AÇÃO CULTURAL


À MARGEM DA AÇÃO CULTURAL

Em geral, falo objetivamente de ação cultural, ligando-a às atividades desenvolvidas em unidades de informação e cultura, mais freqüentemente nas bibliotecas.

 

Desta vez, escrevo sobre uma situação com que tenho me deparado em alguns arquivos e que tem me tirado horas de sono.

 

Não sou arquivista de formação, embora lide profissionalmente com a informação desde sempre. Minha experiência com arquivos começou em nível doméstico e, depois, com empresa familiar.

 

Mais recentemente, a aposentadoria permitiu-me dedicar um tempo a levantar a história do fundador de minha família, no Brasil, o que me fez mergulhar de cabeça no universo complexo e instigante dos arquivos.

 

À parte as viagens que me levam a ir de um lado a outro, em busca de informações e documentos, esse meio tem-me proporcionado o encontro com pessoas muito interessantes, que compõem uma quase-confraria de historiadores e genealogistas amadores e profissionais que, desprendidamente, sugerem caminhos e instituições para solucionar problemas alheios e compartilham seus próprios achados; vitórias pequenas ou grandiosas, mas sempre sofridas e custosas.

 

Minhas pesquisas, nesse sentido, estão circunscritas ao século XIX, entre Brasil e Portugal. Já estive duas vezes na Torre do Tombo e no Arquivo Distrital do Porto, cujos documentos estão bem preservados (a maioria digitalizada), sob os cuidados de arquivistas competentes e solícitos.

 

Apesar das origens portuguesas, fui aconselhada a voltar ao Brasil, a fim de aqui continuar minhas buscas, que – pensava eu – seriam apenas de caráter paralelo. Não foram.

 

Entretanto, o período que me interessa mais de perto antecede à República; portanto, os registros são sempre restritos às Cúrias Diocesanas, já que são anteriores e precedem aos registros civis.

 

Há muita desinformação, nesse meio; não há um verdadeiro sistema de informação entre os diversos arquivos, que possa informar inclusive sobre a localização e o expediente efetivo de cada um, o que contêm e o que abrangem.

 

É tateando, pois, que se consegue obter o que se procura.

 

Além disso, a grande surpresa do encontro é o estado precário dos livros de assentamentos – a história registrada da nossa sociedade, entre livres e escravos –, que se encontra sem a conservação adequada, à mercê de cupins e brocas, ou da manipulação desastrada de pessoas que ocasionam rasgos e perdas irrecuperáveis.

 

A Igreja Católica, no estado de São Paulo pelo menos, precisaria estar mais atenta em relação aos seus arquivos disseminados pelo Interior, colocando esses registros preciosos debaixo de maiores cuidados preventivos e terapêuticos, que nem são tão dispendiosos, e preparando melhor os cuidadores, funcionários com muito boa vontade, apesar de a maioria se formar na prática cotidiana, leigos que são.

 

São Paulo já conta com um curso universitário de Arquivologia, na UNESP, cujo corpo docente e discente precisa saber em que estado esses arquivos se encontram, para lá desenvolverem projetos de extensão, com possibilidade de darem algum subsídio no campo da preservação desse tipo de material, de elementos de paleografia para a devida leitura-interpretação-transcrição dos registros, abrindo campo para outros estudos, de âmbito histórico, sociológico, de usos e costumes, de relações familiares, do trabalho, etc.

 

Sob pena de se perderem fatos e situações importantes da nossa história anterior à República, é imprescindível que se tomem providências urgentes quanto a esse patrimônio que é da Igreja, mas que também é do povo brasileiro, porque a ele diz respeito.

 

Quero crer que, entre os cardeais, os arcebispos e os bispos, haja autoridades eclesiásticas com alto nível de sensibilidade e conhecimento para acolher esta denúncia, feita de coração aberto por alguém que, mais do que ser do ramo da informação (ou até por isso), surpreendeu-se com a lastimável situação dos arquivos diocesanos visitados, ao fazer uma incursão despretensiosa nesse universo até certo ponto preocupante, nos dias de hoje.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior