LEITORES E PUFFS
Onde estão os leitores das bibliotecas públicas? Como e quando o histórico do distanciamento entre as pessoas e as estantes das bibliotecas se iniciou? Costuma-se dizer que as bibliotecas não atraem mais ninguém. Que seu jeito sisudo e impenetrável, anacrônico, bloqueia o desejo do indivíduo de entrar ou permanecer muito tempo dentro dela. Será que o leitor que existia sumiu? Será que o leitor que antes freqüentava ainda realmente existe?
Ampliando um pouco mais a discussão, como podemos levar à sociedade a escolha de ter ou não ter uma biblioteca pública em sua cidade? Será esta uma prioridade de todos? E se não for, por que ela se transformou em um equipamento subutilizado? A biblioteca pública ainda é necessária?
Algumas razões e argumentos são utilizados de forma recorrente: a biblioteca não tem que se restringir aos livros, e sim, ter em seu acervo outros suportes da informação. Mas que suportes seriam estes? CD-ROM, DVD, Blue Ray, será que as bibliotecas vão ter que correr o tempo todo atrás dos suportes inovadores na forma?
A decoração das bibliotecas são sempre usadas como vilãs do afastamento de público. Velhas estantes e cadeiras cinzentas não atraem as pessoas, a complexa questão do acesso à informação se restringe às decisões de arquiteto de interiores?
A falta de renovação de acervo é outro vilão: as bibliotecas não possuem os livros que as pessoas procuram, dificilmente você chega em uma biblioteca pública e encontra algum dos livros que constam nos dez mais da Veja. A biblioteca deve ser apenas mais uma peça de um mercado editorial com cartas marcadas?
Há dois meses o Governo do Estado de São Paulo inaugurou a Biblioteca de São Paulo, no antigo espaço onde era abrigado a Casa de Detenção Carandirú. Sintomático, a leitura que liberta no antigo espaço de confinamento e repressão. Simples? Não.
A biblioteca com 30 mil itens entre livros, CDs, DVDs, revistas, quadrinhos e jornais, e até um aparelho de leitura de livros eletrônicos, o Kindle, surgiu segundo a Secretária de Cultura do Estado para servir de referência a outras bibliotecas do Estado de São Paulo.
Um bela construção com base nas modernas livrarias que tanto sucesso fazem dentre compradores de livros, puffs elegantes, cores atrativas e atendentes simpáticos e treinados. Uma biblioteca vocacionada para o auto-atendimento, onde o consulente (que medo de usar este termo antigo) em uma situação ideal, pouco solicitaria do staff da biblioteca.
Tudo belo e clean, há apenas um detalhe esquecido: a mediação. E entendam aqui mediação como uma complexa rede de relações entre o leitor e o mediador de leitura, tendo como elementos principais a informação e a produção do conhecimento. Por favor não confundam mediação com o prosaico “atender bem”, pois este conceito “bom” atendimento atingido ou não, levou as bibliotecas públicas a estarem onde estão.
A mediação em uma biblioteca, em situações extremas, deve até gerar conflitos, onde o estimulo ao aprofundamento e à produção de conteúdo informativo devem ser relevantes. O mediador além da experiência no atendimento deve estar preparado para atravessar com o atendido os limites de seus papeis clássicos. Uma boa decoração não resolve esta questão.
O Governo de Estado concentrou sua política do livro e da leitura na construção de uma biblioteca modelo, e de fato, quais são as ações de incremento para a mediação de leitura propostos pela biblioteca modelo de São Paulo? As atividades de formação e difusão vão acontecer? E quando acontecerem elas terão um objetivo claro e coeso? Qual o plano para expandir a rede de bibliotecas baseadas neste modelo? Quais as ações estruturantes para a formação de leitores que usufruirão destas bibliotecas?
Coloco estas questões como um ponto de discussão democrático e aberto. Volto ao início do texto e pergunto: onde estão os leitores da bibliotecas públicas? Eles existem? E quais as contribuições que a Biblioteca de São Paulo traz para aumentar o número de leitores no Estado?