PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: BIBLIOTECÁRIOS E BIBLIOTECÁRIOS FORMADOS

Todas as pessoas originalmente têm a possibilidade de auto provimento ou autossuficiência de todas as necessidades de suas vidas.  Entretanto, o crescimento da população pela contínua associação familiar e geração de sucessivas proles ao longo de milênios levou a que grupos humanos estabelecidos em certos lugares do planeta cedo percebessem a impossibilidade de todas as pessoas deles participantes fazerem todas as tarefas de auto provimento, seja por falta de tempo, seja por uma menor habilidade individual em alguma operação ou prática. Estabelecida a partir dessa percepção num dado momento, a cooperação veio como consequência disso e institui-se também a noção de divisão de tarefas, sem que isso definitivamente eliminasse a capacidade de autossuficiência. Mais adiante, separou-se a tarefa intelectual da atividade braçal ou manual. Clérigos, retóricos, sofistas e filósofos, nos tempos iniciais das práticas que os distinguiram, sem abandono de suas tarefas de autossuficiência, foram se especializando na prática da reflexão e da elaboração discursiva, e se distanciando paulatinamente do universo ocupacional de seus parentes, vizinhos e amigos mais voltados às atividades agro rurais e artesanais, e embora a eles servindo, servia-lhes com os produtos sistematizados pela produção simbólica da linguagem. Esse grupo, intelectualmente constituído para produzir linguagem atinente à expressão do mundo das práticas primárias, e mesmo se autoreproduzindo, a fez tendo como referência o mundo de economia primária – agricultura, pecuária, pesca, arte construtiva, etc. Sua autoreprodução intragrupal dava-se pelo meio escolar sistemático, numa dimensão de ensino para informar (enformar – formar ou dar forma), através de um currículo previamente programado destinado a sujeitos aprendentes, nem sempre oriundos de contextos em que tenham vivenciado as práticas relativas ao objetivo (assunto – tema) da formação que vinha a adquirir. Esses viriam a se constituir nos séculos recentes em especialistas e todos os outros, que são todas as pessoas, ao não terem seguido a mesma direção de assimilação de tais conhecimentos, são definidos como leigos ou não conhecedores do domínio especializado. 

 

Por circunstâncias diversas, relacionadas a contextos específicos, o número de pessoas leigas, situadas em paralelo aos conhecedores especializados, em todos os campos de conhecimento que vêm se constituindo na sociedade, representam a quase totalidade da população. E esse contingente tão expandido é, em princípio, capaz de realizar todas as atividades dos especialistas naquelas atividades, com a única desvantagem de produzirem-nas com menor eficácia, quando olhado do ponto de vista dos especialistas. Por esse motivo, o especialista, ou a pessoa formada (saída da “forma”, representada por um currículo escolar) talvez não seja imprescindível, pelo seu saber, a qualquer sociedade.  Ela será imprescindível, se o for, pelo jeito com que põe em execução as suas habilidades em produzir resultados em menos tempo, com mais qualidade comparativa, com menor custo final e mais confiável quanto ao menor ou inexistente dano ou mal para o seu usuário. As operações que esse especialista formado produz, em quaisquer circunstâncias, dependem de uma relação competente de diálogo, cada vez mais necessária, a fim de que o usuário final tenha a possibilidade de questionar “em ato” os traços de dúvida que tiver em relação ao serviço que está sendo para ele executado. Essas dúvidas ele também apresenta a quem o atender ainda que não seja formado. Em ambas as situações, ele poderá obter respostas a partir das quais decidirá quem melhor o serve: o especialista formado ou aquele a quem esse denomina leigo?

 

No atual ambiente brasileiro, no que toca às atividades práticas de bibliotecário, o maior volume de atenção aos usuários de bibliotecas é fornecido por bibliotecários leigos, que aqui chamo de bibliotecário e apenas uma parcela muito pequena dessa atenção é provida pelos egressos de Cursos de graduação em Biblioteconomia, que aqui chamo de bibliotecário formado.

 

Num balanço muito rápido do que foi publicado na imprensa brasileira nos últimos anos, não se tem evidência de clamores sociais mais exaltados que defendam a necessidade da presença de bibliotecários formados em bibliotecas. Pode-se afirmar que há alguma manifestação a defender a expansão da formação em habilidades em leitura e formação do leitor; alguma manifestação muito tênue em torno da formação de bibliotecas populares, comunitárias, escolares e de postos de livros, mas quase nenhuma defesa pela causa da biblioteca pública. A que se deve isso? Uma origem desse distanciamento/apagamento de demanda pode vir do fato de que os bibliotecários formados que atuam em bibliotecas públicas estatais, de forma geral, não são os profissionais mais bem vistos dentre os trabalhadores em instituições sociais brasileiras. O porquê não são bem vistos deve-se a alguma razão que se pode buscar. Conhecer essa razão, ou se são mais de uma, conhecer as razões pelas quais os bibliotecários formados atuantes em bibliotecas públicas não são geralmente bem vistos pela população poderá passar pelo escrutínio da escola de Biblioteconomia. Essa, nas últimas décadas, não tem dado maior ênfase à Biblioteca Pública por um lado e, por outro lado, assumiu uma postura que anula quase integralmente o papel social das Associações de Bibliotecários; propaga a ideia da existência de um nominalismo dito Profissional da Informação e, numa terceira via, dirige seus explícitos projetos pedagógicos para um diálogo direto – porém impossível – com a sociedade. Mas essa razão ou razões poderão passar, igualmente, pela restrita legislação da profissão que regula a existência do bibliotecário formado, que igualmente desestimula a sobrevivência das Associações de Bibliotecários.

 

Por essas e por outras circunstâncias, a serem mais bem levantadas e discutidas, é que no Brasil o público que poderia enxergar mais largamente os bibliotecários formados termina por perceber mais facilmente aqueles bibliotecários que esses chamam de leigos, isto é, os bibliotecários da tradição social, os bibliotecários de vizinhança.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB