CINEMA


O FUTURO QUE NOS AGUARDA

As cenas iniciais de Por um fio (EUA, 2002), com a câmara, nervosa, circulando em órbita, mostrando satélites, aproximando-se do globo terrestre, e percorrendo vias exclusivas compostas por cabos de fibras óticas, ultrapassando os nós de conexão, adentrando as redes de cabos coaxiais, apresentam-nos o presente das comunicações, e nos deixam antever um futuro brilhante para as comunicações sem fio; uma realidade já vivida, mas com uma perspectiva fantástica, que beira o fantástico enquanto categoria literária.

As cenas iniciais de Farenheit 451 (Grã-Bretanha, 1966), com a câmara, também nervosa, circulando na própria terra, aproximando-se de construções, e mostrando seus telhados com uma infinidade e diferentes tipos de antenas de televisão, apresentam-nos o futuro das telecomunicações, e nos deixam antever algo inquietante como futuro tecnológico.

Dois filmes e uma mesma discussão: a sociedade da informação e do conhecimento. No primeiro, fica evidente a discussão dos riscos da tecnologia da informação quanto ao direito de privacidade do indivíduo; já no segundo, evidencia-se a questão da interferência do Estado na privacidade do cidadão. Em ambos os casos o que dizer da invasão de privacidade seja ela autorizada ou não pelo Estado?

Nesse ponto o futuro que nos aguarda, sugerido em Por um fio e desvendado em Farenheit 451, chega a um ponto insustentável: a incerteza da segurança nos fluxos de informação e da segurança no armazenamento das informações quer de ordem privada ou pública.

É isso que pode ser discutido nos dois filmes acima. Se o primeiro é atualizado, e coloca a telefonia sem fio como o mais preciso instrumento da comunicação, o segundo é um exercício de futurologia e coloca a televisão como um censor dentro da nossa casa, estágio que ainda não chegamos, embora estejamos treinando de forma divertida (para quem gosta e assiste) na casa dos outros: a dos grandes irmãos.

Em Por um fio, as seqüências inicial e final, propositadamente as mesmas (as imagens de satélites, cabos de fibras óticas e cabos coaxiais), dão a dimensão do poder que a tecnologia da telefonia sem fio alçou, é a comunicação em tempo real. As informações que se seguem à seqüência inicial dão a exata dimensão do poder que a comunicação (prestação de serviços por telefone) exerce na sociedade de hoje.

Passado quase que exclusivamente dentro de uma cabine telefônica, o filme adverte para o risco de perdermos o direito à privacidade, o direito individual de quem faz uso da comunicação telefônica, e mostra como todos nós, usuários, estamos à mercê do sistema e de pessoas que entendem de tecnologia muito mais do que quem faz uso dos suportes tecnológicos. No momento em que o telefone é tido como o mais preciso instrumento de informação, é também o mais visado para o seqüestro de informações, com conseqüências imprevisíveis.

Em Farenheit 451, a seqüência inicial é diametralmente oposta à seqüência final. Na primeira a destruição de livros; na última a valorização dos livros, embora como registro em memória. O filme abre a perspectiva de discussão em torno de preocupações sociais como: a questão da privacidade do indivíduo a partir da intervenção estatal; a formação de regimes ditatoriais a partir de uma sociedade tecnologicamente avançada; o poder da televisão enquanto instrumento de Estado; e a formação da sociedade do conhecimento.

É justamente quando se discute a competência da sociedade da informação no caminhar para a sociedade do conhecimento que se verificam as oportunidades e os riscos oferecidos pelo estágio atual da informação. Implicações de ordem social que se mostram irreversíveis.

Truffaut ironiza a importância de uma família na sociedade quando estabelece um padrão que é medido pela quantidade de telas de parede (as nossas Tvs) existente na casa. Embora não seja medida de importância no atual estágio social, a nossa sociedade também contabiliza o número de Tvs em cada casa. Mas, hoje, a importância se revela na capacidade tecnológica do aparelho telefônico sem fio.

Na comunidade mostrada no filme, as antenas simbolizam o indivíduo ideologicamente sintonizado com o Estado; é através das telas de parede que o governo controla os seus cidadãos e incute neles que as suas vidas são verdadeiros oásis, fontes de felicidade, verdadeiro paraíso social via televisão.

Na sociedade avançada do romance de Ray Bradbury os livros são instrumentos de perversão. A proposta da existência de uma sociedade do conhecimento é combatida com a queima de livros e bibliotecas inteiras. O filme é um exercício de ficção, mas se mostra uma sociedade a que não chegamos explicitamente, com o exercício autoritário do Estado dentro das nossas casas, mostra que chegamos implicitamente, com livros sendo proibitivos pela inexistência de uma política editorial, com bibliotecas sendo devastadas pela inércia de governantes, e com uma futilidade televisiva que nos dá a dimensão de uma sociedade sem consciência para inclusão na sociedade do conhecimento.

Na sociedade de Por um fio os livros são permitidos, não existe censura, cerceamento de liberdades, mas a proposta de uma sociedade do conhecimento, que prega igualdade, é combatida pela facilidade tecnológica que provoca mais concentração de poder.

Oportunidades e riscos de uma sociedade que se preconiza a da informação são discussões extremamente atualizadas nos dois filmes aqui citados.
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Por um fio, EUA, 2002. Direção de Joel Schumacher. Com Colin Farrell, Forest Whitaker, Kaite Holmes e Kiefer Sutherland.

Farenheit 451, Grã-Bretanha, 1966. Direção de François Truffaut. Com Oskar Werner, Julie Christie e Ciryl Cusack. Do romance de Ray Bradbury.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo