AÇÃO CULTURAL


ÉVORA, ALENTEJO – PORTUGAL

Após alguns dias de pesquisas, fui a Évora, como um presente de férias que me dei. Foi um prêmio!

 

A cidade é diferente de tudo que eu já conhecia e foi-me conquistando bem devagarinho, passo a passo, cena a cena.

 

Nas duas semanas, pouco mais, que passei em Portugal, queria ter ido também ao Algarve, até para poder dizer que conheço o país de norte a sul. Não fui.

 

Viajei sozinha, sem carro; nos dias de hoje, essa é uma situação limitante para quem já não é jovem (o meu caso). Após a estadia a pesquisar na Torre do Tombo, em Lisboa, fui de trem a Évora, com a idéia de lá ficar alguns dias e, depois, seguir para a região do Algarve. O trem, agradável e confortável, não iria me levar aonde eu pretendia: Évora é o final da linha e teria que voltar a Lisboa para tomar um outro “comboio”.

 

Sem um esquema definido ou sem o empenho necessário, fui ficando. Via levas de turistas das mais variadas origens, que ali ficavam por um ou dois dias, no máximo, e seguiam adiante, sem deixar a superficialidade dos roteiros tipo “fast”.

 

Évora é incrível: cercada por vinhedos a perder de vista, nas terras planas, entrecortadas por extensões vastas de árvores da cortiça e de outras que têm como frutos as bolotas e alimentam o gado, principalmente o suíno  (o “porco preto”, de carne soberba, com alguma semelhança com o javali), além de serem a matéria-prima de geléias e licores. Na parte alta, que corresponde à cidade murada e ao patrimônio universal definido pela UNESCO, está a mais surpreendente manifestação da herança histórica, arqueológica e cultural que o Alentejo recebeu do passado: vestígios e ruínas dos romanos, sobre os quais se assentaram os mouros, os povos do período medieval e, finalmente, os portugueses modernos e os contemporâneos. As camadas são claras e inconfundíveis, numa composição fascinante; as ruelas de Évora escondem tesouros e as palavras são pobres para descrever o cenário. A cada esquina, a cada passo, a sedução e a conquista; ao mesmo tempo, a emoção e o reforço da ancestralidade ibérica.

 

De quando em quando, um largo, como ponto de encontro e como ponto de negócios. Bem no alto do morro – Évora envolve num abraço todo esse morro – estão as ruínas do Templo de Diana, a amurada de que se descortina o horizonte, o Castelo dos Duques de Cadaval, o Museu dos Coches, parte da Catedral em obras de restauro, a Universidade vista do mirante (inclusive o Arquivo Distrital), e outros prédios na vizinhança da Biblioteca Pública (BPE).

 

 

Quis visitá-la. O prédio é de época, tombado, e abriga coleções preciosas, além de um acervo atual e bastante solicitado. A equipe é pequena: apenas seis pessoas, que dão conta do atendimento aos usuários, aos serviços técnicos e de referência e a uma extensa série de atividades culturais, umas periódicas, outras eventuais, a maior parte delas voltadas para o incentivo à leitura e à literacia. A direção é do doutor José António Calixto, com pós-graduação em Sheffield, Inglaterra, intelectual dinâmico, e da maior fidalguia ao receber os visitantes.

 

Évora é uma das principais cidades portuguesas e, no universo alentejano, atrai o interesse de grande número de patrícios e forasteiros, pelo que foi, pelo que é e pelo que produz. Sabe ser hospitaleira e acolhedora. Apresenta uma culinária peculiar e saborosíssima, que pode ser degustada tanto nos restaurantes sofisticados quanto nas tascas mais singelas, acompanhada de vinhos regionais de primeira linha. E os doces?!...

 

O artesanato regional é atraente e diversificado: vai de tapetes a artefatos de cerâmica, de ferro e de cortiça (Portugal é o maior produtor e exportador mundial), lindos todos, que se exibem no comércio e no Museu do Artesanato, em Évora.

 

Tradicionalmente, há as criações de cavalos, em que é destaque o direcionamento para o hipismo, na modalidade adestramento, no qual as crianças são exercitadas desde pequenas, com as equipes em competição.

 

Voltemos à Biblioteca Pública.

 

Ao analisar a programação cultural mensal da BPE, sob a ótica cultural de Milanesi, vemos que, do trinômio informar-discutir-criar, ficam explícitos apenas dois dos fatores, nas atividades permanentes: informar e discutir.

 

Essa situação acontece no que se refere à reunião do Grupo de Leitura Juvenil (“Gaspacho de Letras”), em que é proposta a leitura de um livro/mês para jovens leitores, reunidos periodicamente para escolher, ler e conversar sobre os livros. Similar ao que ocorre com o Grupo de Leitura “Grup´ECO”, para adultos, que segue a mesma dinâmica, apenas quebrada pela participação de um jantar literário com o autor escolhido.

 

Em Rodas de Leitura e Contos de Lua Cheia, são realizadas leitura coletivas, em voz alta, conduzidas por um leitor-guia, ao som de música, no primeiro caso, e atividades de contação de contos populares, por especialistas, para um público variado, no segundo caso.

 

Assim, não fica explícito que o terceiro fator da Ação Cultural – criar/recriar conhecimento –, seja exercido efetivamente.

 

Como consideramos que a Ação Cultural, tal como a conhecemos e a praticamos de forma crescente, seja considerada uma atividade de forma pedagógico-metodológica e, portanto, no sentido de buscar o conhecimento, na área que for, podemos considerar que os planejadores do calendário cultural da BPE tenham implicitamente levado em conta esse terceiro fator, no sentido de que, exercidas as etapas/oportunidades de informação e debate, surja de forma provocativa, instigadora, o impulso de criar/recriar conhecimento, nas formas mais variadas e de acordo com as características de cada indivíduo participante.

 

De qualquer maneira, o círculo se fecha e a própria reflexão, como quer Teixeira Coelho em seu texto “O que é ação cultural”, pode gerar e consolidar conhecimento, na cadeia de avanço do desenvolvimento.

 

Entretanto, a programação da BPE em destaque excede o âmbito das letras, mesclando-a com um concerto (piano voz e violino) sobre música clássica japonesa, bem como abre oportunidade para se apresentar e debater a pedagogia MEM (Movimento Escola Moderna), “nos vários níveis de educação e ensino”, seguida de exposição alusiva.

 

A BPE também comemora datas significativas, no caso o Dia Internacional das Bibliotecas Escolares, por meio de seminário que informa e debate a cooperação possível entre biblioteca pública e biblioteca escolar. Entre outras datas, abre espaço para o Dia Mundial da Poesia, do Livro Infantil, do Livro em geral, e promove a Feira do Livro.

 

Assim, explícita ou implicitamente, a BPE vai cumprindo o seu papel transformador da sociedade local e regional, como difusora de informação plural, de cultura e de conhecimento, dentro dos critérios de variedade e de qualidade crescentes.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior