CINEMA


HÓSPEDES DA DESPEDIDA

O que fazem mais de 1.200 negros de um país pobre como a República África Ruanda em um hotel categoria A, de bandeira internacional, o Mille Collines? Divertem-se? Aproveitam alguns dias de folga? Pois bem, tomemos como referência para a resposta destas perguntas o fato de que a água da piscina não é usada para que tais hóspedes nadem e refresquem-se do calor, mas para consumo e higiene, quando o hotel tem a água cortada. Os hóspedes em questão estão lá à espera de ajuda do exterior, estão lá exilados em território internacional sob a proteção da ONU.

 

São hóspedes que têm na possibilidade da despedida a esperança de deixar o país, o que significa passaporte para a vida. As cenas de despedida mexem com a sensibilidade e emotividade dos espectadores (ou apenas com a minha imaginação?). Mas a dor da despedida que vejo nas cenas é dramática; é a dor dos que não sabem se verão mais um ente amado, que vive sob a pressão de não saber se o amanhã será menos sangrento, é tudo uma questão de tempo, que se esgota rápido. Foi essa a realidade de quase dois milhões de ruadenses da etnia tutsi no ano de 1994. Entre 500 mil e um milhão de pessoas assassinadas (a maior parte a golpes de facão) e algo em torno de um milhão de nativos exilados em países vizinhos, tão pobres e quase tão conturbados quanto à própria Ruanda. O massacre acontecido em Ruanda virou filme: Hotel Ruanda.

 

Com sensibilidade Terry George, diretor e roteirista mostra o massacre ocorrido em Ruanda, um país africano, vizinho do Zaire, Tanzânia, Congo e Burandi, com pouco mais de sete milhões de habitantes. O filme trata do genocídio, acontecido num país mergulhado em uma disputa étnica, sem mostrar as mortes pavorosas que inundaram as ruas. Terry George livra o espectador de cenas tão cruéis.

 

Hotel Ruanda é um filme doloroso. Dói pelo massacre impiedoso. Dói pelo abandono imposto pela política externa de europeus e americanos. Não há como não lembrar o “A lista de Schindler” e o Holocausto, com a Igreja Católica fazendo vista grossa a matança de judeus. Quando a Bélgica desocupa Ruanda deixa lá instalada uma monarquia tutsi, minoria étnica, que é defenestrada pela maioria hutu. A partir de então o país vive sob forte clima de violência tribal que culmina com a perda do controle em 1994, quando os conflitos étnicos recrudescem, é o ano a que se refere a filmagem.

 

Duas seqüências de cena são marcantes pela dor da despedida dos hóspedes do hotel. A primeira, quando da evacuação de cidadãos europeus e americanos de Ruanda, com os brancos deixando para trás os seus amigos negros, principalmente os religiosos que lá prestavam assistência às vítimas do conflito. A segunda, quando Paul Rosesabagina (Don Cheadle), gerente do Hotel Mille Collines, decide não deixar Ruanda acompanhando a sua família na retirada negra, negociada pela ONU, para poder continuar lutando pelos tutsi condenados ao extermínio pelo poder hutu e por uma milícia paramilitar que o governo já não controla. Rosesabagina, um hutu, é casado com uma tutsi. São os hutus que detém o poder e promovem o massacre contra a minoria tutsi.

 

Paul Rosesabagina é o herói desse povo, ou uma pequena parte dele. Com o seu destemor consegue salvar pouco mais de 1.200 ruadenses, que ele consegue manter no Hotel Ruanda. O hotel, de bandeira internacional, é ponto estratégico da ONU, e tem como comandante para o estabelecimento da paz um oficial canadense (Nick Nolte), que faz suas críticas à própria ONU, pela fragilidade no episódio, e aos governos europeus e americano, que entregam os tutsis a própria sorte. Segundo o general, para europeus e americanos Ruanda não vale um voto. Sem apoio externo, os ruandenses buscam uma estratégia de pedir apoio individualmente para asilos políticos de famílias. Tudo isso tendo como espaço físico de proteção o hotel Milles Collines e o humanitarismo do gerente do hotel.

____________________

 

Hotel Ruanda. EUA/ África do Sul, 2004. Direção de Terry George. Roteiro de Keir Pearson e Terry George. Com: Don Cheadle, Nick Nolte, Sophie Oconedo, Joaquin Phoenix, Jean Reno.


   418 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo