CINEMA


A POESIA EM BENIGNI

Roberto Benigni, diretor italiano, é conhecido do público brasileiro por ter ganhado o Oscar de melhor filme estrangeiro com A vida é bela. Para Benigni a vida é mesmo bela, e a esperança é a sua cruzada. Mesmo que existam separações conjugais e guerras, com filhos carentes de atenção no meio dos dois dramas, a esperança não é a última que morre, pois nunca morre.

 

Pode-se questionar o humor de Benigni, pois que não é de provocar gargalhadas. Como também a sua verve trágica, nunca dramatizada ao ponto de suscitar lágrimas, sempre circulando entre o amor e o humor. Situa-se entre a provação do humor e do drama. E é justamente aí que reside o seu estilo.

 

Eis que o diretor/ator aparece de novo, apresentando imagens poéticas, plenas de alegorias e metáforas, para firmar a sua concepção de esperança e alegria constantes. Trata-se do filme O tigre e a neve, que trata da aventura e desventura de Attilio de Giovanni, um poeta e irreverente professor universitário. Ao lançar um livro de poesias intitulado O tigre e a neve, o poeta se vê preso na sua própria literatura ao ter ironicamente, a persegui-lo, a sentença de Vittoria, sua ex-mulher, de que só voltaria para ele no dia em que visse um tigre andando sobre a neve. O que Benigni resolve com simplicidade ao construir imagens nas quais a neve cai na cidade e um tigre foge de um circo em chamas. Dá ao poeta a mais perfeita construção da realidade da sua literatura, deixando o imaginário em que vive preso em uma página do seu próprio livro.

 

A revelação ao final do filme que o objeto do amor do personagem central (Attilio de Giovanni) é a sua ex-mulher, com quem tenta sem sucesso reatar um antigo relacionamento, é uma jogada de mestre, que lembra o humor clássico, fino, ao mesmo tempo trágico e inteligente de Wood Allen. Deixou o espectador acreditar, durante todo o filme, que a mulher que aparecia com as suas filhas era a mãe de suas duas filhas, quando na verdade era a governanta; e não deixou transparecer que Vittoria, a mulher que povoa os seus sonhos diariamente, não era a sua ex-mulher, com quem tinha uma ligação afetiva e de amizade, e sim uma nova conquista. Uma narrativa genial.      

 

Um personagem muito importante na narrativa é Fuad. É o elemento necessário ao diretor para inventar um cenário de guerra. Fuad, escritor iraquiano, radicado na Europa, ao ter início a guerra do Iraque decide que é a hora de retornar ao país natal. Assim, o Iraque é incluído no filme para criar o cenário ideal, pretendido para dar vazão ao imaginário do amor que supera a violência. Quando o escritor iraquiano retorna ao Iraque, Vittoria, editora do escritor, e com um livro em andamento, vai ao Iraque. Fecha-se a trama: a inserção da guerra necessária para o contraponto da celebração do amor.

 

O tigre e a neve é recheado de alegorias e metáforas. A guerra vista com suas neuroses, como a revista do poeta em uma fronteira, confundido como um homem-bomba, e a sua fuga em um campo minado, plantado no perímetro urbano, seqüências de pleno humor na tragédia da guerra. Por outro lado, chama a atenção para os conflitos religiosos ao definir Fuad como alguém que não crê em nada, quando para o próprio escritor “acreditar no nada já seria alguma coisa”. Mostra os iraquianos dirigindo-se às mesquitas, em uma profissão de fé. E surpreende o próprio Fuad indo à uma mesquita, em busca de algo. A morte de Fuad, por suicídio, é um enigma. O que quer mostrar o diretor: o suicídio como forma de encontrar o paraíso como professam os homens-bomba?

 

Mas acima da guerra, tão necessária na trama, existe o amor. E este é reverenciado na seqüência em que Attilio cuida de Vittoria em um hospital improvisado no centro de Bagdá.  Vittoria é atingida por um bombardeio em Bagdá, e ao tomar conhecimento do acontecido Attilio viaja para o Iraque. Vai cuidar da ex-mulher, enquanto esta permanece em coma. É a representação de Almodóvar e seu Fale com ela. Embora os contrastes sejam grandes entre o hospital iraquiano destruído pela guerra e o ambiente de primeiro mundo do filme do espanhol, pois que um dá o tom do humor e o outro do drama, Almodóvar esta eternizado em O tigre e a neve. Estabelece-se a mesma hipótese nos dois filmes: a cura de alguém em estado de coma ao ser cuidado silenciosamente por outro alguém que o ama. Este é o incansável e otimista Benigni, que no final premia o incansável e otimista Attilio de Giovani, devolvendo-lhe o interesse e a paixão de Vittoria.

 

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O tigre e a neve. Itália, 2005.  Drama. Direção e roteiro de Roberto Benigni. Com: Roberto Benigni, Jean Reno, Nicoletta Braschi, Chiara Pirri, Anna Pirri.

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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo