CINEMA


PAIXÕES EM CARTAS E EM UM DIÁRIO

Quando duas pessoas estão sob a influência da mais violenta, insana, enganosa e passageira das paixões, são obrigadas a jurar que continuarão naquele estado excitado, anormal e tresloucado até que a morte as separe. Bernard Shaw.

O cinema brasileiro só dará pé quando desaparecer o Cinema Novo até o último vestígio. Nélson Rodrigues.

Em agosto se comemora o aniversário de morte do mais polêmico e apaixonante cineasta brasileiro: Glauber Rocha. Personagem que fez história e deixou um legado, embora não unânime, como pode ser auferido na segunda citação acima, propositalmente ai colocada. Mas, como diria o próprio Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra, então... Polêmico, pois soube semear dúvidas quer no seu fazer cinematográfico, quer no seu fazer político, embora aparentemente indissociáveis. Apaixonante, pois o cineasta que mais foi objeto de estudo acadêmico e mais publicado. Eis que chega as minhas mãos, direto de Brasília, presente da querida amiga Adelaide Ramos e Corte, um calhamaço de 794 páginas intitulado Glauber Rocha: cartas ao mundo, uma publicação da Companhia das Letras, organizada por Ivana Bentes. Bem verdade que não recebi agora, corria o ano de 1998, mas só agora com a possibilidade desta página resolvo escrever algo sobre o assunto. Glauber, cineasta do Brasil, é assunto tipo paixão, ou se faz ou se faz. Mas fica suscetível a outras paixões. Explico: em 2003 pretendia no mês de agosto, aproveitando o espaço da coluna, escrever um artigo sobre ele. Mas eis que, justamente naquele mês de agosto, assisto ao filme Longe do paraíso, de Tood Haynes, que mereceu ser tema da coluna do InfoHome, com o título de Paraíso e preconceito, e Glauber dançou. Paixão por paixão fiquei com o filme.

Eis que agora, em 2004, pretendia render-lhe tal homenagem, mas como desatino a um apaixonado, o próprio, assisto a um filme despretensioso que me enche de vontade de escrever sobre o tema. O que fazer então, escrever sobre as cartas de Glauber Rocha, ou sobre o diário de Allie Hamilton? Sou tentado a confessar que pendo para a segunda opção, pois que as paixões de amor são mais atraentes, sempre, indiscutivelmente, que as paixões terrenas, tipo Glauber.

Mas são ambas improváveis. Difícil de acreditar que um cineasta brasileiro tivesse uma trajetória tão resplandecente. Talvez o encanto tenha sido resultado do período político que vivíamos, o que pode ter sido bem definido por Paulo Francis quando perguntado sobre qualquer filme do antigo Cinema Novo - O filme é uma merda, mas o diretor é genial. Como difícil é acreditar que amores de verão (lugar comum no cinema) tenham desfechos para além dos sintomas da paixão, para a concretização do amor eterno.

Pois foi assim que vi a paixão de Allie e Noah, para além do desejo que a paixão provoca, para a concretização do amor eterno. Tenho que admitir que é muito bom quando apaixonados terminam superando obstáculos para descobrirem juntos se a paixão cabe na citação de Shaw (acima do texto), ou é superior ao folclore da influência temporal. Mas quase sempre não é isso que acontece, pois os contos de fadas ficam para o onírico mundo do cinema. Quase sempre os apaixonados seguem direções opostas, ou seja, cada qual volta a viver a sua vida. Em Diário de uma paixão os jovens, que se apaixonam de verdade, terminam amando de verdade. Mas com um adendo: no meio do percurso ela jura que ama outro. Coisas de quem vive apaixonando-se.

O filme conta com todos os ingredientes de melodrama: adolescentes em férias, garota rica e rapaz pobre, e amor à primeira vista. Adicione-se: romance proibido, mudança de cidade, cartas de amor que não chegam ao destino, um alistamento militar e uma guerra (a Segunda Guerra Mundial) no meio do caminho. Circunstâncias que os afastam fisicamente, mas não os arrancam do coração, um do outro. Circunstâncias os aproximam de novo, e juram eterno amor. Até que a morte os separe, ou melhor, até que a memória os separe, esse é objeto do filme.

Toda a paixão, ou o amor vivido por Allie Hamilton é anotado em um diário. Tempo depois é lido por Noah Calhoun para tentar dar vida a uma memória perdida sabe-se lá em que circunstâncias, pois o filme não deixa pistas sobre a doença. É esse diário que dá vida ao filme. Destaque para a bela cena em que fazem amor pela primeira vez.

Bem, só me resta fechar pedindo desculpas a Glauber, por ter me rendido a paixão de Allie e Noah. Quem sabe, breve escrevo sobre as cartas que Glauber legou ao mundo.

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Diário de uma paixão. EUA. 2004. De: Nick Cassavetes. Com: Gena Rowlands, Heather Wahlquist, James Garner, James Marsden, Joan Allen, Ryan Gosling.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo