CINEMA


A BELEZA DO ACASO NA ENTRESSAFRA

Os meses de dezembro e janeiro são particularmente difíceis para quem gosta de cinema além do entretenimento. Diga-se isto, então, de quem tem a responsabilidade de comentar algum filme em uma coluna de cinema, mesmo que sendo mensal. Aqui não se trata de vender o filme, como subliminarmente fazem as colunas semanais da grande imprensa. Aqui se trafega entre o gosto e o prazer. Ou seja: busca-se a expressão do gostar de cinema com o olhar da crítica e da análise de bons filmes.

 

E aí reside a grande questão: o que comentar? Nestes três anos (e lá se vai o tempo que não nos deixa vê-lo, nem medi-lo assim tão facilmente) tive momentos de facilidade extrema provocado pela qualidade dos filmes em exibição e de dificuldade agravada pela ausência de películas plausíveis. Como resido e escrevo em Aracaju, esses momentos de alternância de sucedem com freqüência, o que por vezes me impede de assistir a filmes que mereçam uma crítica.

 

Quando digo que mereça uma crítica, aposto na proposta de um comentário que conclua por uma recomendação para que os leitores possam dispor de uma indicação.  Em algum momento, com certeza, incorri em erro ao comentar determinado filme que não mereceu recomendação. E isto aconteceu devido à ausência de boas películas nas salas de exibição. Em outro momento recorri à análise de filmes em vídeo, o que procuro evitar, mas quando isto ocorreu foi devido ao mesmo motivo: a inexistência de filmes em exibição passíveis de crítica. Fica claro que o pressuposto básico a ser exercido pelo colunista é comentar filmes em cartaz, o que nem sempre é possível justamente pela exígua praça cinematográfica de Aracaju.

 

No mês de dezembro não fiz comentários sobre filme (o que é facultado pela página, desde que o conteúdo seja sobre cinema), pois não assisti a nenhum que tivesse me despertado sensações e emoções; abro um parêntesis para dizer que Nárnia superou os seus opositores Potter e Kong, mas não me motivou a comentá-lo. Embora estes filmes tenham merecidos caudalosos comentários nas páginas da grande imprensa, o caso que mais chamou a atenção foi a benevolência da crítica especializada da mídia comercial – aquela que subliminarmente vende o filme – com o abominável filme King Kong. Uma película ridícula de pretensões absurdas que traz como novidade uma mocinha que faz malabarismos tal qual o modismo dos menores nos semáforos das cidades brasileiras, e um duelo com dinossauros que beira a patetice.

 

No período aqui citado, a entressafra de dezembro a janeiro, mesmo em São Paulo, notadamente a maior praça de exibição do país, caem os números seja de quantidade, seja de qualidade. Mas pela vasta praça cinematográfica da cidade sempre sobram filmes fora do circuito comercial.

 

Seria uma entressafra absoluta se neste mês de janeiro não tivesse aparecido A marcha dos pingüins. Um documentário que, embora tenha se alongado por 1h25min e tenha um cenário branco e frio durante todo o tempo, a inóspita terra da Antártica, passa emoção. A marcha dos pingüins celebra a vida sem esquecer a presença da morte. É uma marcha assumidamente triste, necessária para a preservação da espécie. Tem como finalidade o acasalamento, e sacramenta o companheirismo e a parceria como fundamentos para a relação que se estabelece entre os casais.

 

A existência dos pingüins se resume anualmente a três meses de verão na doce vida do oceano, entre nado e pesca, e nove meses de inverno na provação das geleiras, entre a imobilidade e a fome. A parceria dos casais funciona de forma metódica, necessária para a procriação, desde o momento que se juntam para a cópula até a liberdade do filhote no mar.

 

A solidão e as constantes despedidas dos casais marcam o sofrimento a que são impostos revezando-se em longas marchas em busca de alimento no oceano. Enquanto a fêmea parte no limite da sua resistência, cansada e com fome, em busca do alimento para retornar e alimentar o filhote que deve nascer, o macho fica chocando o ovo, enfrentando o frio e a fome, na esperança do retorno da parceira. É então a hora da sua partida em busca de alimento, abandonando a fêmea e o filhote nascido, no limite das suas forças cansado e com fome após quatro meses sem se alimentar. Esse processo dura nove meses por ano, e o encontro dos casais, quando acontece, é tido como a beleza do acaso.

 

A pujança das imagens é tamanha que por vezes se duvida do que se está vendo, e pensa-se na condição da pós-modernidade em que embora imagens sejam provas da realidade também podem ser criadas e manipuladas. É apostar que o filme é pura realidade, por mais triste que possa parecer a vida dos pingüins. Enfim, A marcha dos pingüins é a beleza do acaso do encontro de um filme nesta entressafra cinematográfica.

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A marcha dos pingüins, EUA/França, 2005. Direção de Luc Jacquet. Roteiro: Michel Fessler, baseado em roteiro de Luc Jacquet. Documentário. 85 minutos.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo