PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: BIBLIOTECÁRIOS FORMADOS E BIBLIOTECÁRIOS REGISTRADOS

Nesses últimos dias li, porque vi escrito num diálogo em rede social, que a expressão “bibliotecários formados” é uma redundância. Fiquei preocupado!

 

Redundância é uma palavra que vem da língua latina. Pode ter – de acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/ – uma das seguintes acepções: 1 - Excessiva abundância; 2 - Repetição de palavras ou de ideias; 3 - Pleonasmo; 4 - Abuso de figuras de retórica. Como o diálogo envolvia bibliotecários que se apresentavam como formados me acautelei, pois, como muita gente conhece bibliotecários formados, em geral, sabem tudo e tendem a ser muito senhores do que sabem. Não sei se essa postura de boa parte dos bibliotecários formados e registrados é boa ou ruim. Mas é fato!

 

Depois de alguma reflexão – o que não significa que eu tenha conseguido chegar a qualquer ideia razoável ­– percebi que para muitos bibliotecários formados, é quase que um estado de natureza e não de cultura os bibliotecários serem formados. É como um fenômeno biológico ou físico que compõe o cosmos ou o planeta Terra. Talvez me fosse razoável pensar que tudo aquilo que percebo no mundo vivido, manifestado pela existência de bibliotecários de vizinhança, que estão na quase totalidade das bibliotecas comunitárias ou de vizinhança, seja mera criação de minha mente (que seria insana) ou sejam puras assombrações metafísicas. É algo a avaliar.

 

Entretanto, parece-me que, para além disso, há outras questões a considerar.

 

Nos últimos anos, muitas ideias foram lançadas pelos bibliotecários formados e registrados nos Conselhos Regionais de Biblioteconomia, que poderiam ser muito úteis à sociedade brasileira. Porém, parecem ideias cercadas de um problema: carência de boa comunicação com a sociedade. Um dos aspectos que ressalto é tratarem-se ideias que parecem ter reforçado em muitos desses bibliotecários formados e registrados a noção de que todas as pessoas que não são bibliotecárias formadas e registradas não poderiam trabalhar em quaisquer funções dentro de bibliotecas. O segundo é que os bibliotecários formados e registrados sempre parecem apreensivos com o sentimento de que precisam estar sempre confirmando sua identidade profissional, contra invasores do campo de trabalho dos bibliotecários formados e registrados. O terceiro é que a sociedade, segundo seu ponto de vista, tende a desrespeitar os bibliotecários formados e registrados por não os contratarem. O quarto, é que os bibliotecários formados e registrados devem cuidar de conquistar e manter seu lugar profissional, esquecendo que há outras profissões que também são tratadas pela sociedade de forma semelhante, isto é, essa ainda não sabe distinguir devidamente o valor da respectiva prática profissional executada por essas profissões.  Há mais, contudo pararei por aqui! Disso tudo, cabe ponderar que se dos membros da sociedade devem os bibliotecários formados e registrados exigir que saibam do que os profissionais formados e registrados são capazes esses devem lhe demonstrar bem a diferença que fazem, quando comparadas suas ações com as ações de bibliotecários de vizinhança.

 

Provavelmente, muitos bibliotecários formados e registrados creem que nas datas alusivas e comemorativas da biblioteca, da leitura, do bibliotecário, do livro, etc., ao saírem às ruas encamisados com T-shirts onde se lê: Eu amo a biblioteca, Eu amo a leitura, Eu amo o bibliotecário, Eu amo o livro ou expressões semelhantes, se credenciam junto às demais pessoas, aos leigos, aos usuários, como diferentes e que isso supera as frustrações dos usuários e leitores que só encontram as bibliotecas designadas como públicas, por exemplo, abertas em horário comercial?  

 

Em várias circunstâncias, as pessoas afirmam que a melhor propaganda é aquela que se faz informalmente, ao pé do ouvido. Isso valeria também para a biblioteca e, em geral, tem um efeito positivo muito grande no dia a dia das bibliotecas de vizinhança ou comunitárias. Por exemplo, para um grande número de pessoas a biblioteca estar fechada em final de semana, à noite antes das 22 horas, etc. é incompreensível, nas cidades de porte médio e grandes. Nessas cidades, as escolas funcionam também à noite, o comércio funciona também à noite, etc., o que justifica um serviço de uso público, como a biblioteca que se designa como pública também não fazê-lo? Por que as pessoas têm a padaria, a farmácia, o supermercado e também livrarias abertas à noite e não esse tipo de biblioteca?

 

A Lei da biblioteca escolar, que de fato não é bem uma lei da biblioteca escolar, foi “vendida” como uma aliada da categoria de bibliotecários formados e registrados para ampliar seu espaço de ocupação profissional; a oferta de curso de graduação em Biblioteconomia a distância que vai ter início está sendo “vendida” como aliada à formação de mais pessoal para se registrar e ocupar espaço profissional em bibliotecas, mas tudo isso vem como coisa isolada.

 

Quando surge um projeto de lei visando regulamentar a profissão de técnico em biblioteca, alguns profissionais formados e registrados começam a se posicionar contra com abaixo-assinados, buscando impedir que seja aprovada essa regulamentação. O argumento é de que o projeto não está bem redigido, no que eu concordo, pois não resguarda devidamente a distinção das competências dos bibliotecários formados e registrados e dos futuros técnicos registrados. Mas, muitos desses que abaixo assinam um documento como esse lembram que o Conselho Federal de Biblioteconomia há anos atrás, por resolução própria, havia estabelecido essa regulamentação? Quando seus dirigentes se deram conta de que haviam exorbitado sua competência revogaram o ato, pois se trata de matéria a ser regulada por Lei, e parece que deixaram os Técnicos à deriva. Ora, os bibliotecários nesse caso erraram duas vezes: a primeira em regulamentar a questão sem poder legal para tanto e a segunda, se de fato foi assim que ocorreu, sem encaminhar providências para uma aproximação com o parlamento visando à criação da Lei devida.

 

O que se diz – entre os bibliotecários formados e registrados – é que faltam bibliotecários formados e registrados, sobretudo, para ocupar os milhares de postos sonhados nas bibliotecas escolares e que os técnicos uma vez registrados, e o tal projeto de lei dos técnicos erra por deixar muita coisa ambígua, poderiam ocupar esses espaços sonhados pelos bibliotecários formados e registrados ou a se formarem e se registrarem.

 

Ora, a sociedade vê essa diferença? A sociedade – que é a fonte de manutenção de bibliotecas e de salários de bibliotecários – enxerga diferença?

 

Provavelmente, se for feita uma enquete nos bairros onde há boas bibliotecas de vizinhança ou comunitárias, as pessoas que buscam os serviços e são nelas atendidas, e que também buscam atenção em algumas das bibliotecas designadas como públicas mantidas por estados e municípios, não percebam a diferença na qualidade do atendimento. E isso seria elogioso para os bibliotecários formados e registrados, pois em outras tantas situações o atendimento recebido na biblioteca de vizinhança ou na comunitária encontrará mais elogios. E isso, então, requer que os bibliotecários formados e registrados  pensem.

 

Esse pensar, então, poderia começar por colocar em causa a manifestação da bibliotecária que afirma ser redundante falar em bibliotecário formado e registrado, pois falar bibliotecário quer significar falar em uma pessoa que foi à escola de bacharelado em Biblioteconomia e dela recebeu o respectivo título. Ora, essa não é uma circunstância que deriva de fato natural, mas cultural. Por ser cultural, esse ponto de vista está referenciado estritamente na Lei 4.084/62. Caso não existisse ou venha a deixar de existir esse instrumento legal, deixaria de existir bibliotecários formados? Obrigatoriamente, deixariam de ser formados bibliotecários? E até deixariam de ser registrados bibliotecários? Claro que não! Continuaria a serem formados bibliotecários e muito mais gente poderia, ao cumprir outros requisitos, se registrar como bibliotecário junto às Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho e Emprego (DRT). Quando houve a desregulamentação da profissão de jornalista e de mais outras nos últimos anos, seus profissionais foram buscar o registro na DRT, que é o Órgão próprio. É lá onde se registram os Arquivistas e Técnicos em Arquivo, por exemplo, como previsto na Lei que institui essas profissões.

 

Isso serve para que se pense por outro viés e não querer crer que o mundo da profissão de bibliotecário no Brasil está pronto, acabado e definitivo.

 

Creio até que uma grande mudança em tudo que ai está seria muito boa para fortalecer a categoria de bibliotecários no Brasil ensejando que os cursos de graduação em Biblioteconomia ficassem ainda mais fortes, que os Cursos de Técnico em Biblioteconomia fossem muito fortes, que os Cursos de Auxiliares de Bibliotecas fossem também muito fortes. Um quadro novo contribuiria para que muitos dos Bibliotecários formados e registrados não se sentissem enviados dos céus. Algo assim, certamente, provocaria o fortalecimento das associações profissionais e docentes e abriria a possibilidade das associações profissionais adquirirem o poder, formal ou não, de certificarem por concurso público de provas, todas as pessoas que, embora sem título de graduado em Biblioteconomia, desejassem ser reconhecidas como bibliotecárias. Nesse caso, as associações junto com os cursos de graduação em Biblioteconomia abririam certames anuais para qualificar bibliotecários por concurso e isso lhes daria aos aprovados o instrumento equivalente ao diploma de ensino superior para requerer registro na DRT na categoria de bibliotecário. Aos que quisessem seguir os Cursos de Graduação em Biblioteconomia para, por outra via, se registrarem como bibliotecários poderiam fazê-lo e teriam um diferencial no mercado, seriam bibliotecários formados, não somente concursados. Ademais, por serem bibliotecários formados, esses egressos dos cursos de bacharelado em Biblioteconomia teriam prioridade em seguir estudos acadêmicos de mestrado e doutorado, na perspectiva de se inserirem no espaço da pesquisa e ensino.

 

Se uma ideia como essa viesse a ser discutida e, no futuro, admitida como exequível, vários dos problemas apresentados como decorrentes da falta de bibliotecários no Brasil poderiam ser resolvidos, com o potencial de se admitir na categoria de bibliotecários muitos egressos de outras áreas e com conhecimentos muito úteis para o desenvolvimento da profissão de bibliotecário no Brasil.

 

Se isso viesse a ocorrer, provavelmente, a categoria bibliotecária subiria em prestígio social, em legitimação profissional e seriam conciliados os conceitos que ora parecem distantes e distintos de bibliotecários e bibliotecários formados e registrados.  


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB