BIBLIOCONTOS


UMA DR CATALOGRÁFICA

A campainha toca. Ela abre a porta lenta e manualmente. Ele, ansioso e gentil, vai logo pedindo para entrar, enquanto ela o retém na porta.

 

Catalogador: Oi amor! Onde você estava a manhã toda? Tentei várias vezes um link para você, mas sua URL só dava 404.

RDA:           Desculpe Cat! Meu servidor deve ter descarregado. Na verdade, acordei chateada e resolvi fazer uma caminhada com a Dublin Core. Queria espairecer os atributos das ideias e os elementos bibliográficos da nossa vida.

Catalogador: Queria te convidar para sair, no Catálogo Shopping, o Cinemarc irá representar um filme antigo, que tal irmos?

RDA:           Cat! Nós precisamos conversar. Acho que está passando a hora de discutirmos nossa relação. Ela não está claramente definida e isto tem me incomodado.

Catalogador: Não estou te entendendo RDA? Vamos deixar para discutir a relação outra hora, pode ser? Estou um tanto normalizado hoje, tive trabalho técnico cheio, e queria relaxar com você.

RDA:           Percebe o motivo da minha preocupação? Toda vez que entro neste assunto e, principalmente, tento dar vazão à minha expressão, você recorre a esta manifestação. Estamos nesta situação desde 2013, quando é que você vai dar um ponto final? Nós estamos juntos ou é tudo mera representação para você?

Catalogador: Olha, você está nervosa. Deixa passar este seu período de requisitos funcionais. Você fica muito alterada.

RDA:           Não fala assim comigo, você me usa e abusa e quer que fique calma. Eu não sou nota geral. Os requisitos funcionais não é a questão. Se me alteram é para minha saúde, para eu olhar melhor para você, seu acomodado, seu 7,5 por 12. Eu quero saber é quando você vai me assumir definitivamente?

Catalogador: RDA entenda, eu gosto de você, te admiro, mas devemos ir devagar, nos conhecendo melhor, nos descobrindo. Isto é fundamental para estabelecer um relacionamento sem impactos em nossos dados e experiências de vida. Ademais, eu ainda estou em luto recente!

RDA:           LUTO RECENTE! CAT, VOCÊ ESTÁ DE LUTO RECENTE DESDE 2013! 2013! A AACR não irá voltar mais, o que está esperando, que ela ressuscite da biblioteca de Alexandria? Quando é que a sua FICHA irá cair?

Catalogador: Calma RDA! Você está sendo injusta comigo. Eu vivi uma catalogação cooperativa com a AACR. Décadas de um intercâmbio mútuo. Você acha que é simples deletar a descrição desta convivência em comum. A presença dela é um registro marcante na minha prática.

RDA:           Se ela ainda está viva na sua orientação, eu vejo que não há lugar para mim, melhor cada um seguir seu próprio manual de trabalho.

Catalogador: Pare com isto RDA! Você quer se comparar com a AACR? Saiba que para mim você é mais completa, complementa minhas necessidades. Seus atributos, seus suportes e conteúdo. A forma de sua relação. Entenda apenas que eu preciso de um tempo para me adaptar. A morte da AACR foi um choque, e eu preciso assimilar as entradas desta perda, em meu cabeçalho. Não é do dia para noite que as mudanças de linguagem acontecem.

RDA:           Você fala como se não estivesse aberto para as mudanças inovadora do universo bibliográfico. Precisa abrir sua mente e prática para uma nova competência na norma da vida. Mudar de paradigma.

Catalogador: Estou aberto, sim.

RDA:           Não está! E tem mais, você chora entradas de saudades pela AACR, mas foi visto, recentemente, folheando a namoradeira da ISBD. Foram juntos no parque catalográfico, assistir, de mão dadas, a descrição da partitura da 5ª Sinfonia de Beethoven. Justo ela que se envolve com todo tipo de código de catalogação. Me diga, é por ela que você está me trocando?

Catalogador: Não é nada disso. O povo recupera sem saber de nada. A ISBD é apenas uma amiga. Era comadre da AACR. É uma norma amiga que quis ser prestativa em um momento delicado da minha atividade. Ela é muito boa de conversar, tem boas orientações.

RDA:           BOA DEMAIS! Sabia que ela estava namorando o Arquivista e o Museu além de você?

Catalogador: Você está sendo maldosa. A ISBD é uma consultora reconhecida. Ademais, também me falaram de você com o Museu e o Arquivo?

RDA:           Eu nunca escondi nada de você, por isso quero uma posição sua sobre a nossa ralação, caso contrário, saiba que a fila anda. Eu sou uma norma nova, emancipada, livre e desimpedida, e que deseja viver o conhecimento. Saiba, também, que tanto o Museu, quanto o Arquivo já me propuseram namoro, mas eu estou afim de você, resta saber o que você quer, quais são suas tarefas para comigo?

Catalogador: RDA, você precisa entender o meu lado. Eu te quero, mas eu tenho um filho, e o garoto precisa de mim para superar a perda da mãe. Eu me preocupo com o futuro dele.

RDA:           O teu filho MARC não é mais criança, ele tem 21, já é de maior, emancipado e bem formato. É bem mais atualizado que você para a vida no universo bibliográfico.

Catalogador: Mas o filho para a gente é sempre uma criança que merece atenção e cuidados.

RDA:           Realmente, uma criança, só que bem crescida, e que até sabe fazer um intercâmbio com outras normas. E, se a sua preocupação é com criança, o outro motivo da nossa conversa é que estou grávida!

Catalogador: COMO? Como pode acontecer? Você não disse que estava tomando pílulas...  Como chamam mesmo: FRBR, FRAD, FRSAD?

RDA:           ACORDA CATALOGADOR! Nossa relação já tem alguns anos, no mínimo desde 2013 e, uma hora ou outra, haveria desdobramentos. As pílulas que eu tomo são vitaminas para me fortalecer eu preciso ganhar massa muscular para a atividade física e digital que eu pratico na minha área de atividade. Ademais, fazem quatro meses que os requisitos não descem, fiz o teste de autoridade e deu entrada positiva. Não sei quanto a você, pela sua reação, mas eu estou feliz com as novas possibilidades da informação na minha atuação profissional.

Catalogador: Eu assumo, pode ficar tranquila.

RDA:           Eu sou uma norma tranquila e independente! Estou apenas lhe comunicando e não impondo nenhuma regra de cobrança. Afinal, quem vai cuidar do filho sou eu, e saiba que já escolhi o nome! É BibFrame.

Catalogador: Mas, se fizemos juntos, eu deveria participar da escolha do nome.

RDA:           Para quê! Se até na escolha da forma de nome, você se enrola, imagina ter um filho chamado uma hora “ver” e outra hora “ver também”. Além do mais, se fizemos juntos, não estamos juntos. Você só está interessado nos seus cabeçalhos e vocabulários, e me coloca apenas como uma nota geral na sua vida. Do meu filho cuido eu, quero para ele uma outra estrutura descritiva, uma semântica moderna no relacionamento com os dados e outros padrões. E tem um item que estou colocando para você?

Catalogador: Para quem diz que não impõe exigências e restrições, muda rápido de opinião?

RDA:           Eu não imponho nada, eu sou boa até nisto com você, eu lhe dou opção de escolha. Cabe a você decidir! Se me quer na sua vida, cumpra com as suas tarefas de companheiro responsável. Primeiro que encontre o que deseja para si; identifique se sou eu mesma que te irá fazer feliz; selecione o que deve ser apropriado para nossa relação; e então poderá obter o acesso ao meus sentimentos, ATÉ LÁ! TCHAU!

Catalogador: Hei RDA! Abra a porta... Caramba! Que Norma difícil!

Autor: Fernando Modesto

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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.