PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: A FRAQUEZA DAS ENTIDADES DA BIBLIOTECONOMIA BRASILEIRA COMO UM PROBLEMA

Penso que não está completamente evidente para todos os bibliotecários brasileiros o quanto se fez nos anos das décadas de 1950, 1960 e, sobretudo na de 1970 e seguintes, como apoio consciente ou não dentro de sua categoria profissional, para o enfraquecimento do que se pode denominar de Biblioteconomia Social, bem como a possível relação desse fato com o também enfraquecimento das entidades representativas da profissão.

 

Para melhor situar esta reflexão, digo que Biblioteconomia social pode ser compreendida como todo o conjunto de atividades bibliotecárias realizadas no âmbito operacional de bibliotecas públicas (estatais ou comunitárias) e bibliotecas escolares, com atendimento público em sedes fixas ou através de serviços móveis, no caso das primeiras. O caráter social aqui aludido é dado pelo propósito a que os serviços se destinavam, isto é, majoritariamente para prover à população uma formação autodidata,  uma formação geral e servir como instrumento à educação. Em todo o seu sentido, as práticas da Biblioteconomia social se distanciavam e se distanciam das práticas da Biblioteconomia especializada, pois nesta os serviços ofertados destinavam-se e destinam-se majoritariamente a subsidiar a produção de outros bens, na medida em que o conteúdo ofertado passou a ser denominado de Informação Científica e Tecnológica (ICT). E ICT passou a ser concebida como um insumo produtivo de valor econômico substantivo, pelo que se  propaga a ideia de que “informação é poder”.

 

Durante toda a trajetória das práticas bibliotecárias brasileiras anteriores à criação da Biblioteca Nacional e, mais tarde, após a criação do Curso de Biblioteconomia nesta entidade, e até à criação do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), prevaleceu a realização de práticas bibliotecárias de uma Biblioteconomia social. Evidentemente, o ambiente econômico ainda não requeria a ICT cuja necessidade, praticamente, decorre da modernização industrial e da modernização da administração federal implantada a partir do Estado Novo, já no primeiro Governo Vargas. A demanda de ICT vai se aprofundar no escopo da política de investimentos instalada nos governos militares posteriores ao golpe de março de 1964.

 

É a partir desse momento, sobretudo nos anos de 1970, que essas decisões econômicas vão contribuir para inserir demandas mais acentuadas de ICT no mercado de trabalho do bibliotecário. Essas demandas, para receberem mão de obra em conformidade com seus interesses vão exigir das escolas de Biblioteconomia a implantação de mudanças de conteúdo em seu ensino de graduação. Na prática, para fazer isso, ajustavam-se currículos, regionalizando-os, mas não se realizava a esperada discussão política desses direcionamentos nos conclaves realizados pelos bibliotecários brasileiros em escala nacional embora isso implicasse na discussão do projeto da profissão, do seu porvir, dos perfis desejáveis para seus egressos, de novas convivências profissionais, etc. O CBBD dá testemunho disso!

 

Evidentemente, é possível se alegar que o contexto político daquele longo período de ditadura era aterrador. Era! Havia uma supressão de liberdades políticas; havia perseguições por ideias, havia censura feroz sobre as profissões, sobretudo às que lidavam com informações, pois se a ICT era poder de viés econômico, também era poder, com outra dimensão, o saber estético, político e histórico que chegasse mais abundantemente aos olhos dos leitores das bibliotecas públicas, as quais ficaram cada vez mais abandonadas e que pouco se investiu em sua ampliação massiva até hoje. Igualmente, se construiu e se investiu pouco em bibliotecas escolares, cuja irrelevância presumida atesta o longo tempo em que predominaram nos currículos do ensino ginasial (a segunda etapa do fundamental à época) e médio as disciplinas:  “Educação Moral e Cívica (EMC)” e “Organização Social e Política do Brasil (OSPB)”. Também, com não menor impacto isso foi imposto aos currículos dos cursos universitários através da disciplina: “Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).

 

Foi nesse quadro de temor que a categoria profissional bibliotecária brasileira  limitou de forma consciente ou não sua atuação de caráter político. Não se deve a proiri condenar aqueles que colaboraram com essa situação, quando aceitamos que vivemos conforme o contexto, motivando-se pela idéia de que tudo muda e, assim, as dificuldades de um dado hoje serão superadas num dado futuro. Mas quando esse futuro chega precisa-se olhar para o que não foi feito e recuperar o tempo perdido. E nesse caso, esse futuro é o hoje e já conta muito tempo que chegou. E hoje, a situação das bibliotecas públicas e escolares brasileiras mostra essa necessidade de recuperação do tempo perdido!

 

Entretanto, para se recuperar esse tempo ou simultaneamente à recuperação desse tempo urge que se faça um exame dos hábitos formados ao longo desse extenso  período de descaminhos para reiniciar o projeto político profissional dos bibliotecários e da Biblioteconomia brasileira. Este projeto não pode excluir hoje a ICT, mas precisa recuperar o lugar da Biblioteconomia social.

 

Por essas considerações, entendo que é inadiável uma retomada de discussão que possa nos fazer perceber quais as nossas questões comuns (o que nos interconecta) e com isso encontrar os instrumentos que fortaleçam as entidades da Biblioteconomia e de todo o campo da Informação brasileira. É isto que espero: seja esse o fruto do trabalho que vem sendo realizado no âmbito do GT6 (Informação, Educação e Trabalho) da ANCIB. Em 2009 foi feita uma primeira reunião no X ENANCIB, realizado em João Pessoa – PB com a presença da FEBAB, CFB, ABECIN e ANCIB, e neste ano de 2010 anuncia-se que será realizada a segunda reunião, desta vez com a presença, além das quatro entidades que participaram no ano passado de muitas mais.

 

Estou torcendo positivamente pelos bons resultados dessas reuniões!


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB