PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: EXISTE UMA ÉTICA PROFISSIONAL?

A prática profissional constitui o resultado de uma relação humano-social, sustentada na expectativa de um usuário quanto à disposição e domínio de saber que possui um prestador de serviço. Desse prestador de serviço, o usuário espera não apenas que ele saiba o que fará, como o fará e conheça as condutas técnicas e deliberações sobre como aplicar esse saber, mas que respeite a si próprio como executor de sua tarefa para minimamente ser humanamente conveniente com o resultado que proporcionará ao usuário no final de seu trabalho.

 

Essa idéia exposta no parágrafo acima responde às duas principais vertentes doutrinárias modernas do que se ousa chamar de ética profissional, ou seja, ao utilitarismo, de um lado, e à deontologia, de outro. Do ângulo do utilitarismo, toda e qualquer ação realizada pelo prestador de serviço sempre visará à geração do máximo benefício para o seu contratante. Do ângulo da deontologia, essa ação é decorrente do sentido de dever moral que esse prestador de serviço carrega, ao ser um profissional, ao ter o domínio técnico que tem e ao ter a missão social de executar tal tipo de tarefa e ser pessoa cuja conduta moral pessoal, para ser coerente com sua conduta profissional, é digna de toda a confiança. O imperativo categórico determina a esse prestador de serviço que ele, parte que é da categoria profissional que dispõe das habilidades e do saber fazer que domina, é inescapavelmente responsável pelas deliberações que toma para realizar completa e adequadamente, isto é, com a qualidade que ele gostaria de constatar ao final, caso fosse ele o próprio contratante, a tarefa a si confiada pelo contratante a quem atende.

 

A formulação acima dada expõe o caso do sujeito que associa nas suas disposições psicológicas e sociais as expectativas de uma conduta que representa uma moral funcional, isto é, uma conduta e atitudes que decorrem de sua preparação para uma ação profissional, para o exercício de um papel, ou seja, de bibliotecário, por exemplo, e de uma conduta  moral, ou seja, que resulta de sua socialização como pessoa humana socialmente situada, tendo assimilado valores de justiça, honestidade, fidelidade, valor à vida, etc. No caso, é justa a expectativa de parte do usuário de que a boa conduta moral do prestador de serviço reforce a moral funcional que ele manifesta. Ele não poderia realizar humanamente bem o seu papel, apenas pelo simples fato de ter construído uma formação técnica, obtida em um ambiente com bons laboratórios e outros tantos recursos de aprendizagem.

Ora, isso apresenta claramente a circunstância que de cada ser humano e social é uma totalidade individual. Ninguém, ao ter uma preparação para uma atividade laboral e passar a exercê-la como uma atividade profissional, reduz-se apenas às práticas que, objetivamente, se pode esperar como produto de sua ação profissinal! Por mais que alguém possa se esforçar para voluntariamente ser profissional, de um lado, e pessoa de outro, cairá nas incertezas de seus gostos e preferências, de suas vontades e emoções. Justamente por isso, é que todos os profissionais, como coletivo que se identifica por sua atividade laborativa, são levados a estabelecer - a partir da reflexão moral, subsidiada pela razão, que não é uma entidade neutra, mas uma componente do ser humano - um conjunto de princípios que orientem as suas condutas pessoais e as suas práticas ou ações profissionais.

 

Nesse sentido, embora correlacionada com uma moral geral, e diferente desta por esta contemplar o ideal de uma conduta universal, a moral profissional poderá ter nuances em sua expressão, conforme as características do objeto específico com que trabalha e da finalidade social a que atende a respectiva profissão, isto é, da especificidade da missão profissional de cada profissão socialmente estabelecida. A esse propósito, e situado sob uma perspectiva deontológica, Émile Durkheim ao tratar sobre a moral profissional, em seu livro Lições de sociologia, tenta fundamentar essa particularização. Diz ele:

 

“Temos deveres como professores, que não são os dos comerciantes; os deveres do industrial são totalmente diferentes daqueles dos soldados, os dos soldados daqueles dos padres, etc. Pode-se dizer, a esse respeito, que há tantas morais quantas profissões diferentes, e, como em princípio cada indivíduo só exerce uma profissão, disso resulta que essas diferentes morais se aplicam a grupos de indivíduos completamente diferentes.” (p. 6)

 

No caso da missão a ser socialmente cumprida por quem escolhe uma profissão, de bibliotecário, por exemplo −  missão esta que determina as formas de conduta individual do prestador de serviços bibliotecários, perante todo e qualquer membro da sociedade, ao próprio grupo bibliotecário e a si mesmo, para que os gostos, preferências, vontades individuais e emoções não desviem a excelência da ação do grupo, não desvalorizem ou mutilem a identidade da profissão − torna-se necessária a formulação e explicitação de um balizamento da conduta profissional. Essa moral, que se sustenta em princípios éticos, não é uma ética. A ética está nos princípios que a fundamentam! Ela é ou deve ser tomada como uma norma de conduta, como uma determinação construída pelo grupo e no grupo sobre como proceder no cumprimento da missão profissional, a fim de que a identidade e a valorização atribuída pela sociedade ao que é específico dessa profissão seja respeitado, de um lado, e que cada usuário dos serviços profissionais saiba o que pode receber como atendimento e obter como qualidade das ações realizadas, de outro lado.

        

 

DURKHEIM, Emile. A moral profissional. In: ____. Lições de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 1-57.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB