BIBLIOTECA ESCOLAR - NOVA FASE


  • Discussões, debates e reflexões sobre aspectos gerais e específicos da Biblioteca Escolar. Continuação da coluna anterior, agora apenas com autoria de Marilucia Bernardi

BIBLIOTECA ESCOLAR: É AGORA OU NUNCA MAIS!

Em ano de Copa do Mundo e em pleno mês do início dos jogos, nós bibliotecários, podemos considerar que o nosso “jogo” realmente “pegou fogo”, pois a biblioteca escolar virou a bola da vez!

 

“É uma vitória enorme para um país como o nosso. Seremos um dos poucos em desenvolvimento a contar com uma lei que torna obrigatória a existência de bibliotecas nas escolas.” afirmação feita pela diretora da Biblioteca Central da Universidade de Brasília, Sely Costa, após a aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 324/09, cujo relator foi o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), determinando que, no prazo máximo de 10 anos, toda escola pública ou privada, tenha uma biblioteca em suas dependências, com um acervo mínimo de 1 livro por aluno matriculado, além de outros recursos inerentes a uma biblioteca escolar, tais como material videográfico, documentos para consulta, pesquisa e leitura, ou seja, em 10 anos toda escola precisa instalar espaços necessários para abrigar uma biblioteca.

 

Este Projeto já se tornou lei no último dia 24 de maio, sob o n.1244/2010, quando foi sansionada pelo Presidente da República, tendo ainda em seu teor a inserção do quesito - respeito à profissão do bibliotecário - que traduzindo em miúdos, significa que as escolas ficam, igualmente, obrigadas a garantir a presença de um profissional devidamente qualificado para tais bibliotecas.

 

Realmente é uma conquista e tanto! Também fiquei exultante de alegria, principalmente porque a luta foi árdua e num trabalho longo e difícil dos Conselhos Regionais e Federal, porém acho lamentável que, em plena era digital, de tanto avanço tecnológico, seja necessário uma lei para obrigar que se faça, ou crie, um espaço básico de e para o aprendizado, desde a primeira infância, e que precisemos de tanto empenho para provar o óbvio.

 

Gostaria de sentir e ver de uma forma totalmente diferente, ou seja, que o nosso país fosse o primeiro a ter a iniciativa, natural, de criar e manter em toda escola, pública ou privada, uma biblioteca, formada corretamente e com pessoal capacitado, simplesmente por ser o certo e não por obrigação.

 

Gostaria muito também, que esta não seja mais uma na lista de leis, decretos, portarias, tanto estadual como federal obrigando a criação de bibliotecas em escolas de 1° e 2° graus. Apenas para ilustrar deixo-lhes alguns exemplos que podem ser pesquisados para conhecer melhor seu conteúdo: Portaria n.584, de 28 de abril de 1997, em seu art.1° Instituir o Programa Nacional Biblioteca na Escola; na esfera estadual: Lei n.5.301, de 16 de setembro de 1986; Decreto n.7709, de 18 de março de 1976; Portaria n.2069, de 04 de agosto de 2003, que retoma o Programa Nacional Biblioteca na Escola, etc. e apesar disso tudo, o que vemos, na realidade, é o ensino público à míngua.

 

Não pensem que estou sendo pessimista não, muito pelo contrário, sou otimista de carteirinha, e não estaria mais na área e nem sequer escrevendo a respeito. Já teria jogado a toalha. É por ainda acreditar que poderemos alterar o status quo da situação que falo dessa forma.

 

Enquanto houver indignação, há esperança de mudança, em qualquer que seja a circunstância. O problema é que leis são criadas, mas nem sempre fiscalizadas e muito menos obedecidas e por se tratar de um assunto tão banal para nossos governos – EDUCAÇÃO, não é levado a sério. Não há vontade política o suficiente para, ao longo dos anos, fazer cumprir essas leis... Quando me refiro ao início de nosso jogo, é que entram na área vários fatores que não foram levados em conta na hora de aprovação do Projeto, que como princípio é muito bom, mas na prática pode se tornar inviável.

 

Podemos elencar aqui alguns pontos, preocupantes diria até, pois envolvem custos e se o foco principal ainda é o setor público, porque mudaria, ou ficaria menos difícil tendo uma lei que torna obrigatório a que se faça algo????

 

A começar pelas faculdades de biblioteconomia, estas precisam, com urgência, reverem a grade curricular de seus cursos, de modo a atrair mais público, assim como a criação de disciplinas que contemplem, diretamente, o trabalho em bibliotecas escolares. Como prega, sempre, minha amiga Katharina Berg “precisamos de uma biblioteconomia escolar”.

 

Pois bem, as faculdades terão que correr atrás do tempo perdido e se reinventar para conseguir mais alunos e mantê-los, de modo a formar a cada ano, profissionais capacitados e em número suficiente para suprir a demanda que será criada para o cumprimento da lei.

 

Por questão de tempo, ainda não busquei informações de quantos alunos se formam a cada ano, em cada faculdade, e quantos desses vão, de fato, para o mercado de trabalho bibliotecário e quantos ainda teriam condições de ir para uma biblioteca escolar, que como é sabido, principalmente por quem trabalha no ramo, necessita do profissional recém formado, muito mais do que a técnica aprendida nos bancos da universidade; vai além de simplesmente gostar de lidar com crianças ou adolescentes; é necessário conhecer e aprender sobre Piaget, Freinet, Montessori e outros expoentes da pedagogia tradicional e também da moderna.

 

Outro fator a se considerar, é a oferta de cursos existentes, atualmente, no Brasil, ou seja, embora em quase todos os estados brasileiros exista uma universidade oferecendo o curso, a maioria deles está concentrada nas regiões sul e sudeste. Como abastecer o restante do país? 

 

Um outro aspecto, esse mais importante ainda, é o fator concurso público. As administrações, em qualquer instância, estarão preparadas para a abertura, obrigatória, de concursos públicos para provimentos desses cargos?

 

E os salários, seguirão as regras do mercado, apetecendo os novos e famintos profissionais ou ficarão, como sempre ocorre, principalmente nos municípios menos abastados, muito aquém do desejado?

 

Meu pensamento e sentimento me levam a crer, que, uma vez mais, essa conquista se deu, ao menos no papel, por estarmos em ano eleitoral, onde tudo pode, tudo é possível, tudo fica lindo, azul e límpido como o céu de outono. O resto do “pacote” se deixa pra depois ou para quem vem atrás.

 

Navegando pelo site do Conselho Federal de Biblioteconomia, entre tantas coisas interessantes, achei uma pequena nota, que ousei transcrever abaixo, quase na íntegra, pois reflete meus pensamentos. Aliás, já tinha escrito tudo acima quando li essa nota que foi, originalmente publicada na Folha UOL e transcrita no portal do CFB.

 

O comentário direto, conciso e revelador, é de Luis Norberto, gestor do Movimento Todos pela Educação, que elaborou um diagnóstico após estudos feitos com base em dados do Censo da Educação Básica de 2008.

 

“Municípios e Estados terão muito trabalho para cumprir a lei sancionada na semana passada que determina que toda a escola deve ter uma biblioteca. O maior desafio está nos estabelecimentos do ensino fundamental: será necessário construir 25 bibliotecas por dia até 2020, prazo limite para adequação à medida.”

 

Não consigo imaginar isso ocorrendo, ou seja, é uma utopia, ou estou sendo realista demais!!!

 

E continua: “Essa dificuldade é decorrente da falta de visão do Brasil sobre a importância da biblioteca (grifo meu). No mundo todo as bibliotecas são doadas por mantenedores que têm uma alegria imensa de poder doar um acervo.”

 

O estudo, com dados de 2008, elaborado pelo Movimento chegou ao resultado espantoso que o déficit de bibliotecas no ensino fundamental é de 93 mil, sendo que desse total, 89,7 mil são escolas públicas e 3,9 mil, escolas da rede privada, ou seja, a grande maioria continua sendo do setor público. O estudo mostra ainda que apenas 30% dos colégios tem acervo na Educação Infantil e que a melhor situação é a do Ensino Médio.

 

Luis Norberto defende que além da ação dos gestores, nós, a sociedade como um todo, precisamos nos mobilizar, nos envolver para fazer com que a lei funcione.

 

Ele cita que a exemplo de outros países, se cada empresário doasse acervos para uma escola, acredita que em dois anos a situação poderia estar solucionada.

 

Será??? Não querendo desmerecer a proposta, muito pelo contrário, acho até que poderia ser um trabalho conjunto. A questão é um pouco mais delicada, pois não se trata APENAS de doação ou formação de acervos e sim de criação de BIBLIOTECAS e todos os serviços e bens advindos dela, com pessoal qualificado, inclusive. Estamos falando de educação básica, mediação da leitura, apoio pedagógico, competência informacional, etc, e essas ações não serão resolvidas, assim como não são hoje, simplesmente com “acervos”.

 

Ele mesmo cita outro fator que pode dificultar o cumprimento da lei, que é a falta de profissionais qualificados para trabalhar nesses espaços. BINGO!!!! Chegamos à mesma conclusão!

 

Segundo o estudo feito pela entidade de Luis Norberto, hoje há um total de 21,6 mil profissionais habilitados, sendo que o país conta com aproximadamente 200 mil escolas de educação básica. E, voltando um pouco acima, vale ressaltar que habilitação significa estar formado e registrado no órgão de classe competente, mas estará o estudante capacitado para exercer sua função em uma biblioteca escolar?

 

Finalizando a nota, Norberto acredita que, com a entrada obrigatória das crianças na educação infantil aos 4 anos, estabelecida por lei no ano passado, e a implantação das bibliotecas, os alunos vão aprender a ler mais cedo.” É uma mudança radical e positiva. Daqui a dez anos, as crianças vão estar alfabetizadas aos 8 anos, é um futuro muito melhor”.

 

Não tenho dúvida que poderá ser um futuro melhor, mas e o presente, o que fazemos com ele? O que fazemos com as dificuldades que temos hoje, com os problemas de educação, que caso não sejam resolvidos a tempo, com qualidade e atenção, o futuro ficará comprometido? Se as escolas básicas hoje já não possuem bibliotecas e nem sequer um quadro de docentes adequado, o que será desse futuro?

 

Então o esquema do nosso jogo está montado: de um lado do campo entra a lei obrigando a existência, em 10 anos, de bibliotecas com bibliotecários em cada escola pública e privada, e no outro lado do campo estão os fatores mencionados não só por mim, mas por outros interessados em que a situação mude: faculdades diferenciadas; mais alunos freqüentando, finalizando e atuando; concursos públicos sendo abertos, anualmente; os salários oferecidos de acordo com as necessidades dos profissionais (ou próximo de) e não poderíamos esquecer da manutenção dessas bibliotecas. Esse é um outro problema sério quando de criação de bibliotecas, pois sabemos que órgãos públicos precisam obedecer a uma série de entraves administrativos para compra de qualquer item, desde um grampo para grampeador, quanto livros novos para o acervo ou mesmo assinaturas de periódicos. Como será feita a atualização desses acervos? Como os pequenos municípios que nem sequer possuem uma rede hospitalar adequada e necessária para atendimento da população, necessidade básica de sobrevivência, vai conseguir prover seu município de uma biblioteca com profissional? 

 

Obviamente que toda iniciativa particular é sempre bem-vinda, como no caso de doações de particulares e acredito também que toda a sociedade deve se envolver, porém e de fato, cabe ao poder público a garantia desses serviços.

 

Lendo a Revista Língua Portuguesa deste mês, de n.56, numa pequena nota a respeito da aprovação da lei, me deparei com uns números de arrepiar: segundo dados do Ministério da Educação, 68% das escolas públicas do Brasil não possuem biblioteca. E, para piorar, de acordo com um levantamento divulgado pelo MEC no final de abril, 20% dos municípios brasileiros não possuem bibliotecas públicas. Das 420 cidades sem bibliotecas, 161 ficam no Nordeste, 104 no Sudeste, 67 no Sul, 51 no Norte e 37 no Centro-Oeste do país.

 

Se numa das regiões mais prósperas do país, Sudeste, o déficit é de 104 municípios sem biblioteca, o que dizer do restante? E como se trata de cidades, pouco provável que as escolas possuam bibliotecas, daí deduzir o quão precário é a educação e o crescimento cultural dessa população.

 

Contudo, como já mencionei meu otimismo e também minha teimosia em continuar na luta pela biblioteca escolar, meu desejo é que nosso jogo acabe em empate, ou seja, todos possamos vencer com a efetiva criação de mais bibliotecas com bibliotecários capacitados, em todo o país.

 

Gostaria de lembrar de Monteiro Lobato, o patrono da Literatura Infanto-juvenil brasileira, a quem todos os anos inúmeras homenagens são prestadas; seus livros são fontes de prazer e formação paras crianças, jovens e adultos; escritor fundamental e imprescindível nos acervos das bibliotecas escolares; homem que muito lutou para o crescimento do Brasil, nos deixando um grande legado que há décadas conquista e encanta gerações; pregava que o poder da literatura é transformador e acima de tudo deixou uma frase célebre, muito oportuna para o momento: Um país se faz com homens e livros.


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MARILUCIA BERNARDI

Formada pela PUCCampinas. Atualmente elabora projetos para formação de Biblioteca Particular (Pessoal), oferece apoio a Bibliotecas Escolares e é aluna da Faculdade da Terceira Idade, da UNIVAP, em Campos do Jordão. Ministrou aulas de Literatura e Comunicação, por dois anos, na Faculdade da Terceira Idade. Atuou na Escola Estadual Prof. Theodoro Corrêa Cintra, em Campos do Jordão, pela ONG AMECampos do Jordão. Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; na Metal Leve; chefiou a Biblioteca da Faculdade Anhembi-Morumbi e foi encarregada da biblioteca do Colégio Santa Maria. Possui textos publicados e ministrou diversas palestras sobre Biblioteca Escolar.?