AÇÃO CULTURAL


ENTRE CONCEITOS E PRÁTICAS

Entre a teoria e a prática, a Ação Cultural envolve fundamentalmente o tema, o público e os três verbos de ação: informar-debater-criar conhecimento, num projeto articulado.

 

Após o término recente de dois cursos sobre Ação Cultural, grupos formados por aproximadamente cinco integrantes cada, apresentaram pré-projetos de AC, tarefa solicitada para efeito de avaliação. Ali, foi possível analisar essas categorias, inclusive para fazer uma idéia de como esses profissionais estão atuando, na prática, naquilo que eles vem denominando de “ação cultural”, no âmbito da biblioteca pública/infanto-juvenil. A parte introdutória de cada curso trabalhou exaustivamente a questão do conceito de AC, pois daí decorrem as ações e o desdobramento do processo, bem como o produto possível.

 

Em onze grupos (duas turmas, sediadas em bibliotecas distintas), os itens mencionados acima se diversificaram bastante, passando por famílias com crianças de até três anos (em creches, de um a três anos), homens e mulheres da comunidade próxima à biblioteca/centro de informação, comunidade negra, corpo técnico da biblioteca pública, adolescentes/estudantes de 13 a 14 anos (de 8ª a 9ª séries do 1º grau), além de crianças de até seis anos de idade.

 

Essa diversidade de público liga-se a problemas percebidos/constatados  entre o público das bibliotecas, em geral, e que irão demandar ações muito variadas, dentro do processo articulado de AC, sempre envolvendo os mesmo verbos de ação. É o que veremos adiante.

 

No(s) curso(s), manter o conceito de AC adotado como parâmetro encontra uma certa resistência por parte dos participantes que, por já serem profissionais atuantes em uma prática, trazem consigo uma experiência “cultural” quase sempre eivada de cacoetes e vícios, falta do necessário aporte teórico em sua formação básica ou continuada.

 

Alguns chegam a acrescentar justificativa aos objetivos propostos; mas, quando apresentam o desdobramento tríplice, os três verbos de ação acabam, em alguns casos, perdendo o equilíbrio entre eles e a coerência do todo. Por exemplo, para um público genérico, indicam a divulgação de cartazes, anúncios em jornais do bairro, Internet, exposições de artigos, envolvendo o tema “dificuldade em se expor verbalmente diante de outras pessoas”, numa aparente confusão entre divulgar notícias sobre essa iniciativa em contraposição a informar o público-alvo sobre a dificuldade constatada de “se expor verbalmente diante de outras pessoas”. Portanto, o que deve ser informado para o público (por diferentes modalidades), no caso, são informações/conhecimentos sobre problemas a ele inerentes.

 

Embora a ordem das ações (os três verbos) não altere o produto, o verbo seguinte – debater – aparenta ser o mais difícil de encontrar clareza de entendimento e uma solução, por parte dos planejadores e operacionalizadores da AC, ou alternativa: das onze turmas, seis delas não conseguiram explicitar como promoveriam a discussão de idéias e conceitos ligados ao tema; poucas ofereceram sugestões, nesse sentido: 1) mesa redonda com especialistas, 2) encontro para capacitação dos educadores (pouco claro), 3) debates, depoimentos, comentários, troca de informações, “rodas de leitura”. Sugestões ainda pobres, pouco criativas por parte dos grupos, de forma geral.

 

Para a ação de criar conhecimento, isto é, oferecer oportunidade de se criar conhecimento, saíram as seguintes propostas: 1- elaboração de documento com resultado de pesquisas sobre o tema, para o acervo, 2- “busca ao tesouro”, desenho e pintura, jogo corporal, 3- instrumentalização para o uso das mídias impressas e virtuais/ desenvolvimento da competência comparativa dos discursos, 4- experimentação de produção de textos informativos, 5- oficinas, 6- história contada pelas crianças/ leitura compartilhada com os pais e educadores/ pinturas e textos orais (a operacionalização é pouco clara), 7- roda de depoimento dos alunos/ fotos dos alunos/ exposição/ elaboração do material de divulgação, 8- roda de leitura, oficinas de artes plásticas, além do que foi omitido pelos grupos nesse quesito.

 

Parece-nos que, ao elencar os itens solicitados, com falta de clareza, os grupos, em geral, também não têm muito claras para si as próprias ações e atividades a serem desenvolvidas. Parece-nos ocorrer um limbo entre a teoria (alguma) e a prática “cultural” em que se empenham na rotina profissional.

 

Preocupa-nos o dispêndio de energia e de todos os recursos que vêm sendo empregados por pessoas bem intencionadas e dedicadas, mas que, aparentemente, estão em desacerto e descompasso nas ações que se passam nas bibliotecas/ centros de informação, muitas vezes por inconsistência ou lacunas em sua formação profissional. Por outro lado, percebem-se dificuldades, talvez de ordem lógica, na falta de inter-ligação entre causa e efeito na seqüência trilhada, pois sendo a AC uma intervenção na cultura da comunidade da biblioteca ou do seu entorno, é preciso, além de um diagnóstico, discutir exaustivamente os itens aqui apontados – quase como previsões –,  sob pena de o processo se esvaziar e tudo perder sentido, por falta de estreita conexão entre os passos dados e a estratégia seguida.

 

Ora, em artigo anterior, esta coluna já abordava a dimensão e o efeito possível de uma intervenção sócio-cultural que a AC expressa para a comunidade usuária, real ou potencial. Envolve risco significativo; porém, esse risco vale a pena de ser corrido, se bem alicerçado em diagnóstico sério, se for bem planejado e, mais do que tudo, for muito claro para o grupo/ equipe deliberativa e operacional sobre cada passo a ser dado, dentro do processo articulado de criar oportunidade de discutir a informação e, a partir daí ou terminando aí (a ordem não precisa necessariamente ser essa), fechar o círculo dos três verbos de ação, constituintes desse projeto de cunho informacional, social, cultural e pedagógico que é a Ação Cultural, e que caracteriza tão bem as chamadas bibliotecas / centros de informação dinâmicas e mais atrativas e as que não o são. E, também, é uma questão de luz própria, que deixa uma imagem positiva e de modernidade, que o mundo inteiro já percebeu; só nós ainda estamos adotando, com passos de tartaruga. E ainda queremos reclamar de falta de reconhecimento social?


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior