Sin city é imperdível.
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Sin City. EUA, 2005. Direção de Robert Rodriguez e Frank Miller e Quentin Tarantino. Roteiro de Frank Miller. Elenco: Bruce Willis, Mickey Rourke, Rutger Hauer, Benicio Del Toro, Jéssica Alba, Clive Owen, Nick Stahl, Elijah Wood, Rosário Dawson, Brittany Murphy.