CINEMA


HEIRAN

Parte de uma região geográfica conflagrada, o Afeganistão, um dos países desta região, ao ter o poder tomado pelo Talibã, convive com um êxodo entre os seus cidadãos. Aproximadamente três milhões de afegãos emigram, muitos deles para o vizinho Irã, que não os vêem com bons olhos. Entre um destes afegãos esta Heiran, um jovem estudante que vai ao Irã em busca de trabalho.

 

Próxima à fábrica em que Heiran trabalha mora Mahi, uma jovem de 17 anos. Vivendo com seus pais, o irmão e o avô paterno, em uma propriedade rural, Mahi faz todos os dias um percurso de ônibus da escola ao sítio. Um dia no seu retorno conhece no ônibus um jovem operário. O jovem afegão Heiran. Os jovens se apaixonam.

 

Mahi contraria a rotina de uma cultura em que mulheres devem obediência aos pais e, portanto, devem se casar como um acordo. Não é preciso gostar. Não se pode pensar em amar. Só o sonho é possível, pois construído em surdina. Mas Mahi quer mais que isso, quer mandar no seu destino, amar e ser amada por um homem que ela escolheu. E o preço na conjuntura em que ela se insere é muito alto. Quando não é a vida, é o sofrimento, a solidão, a desesperança.

 

Mahi e Heiran vivem uma relação amorosa, que com certeza acontece com outros, porém não assumida com tamanha verdade e rebeldia. Mahi vai ao extremo na desobediência paterna, quebrando o seu destino de ter um casamento a ser acordado entre chefes de famílias. Às mães, sempre compadecidas pelo destino das filhas, cabem obediências aos maridos, e portanto não podem interceder no destino traçado pelos pais, em nome de uma cultura que não pode ser maculada.

 

A jovem teima em manter uma relação mesmo que proibida. Contrariando a perspectiva da necessidade de matrimônio por conveniência, pois o amor vem depois, enfrenta não só a sua família, mas todo um arcabouço cultural, que tem como princípios religiosos e políticos a obediência. Mas o romance em tela é muito mais complicado. Não bastasse a lógica cultural, existe um componente geográfico. Heiran é afegão, e vive como imigrante ilegalmente, ou seja, a qualquer momento pode ser deportado.

 

Apesar de todo esse arcabouço proibitivo há algo extremamente extraordinário mostrado no filme: a cumplicidade. Cumplicidade revelada na postura do avô que acompanha a neta na aventura de procurar Heiran em outra cidade. Encontrado Heiran, alguns outros familiares na cidade dão o apoio necessário para o casal ficar junto. Não sem as dificuldades financeiras. E não bastassem tantos contras, Mixa engravida. Some-se: uma jovem menor de idade, grávida de um trabalhador ilegal, tangida do núcleo familiar, sem perspectiva de futuro. Apenas e tão grandemente agarrada ao amor que teve despertado. Há algo no relato dessa paixão transgressora que chama a atenção: é Mahi, sempre, o elo forte. É ela quem busca desesperadamente por Heiran; que mostra que é possível mesmo com a adversidade construir uma relação.

 

Infelizmente, Mahi não tinha razão. E o seu avô mesmo acobertando-a já a tinha prevenido do seu triste fim que teria que enfrentar com a deportação de Heiran. Reside aí a mais forte seqüência emocional do filme, quando a jovem, com o seu filho nos braços, tenta entrar no Afeganistão em busca do seu marido. Impedida insiste em buscar Heiran em todos os ônibus ocupado por deportados. Se separação por si só é dolorosa, esta é dolorosamente piedosa.

 

Pode ser que o filme não represente um primor de técnica, e que haja diferenças técnicas para baixo em relação às grandes produções cinematográficas. Mas talvez ai resida o charme do cinema iraniano, pois o que vale para o público é uma boa história, o que conta é a narrativa exposta. Ao espectador comum não é do seu interesse discutir planos e suas seqüência, nem tampouco roteiros e montagens. É, antes de qualquer perspectiva técnica, entregar-se ao emocional, é vivenciar o argumento exposto. E isso basta no filme aqui analisado.

 

 O argumento dá o tamanho exato do drama ao mostrar as entranhas de fundo cultural e político humano, mas que não tem fundamento na essência maior do ser humano: a emoção. Mahi e Heiran vivem o sonho proibido. Mas qual o preço do sonho? Apesar de o preço ser alto, Mahi revela a determinação impar de uma mulher, que mais que ser minoria enquanto gênero é sempre segundo plano na existência de uma sociedade patriarcal. Um filme para assistir e se emocionar.

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Heiran. Irã, 2009. Ficção. Direção: Shalizeh Arefpour. Roteiro: Shalizeh Arefpour, Naghmed Samini. Elenco: Baran Kosari, Mehrdad Sedighian, Khosro Shakibaei.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo