PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: O BIBLIOTECÁRIO BRASILEIRO E O SEU OUTRO MORAL

Uma questão elementar na discussão ética diz respeito à conduta do indivíduo em relação ao outro. No idioma português, dizer sobre o outro pode ter duas acepções, cuja origem vem da língua latina: o outro como alter, que diz respeito ao subjetivo, pois constitui parte do sujeito que constrói o pensamento e o outro como alii, um terceiro objetivado. Um sujeito que está ao longe!

 

Trago isto, a propósito de perguntar qual é o outro do bibliotecário brasileiro, querendo apreciar esse outro como aquele para quem ele oferece seu conhecimento, seu talento profissional, sua honestidade profissional, ao tempo em que busca reconhecimento social, dignificação profissional e justa remuneração.

 

De forma quase imediata, mas não necessariamente reproduzida em todo e qualquer ambiente social, pensa-se que quando o outro da ação do bibliotecário é constituído pelos pobres e carentes, os residentes dos bairros afastados e com pouca infra estrutura social; ou quando o outro da ação do bibliotecário é constituído pelos  escolares, nem sempre bem tratados, dizem, pelos professores quanto à orientação à leitura, ao reconhecimento de fontes, à variedade de acervos; nesses dois casos, o discurso bibliotecário, lugar privilegiado para também se conhecer a sua ética, tende a apontar para uma identificação. Está ali o alter, ou seja, o outro do bibliotecário, seu espelho. Será por piedade? No primeiro caso, o desgraçado a ser incluído; o miserável que deverá receber um tratamento que lhe faça transpor as tantas barreiras que vem enfrentando ao longo de sua vida. No segundo caso, o imaturo, o aprendiz, um indivíduo, dizem, sufocado pelo autoritarismo pedagógico ou professoral. Mas aí, quem sabe, uma infeliz coincidência social e econômica. Quando olhamos os dados sociais referentes aos ingressantes nos Cursos de Biblioteconomia, vamos constatar que a grande maioria vem de famílias cujos pais têm baixa instrução escolar e têm de médio para baixo rendimento econômico. E aí vemos os dois fatores que fazem ver o seu alter não como metafísica; o seu outro é seu próprio contexto social e econômico anterior ao seu ingresso no mundo profissional bibliotecário.

 

A quem interessar, o que tem chamado a atenção ao longo dos últimos quarenta anos tem sido o distanciamento entre o discurso a favor da inclusão e a progressiva e permanente exclusão. Em proporção inversa ao crescimento populacional, a maior concentração de esforço e trabalho do bibliotecário brasileiro tem sido no sentido de atender às organizações do setor governamental e do chamado setor produtivo. Então, nesse caso, qual é o outro do bibliotecário? Certamente, aqui, o seu discurso não é o do piedoso salvador dos excluídos e dos sofredores estudantes, dizem, sempre massacrados por professores insensíveis e incompetentes. Portanto, a sua ética nesse caso, não é a de deontologista, que tem o trabalho a ser feito como missão, independentemente de juízos prévios. O fato de ter escolhido a profissão de bibliotecário já o impregnaria do dever de fazer o bem, pois sabe, por aquisição simultânea aos conhecimentos técnicos e profissionais, o que é o bom e o bem. E quanto a isso não caberia discussão. Mas esse bibliotecário, ao não ser um deontologista, impregnado pelo dever, tem que ser outra coisa. É um pragmático! O outro para ele já é de antemão justificado como fonte de benefício pessoal e direto. Essa postura em termos éticos ou morais leva a um utilitarista. O utilitarista avalia a sua ação e a realização da mesma pela consequência material que gera. E a consequência dessa avaliação tem relação imediata com a renda remuneratória que o salário assegurará. A comunidade para a qual trabalha, em geral governo e empresa, não é formada por coitados, excluídos, por populações em perigo, portanto ele não precisa ter a postura quixotesca de auxiliar na, e muito menos defender, a luta pela inclusão social ou econômica. Ele está, justamente, do lado dos que produzem a miséria social e econômica, seja pela configuração que dão às políticas sociais das quais são responsáveis, seja pela forma como tratam o movimento do capital e seu emprego na produção industrial, no setor de serviços ou na indústria financeira, por exemplo.

 

Grosso modo, pode-se dizer então que não é possível em uma sociedade de duas caras como a do Brasil (uma que produz miséria social e econômica e outra que é a materialização da miséria social e econômica), que caiba a existência de um único código de ética bibliotecário; ou de um código de ética que tenha o recorte deontológico do atual código de ética do bibliotecário brasileiro. Trata-se de um código que desconsidera a existência da produção da miséria e, assim, por omissão, não pensa sobre a ação do bibliotecário que é utilitarista por trabalhar em um segmento da sociedade voltado como fim último para a busca material do lucro. De um bibliotecário para quem  ganhos econômicos reais são a única coisa que sabe reconhecer como referência para a sua ação e que assim, é sócio, não necessariamente ingênuo, da produção da grande desigualdade que há em nossa sociedade.

 

Quando olhamos esse breve quadro, vemos que há muito para se refletir. Exemplos não faltam. Pode-se olhar o modo financeiro utilitário como é conduzido o SNBU, do qual comentamos aqui uma das facetas em uma das colunas de 2010: a exploração dos participantes; pode-se analisar mais e melhor a questão do concurso no sistema CFB/CRBs que também aqui foi tratado em 2010. Mas precisamos ir muito mais longe e mais fundo. Há grupos de bibliotecários hoje atuando em sistemas de bibliotecas universitárias, que tratam a si e a seus superiores hierárquicos como somente  operadores de ações, independentemente de quererem ou de saberem avaliar o que constroem para o futuro. Seriam eles ingênuos?

 

Recomeçarei 2011, em março, tratando de uma questão que merece análise ética, com base mesma no atual código e ambientada no Sistema Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.  

 

Um ótimo final de ano e felizes dias futuros!


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB