ESTAÇÃO BIBLIOTECA E AS PLATAFORMAS DO CONHECIMENTO


LEITURA ZERO

Em artigo anterior, aqui publicado, tecemos comentários sobre posturas governamentais em relação à leitura, livros e bibliotecas, tendo como mote uma fórmula medicamentosa a ser aplicada contra o desânimo para a leitura, criada pela bibliotecária Sueli Bortolin, professora da Universidade Estadual de Londrina.

 

Remédio, evidente, é indicado para tratamento de saúde.  No caso o remédio de Bortolin é um ácido poliestimúlicoplural que deve ser indicado para casos de anemia e anorexia por leitura. Muito apropriado para a ocasião brasileira onde se discute suas mazelas, e tem como meta primeira e principal (além da economia) o combate à fome sob o signo de um projeto denominado Fome Zero, ainda merecedor de detalhamento e explicações. Mas já adotado estrategicamente, sem catarse, por empresas e empresários mais interessados em visibilidade do que na solução do problema. Problema que permeia o eixo estratégico do desenvolvimento: saúde, educação e emprego. Fora do eixo será um programa, nunca uma solução. Será efêmero com os anos que são dados eleitoralmente a um governo, nunca uma permanência.

 

Mas, deixando as divagações de ordem política-ideológica, vamos ao ponto central: leitura é essencial.  Não mata a fome, sequer a de espírito como se insinua pois espírito não tem fome, mas mata a falta de lucidez, cria consciência. Ler é olhar o mundo para enxergar mais além do que o nosso interior. É entender o processo coletivo. É observar a tribo para analisar a globalização. É ler imagens para ultrapassar a aventura. É aventurar-se pelos escaninhos mais recônditos do subconsciente para entender a lucidez dos discursos que untados em votos (eletrônicos para serem modernos) prometem zerar qualquer coisa. Embora a leitura (enquanto processo de coletivização cultural) ainda não faça parte do cardápio.

 

O Brasil tem uma formação fincada no som e na imagem, nunca no verbo. Quando o Brasil foi descoberto (ou inventado conforme Eduardo Bueno) a imprensa já fazia parte do velho mundo, no qual uma cultura alicerçada na palavra escrita tornava os seus cidadãos cultos e conscientes. O novo País nasce e cresce sem a preocupação existencial da divulgação da novidade de Gutenberg. Para os inventores da pátria havia o ouro para torná-los imperialistas e as índias para diverti-los. Cultura só trezentos anos depois com a chegada da Família Real, que trouxe na sua bagagem de fugitiva a real Biblioteca da Ajuda. Nascia, de forma enviesada, a nossa Biblioteca Nacional, não fruto de decisão administrativa, mas de apego aos livros como patrimônio da Corte (deve vir daí porque até bem pouco tempo no Brasil livro era patrimônio público, com tombamento).

 

O Brasil dormiu em berço esplêndido por quase quinhentos anos. Tudo neste país parece ter acontecido na segunda metade do último século (excluí-se aqui a discussão histórica). Da fase no nada se instalou a fase do rádio, depois da TV. Primeiro ouvimos novelas, e com a modernização a tecnologia nos proporcionou vê-las. Estava instalado o perímetro globalizado. É possível, e mais divertido, ler livros nos seriados televisivos, sem ter que perder tempo com insistentes e irritantes termos que fazem com que o leitor precise ir ao dicionário instruir-se. A televisão não nos humilha. É conveniente e convincente, já nos dá o texto sintetizado e interpretado. Então queimamos a etapa da leitura e sucumbimos à sociedade letrada da televisão.

 

Para grande parte dos brasileiros avessa à leitura (não apenas a geração dos meus filhos, pois me surpreendo em encontrar, a cada dia, pessoas no meu entorno cultural discutindo e vivenciando as discussões filosóficas-existenciais do Big Brother e Casa dos Artistas) assistir aos reality show é mergulhar no ponderável, enquanto que a discussão de um clássico da literatura seria sobrenatural.

 

Com a globalização discute-se inclusão digital como se os problemas da leitura estivessem resolvidos. Em um outro artigo citamos Bernardo Toro, pensador colombiano, ao considerar que as sociedades que se sobressairão neste novo século serão as que têm maior índice de leitura. E neste item (como em tantos outros) o Brasil vai muito mal. Apenas 2,6% da população brasileira têm o costume de adquirir livros.

 

Se for verdade que a informática afastou os jovens das leituras e das bibliotecas, pergunto: quais jovens, quais leituras e quais bibliotecas? Tema que fornecerá hipóteses para uma tese. A questão central não é a chegada da informática, que assim como a leitura é cara e portanto continua atingindo um número restrito de cidadãos. A questão é a política editorial do País. A questão é o estabelecimento de uma política cultural que no mínimo discuta o assunto (não se quer aqui o estabelecimento da prioridade – pois tudo é prioritário).

 

Com um projeto Leitura Zero poder-se-á discutir a ótica de disseminação do conhecimento, alicerçada em bons acervos bibliográficos à disposição dos cidadãos. Instância digna de qualquer sociedade de uma democracia constituída, que tem fome de saber e conhecimento. Fome esta que saciada será aliada para derrotar a fome fisiológica. É preciso viabilizar a leitura enquanto processo cultural permeado com o processo educacional, e que juntos façam parte do eixo estratégico do desenvolvimento.

 

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Artigo publicado no Jornal da Cidade, Coluna Opinião, B-2, Aracaju, 01.03.2003


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo