CINEMA


O PERIGOSO JOGO DA PAIXÃO

Disseminou-se que os franceses têm uma habilidade inigualável em manejar suas liberdades afetivas. Talvez este conceito corrente tenha sido construído de forma equivocada a julgar pelas narrativas literárias e fílmicas. O filme “A bela Junie” é um exemplo desta contradição. Já na primeira seqüência, um diálogo travado entre um casal de namorados aproxima os mortais comuns dos incomuns franceses:

- Ester - Não retornarei à noite com você.

- Mathias - Não vou perguntar nada.

- Ester - Você precisa ser sempre tão perfeito?

Para Ester era preciso sim fazer perguntas, questioná-la quanto ao seu retorno, saber que havia interesse nos seus passos. O que o transcurso da narrativa vai mostrar é que a perfeição de Matthias não significava generosidade, e sim disfarce. Escondia uma relação com terceiros.

A bela Junie, França, 2008, mostra a paixão com seus aspectos de encantamento e do desencanto posterior. O diretor Christophe Honoré trabalha com dois núcleos passionais, gravitando em torno de um núcleo narrativo, uma vez que Junie e Matthias, centros das relações, são primos e residem juntos na casa da família do segundo. Junie deixa-se enamorar por seu colega Otto, ao tempo em que resiste à atração por Nemours, seu professor de italiano. Já Matthias, namora Ester, entrega-se fisicamente a Henri, e apaixona-se por Martin.

Embora seja o filme francês suporte de disseminação para a estabelecida corrente da liberdade afetiva e sexual, que de tão livre confunde-se com libertinagem, não é isso que demonstra a película no seu conjunto. Ciúme, posse, ofensas são descritas de forma convencional, beirando o lugar comum. Assim em “A bela Junie” cabem desequilíbrios passionais figurados em chantagem, agressão física, fuga e suicídio, tendo como pano de fundo o amor, ou melhor, a paixão.

Um dos núcleos passionais mostra o drama de Matthias, que namorando Ester, é assediado por Henri e entrega-se ao mesmo. Admitida a sua opção sexual sente-se atraído e apaixona-se por Martin, todos são colegas de classe. Chantagem e agressão física mostram como os mortais são comuns independente do espaço cultural. O envolvimento Mathias/Henri/Martin termina na polícia, algo impensável para os padrões franceses.

O outro núcleo termina de forma mais trágica. Otto, o namorado da bela Junie, descobre o envolvimento da mesma com o seu professor de italiano. Nemours, até então objeto de paixão das alunas, apaixona-se por Junie. Preterido, licencia-se de suas aulas e passa a vagar atrás da aluna diuturnamente. A estudante com medo de ceder à paixão, e depois ser descartada como acontecia com todas as mulheres enamoradas do professor, prefere fugir, ir embora sem deixar pistas. Otto, preterido por Junie toma outra decisão: a morte. A bela Junie queria um homem para sempre e encontra em Otto, morto, este amor eterno.

Embora a paixão tenha um inevitável aspecto de subjetividade, é inegável que é pungente. Não dá para ser desprezada em momento algum. É um ato que de forma única reúne alegria e sofrimento, deslumbramento e decepção. É mesmo um jogo que se estabelece, posto que seja dicotômico: transita entre a permanência transgressora e a regra da separação. Permeiam-se os limites da irracionalidade, embalados pelo desejo e a fantasia, e onde as regras não se impõem. Vive-se no limite das decisões, entre conceitos e preconceitos.

         Junie/Otto/Neumors, Matthias/Ester/Henri/Martin vivenciam o perigoso jogo da paixão, agravado pelo envolvimento de terceiros. Se é que se pode denominar paixão como um jogo. Mas se pode dizer que é algo perigoso que se estabelece entre o limite da euforia e da depressão. E que ao final (do jogo?) quase sempre existem perdedores de ambos os lados. Poucos são salvos.

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A bela Junie. França, 2008. Direção: Christophe Honoré. Roteiro: Gilles Taurand e Christophe Honoré, baseado em livro de Madame de La Fayette. Elenco: Léa Seydoux (Junie), Esteban Carvajal-Alegria (Matthias), Louis Garrel (Nemours), Grégoire Leprince-Ringuet (Otto), Martin Simeón (Martin).

 


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo