AÇÃO CULTURAL


AÇÃO CULTURAL EM BIBLIOTECAS PÚBLICAS E ESCOLARES – II

Em continuação ao texto publicado em número anterior de Infohome, no qual se falou da quase indistinção atual entre a biblioteca pública e a biblioteca escolar, em nosso país, da desequilibrada subordinação de ambas a ministérios diversos (aparentemente indiferentes, insensíveis à rara admissão profissional de bibliotecários no setor), da confusão quanto ao público natural das duas, e das atividades que desenvolvem (ou não) para e com seus freqüentadores, muitas vezes inadequadamente e premidas por conta desse desvio, voltamos agora ao mesmo assunto.

 

Eis que o cenário se modifica. Felizmente, a batalha de décadas, movida pelas entidades representativas dos bibliotecários e por alguns poucos políticos, encontrou acolhida  no projeto de lei do Deputado Lobbe Neto, instituindo obrigatoriamente a biblioteca escolar em todo o Brasil (tanto no sistema de ensino público, quanto no particular), com a participação de ao menos um bibliotecário, relatado pelo Senador Cristóvão Buarque e promulgado pelo Presidente da Republica sob o nº 1244, em 24 de maio último, mas aguardando ainda a necessária regulamentação.

 

Esse avanço inegável não representa, no caso, nenhuma conquista intencional de reserva de mercado: é, sem sombra de dúvida, um importante ganho de qualidade para a educação e a cultura dos jovens brasileiros, sempre tão destacadas pelo Senador Cristóvão Buarque e por Lobbe Neto, no âmbito de suas preocupações com a educação e com a nossa juventude.

 

Ora, sabemos que o número de  bibliotecários preparados para bem atuar em biblioteca escolar é insuficiente, no momento. Porém, a estratégia adequada está delineada no Projeto Mobilizador, do Conselho Federal de Biblioteconomia.

 

Várias providências estão sendo tomadas pelo CRB-8, de São Paulo, quanto ao fato novo gerado pela Lei, que vem incidir de forma contundente sobre os cursos de Biblioteconomia deste estado: a primeira delas será uma reunião restrita entre o Conselho e as autoridades representativas dos cursos. O objetivo é discutir as implicações da Lei nº 1244 e as modalidades de capacitação, bem como aquelas estratégias embutidas no Projeto Mobilizador, além de desenhar o perfil desejado para o bibliotecário que for atuar em biblioteca escolar, tendo em vista que, a par da sua atuação técnica, como organizador, mediador e disseminador da informação para a comunidade escolar e do seu entorno, precisa estar atento aos aspectos pedagógicos, tecnológicos, culturais, comunicativos, de lazer educativo, de leitura, de pesquisa, etc., que devem envolver a sua atuação. Para isso, muitos exemplos serão apresentados e discutidos pelos presentes, para uma possível incorporação ao currículo específico, que fatalmente surgirá depois das decisões pós-evento, embora sejam sempre dependentes da criatividade e dos recursos de cada grupo.

 

Vemos como promissora a oportunidade para aplicação dos princípios da Ação Cultural na nova prática que será exercida pelos bibliotecários capacitados objetivamente para atuar na biblioteca escolar, em todo o nosso país, dentro de sua imensa diversidade, mas exatamente por isso: informando sobre assuntos gerais, e também sobre os específicos da região; discutindo e debatendo a informação que lhe seja mais útil, de maior interesse ou de maior apreço, consolidando o conhecimento adquirido ou resgatado; com esse dado ponto de partida, criando a oportunidade de avançar no conhecimento, por meios também criativos, de abordar novas facetas ou novos ângulos daquela questão inicial ou inspirados por ela, em benefício do público atingido, qual seja: o coletivo da escola (alunos, professores, técnicos da administração escolar, funcionários) e o entorno a ela relacionado (familiares e vizinhos próximos).

 

Ao permitir que a escola se encarregue de voltar a aglutinar seu público natural, para proporcionar-lhe a informação como canal mediador que é, a Lei nº 1244, de forma indireta, também põe cobro a um desvio antigo que atinge a biblioteca pública, fazendo com que ela volte a dedicar-se apenas ao seu público original, complexo e multifacetado por  si próprio.

 

Como esta coluna é sobre Ação Cultural, poderemos exemplificar como a biblioteca pública - a partir de agora progressivamente aliviada da presença massiva, inapropriada e desviante de estudantes e de outros membros da comunidade escolar - pode atuar nas promoções aos seus próprios usuários, nos diversos estamentos que  incorporam.

 

Assim, pode-se programar para oferecer atividades sob a temática “moda”, dentro do esquema direcionado a donas de casa e outros interessados no projeto: informar – (exibição de clip sobre a moda ditada por princesas reais, filmado em torno de personalidades marcantes dos nossos dias), discutir – (mesa redonda composta por analistas de moda, no intuito de comparar as roupas exibidas e destacar os pontos altos e baixos de cada coleção de modelos exclusivos), criar conhecimento – (dar oportunidade ao público de, inspirando-se no que foi apresentado e discutido, desenhar ou executar novos modelos em computador ou em papel e escala menor. É também uma oportunidade para conhecer um pouco da biografia, às vezes trágica apesar de glamourosa, desses personagens da realeza.

 

Outro exemplo teria a ver com operários de uma indústria próxima ou de um canteiro de obras e poderia proporcionar algumas atividades de Ação Cultural, não mais na mesma ordem apresentada no exemplo anterior: discutir as recentes alterações havidas no salário dos aposentados que ganham acima de um salário mínimo, bem como discutir o fator previdenciário (esse debate poderia ser travado entre um economista, um sindicalista e um político, por exemplo); após o debate, criar-se-ia um grupo de trabalho para digerir a questão e publicar os resultados em jornal do bairro, divulgando as opiniões; concomitantemente, a biblioteca pública exibiria um painel de recortes de periódicos sobre o assunto, no processo de informar, além de expor capas de obras sobre a temática, existentes no acervo ou viáveis para empréstimo inter-bibliotecas.

 

Para o cidadão mais intelectualizado, em geral, seria exposta a obra de José Saramago, como informação, além de uma análise de sua vida e dos seus livros por acadêmico especialista, que discutiria com a platéia as temáticas preferidas pelo autor falecido, quais sejam tendências políticas e religiosas, além de criar um concurso local de crônicas sobre esse prêmio Nobel de literatura.

 

Em todos esses exemplos possíveis, a necessária interligação entre os três verbos, no projeto, faz com que o conhecimento adquirido ou resgatado se consolide, já que a Ação Cultural, como a entendemos, é um processo informativo-pedagógico (ou pedagógico-informativo), que interfere no nível cultural e de conhecimento de uma dada comunidade, entendida como sendo de já usuários e/ou de usuários potenciais da biblioteca pública e da informação. Entretanto, é necessário que, antes, se faça um estudo competente dessa comunidade usuária, para conhecê-la bem e, só então, partir para a intervenção de que falamos, sem agredi-la ou violentá-la em seus princípios, valores e crenças.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior