BIBLIOCONTOS


A DEPILAÇÃO DA BIBLIOTECÁRIA

Sim, aquele namoro que começara a alguns meses, por meio de um pedido de informação, no serviço de referência, evoluiu para uma paixão. Otávio e Sônia estavam agora tomados pelo cupido do amor.

Ambos agora eram recém-formados, ele em odontologia e ela em Biblioteconomia. Se conheceram na biblioteca da faculdade, onde Otávio estudava e ela concluía o estágio obrigatório do seu curso.

Enfim, o casal estava cheio de planos. Um desses planos, porém, Sônia só soube no dia em que Otávio a levou para conhecer sua família.

Ela até hesitou diante do convite, mas ele insistiu. Ademais, todos os seus familiares a aguardavam com ansiedade.

Era sábado e ele residia em uma cidade próxima à capital. Chegaram pouco antes do meio dia. A casa estava cheia de parentes.

Uma fila logo se formou para cumprimenta-la. Eram os avós, pais, tios, irmãos e sobrinhos vários, além de muitos primos de Otávio. Família grande.

Ela não contou com exatidão, mas estimou haver umas 40 ou 45 pessoas, talvez mais. Era tanta gente, que uma grande mesa foi montada no amplo quintal, sob uma frondosa árvore.

Em torno da mesma, todos se sentaram, reservando o centro para o jovem casal. Após a oração da alimentação, o tio do Otávio, seu Lazinho, em tom sério, perguntou a Sônia:

– Não se ofenda pela pergunta, mas você depila a churreia?

A bibliotecária ficou vermelha diante de todos os olhares de interrogação em sua direção. O namorado estava cabisbaixo. Sentiu-se em uma ilha cercada de tubarões. A avó de Otávio ainda reforçou a pergunta:

– É da cultura das mulheres desta família! Você depila a churreia ou chureula?

Sônia queria correr dali, não surgia uma palavra em sua boca seca. Fora criada em uma família conservadora, e aquilo lhe apertava o peito. Tossiu em busca de uma resposta, e gaguejou alguma coisa:

– Bem, não estou acostumada, é uma coisa tão íntima que...

Ia finalizando a frase quando foi interrompida pela sobrinha de Otávio, uma menina de seis anos, mas que para Sônia pareceu um pequeno monstro demoníaco, que puxando o seu braço gritava:

– Você depila a churreia com gilete ou prestobarba?

A mesa veio a baixo com as risadas. Sonia foi mais abaixo ainda, de vergonha. A bibliotecária estava encurralada. Não devia ter aceito o convite ou, no mínimo, ter se informado melhor sobre a família do rapaz.

– “Que mico”! – Pensava.

E aquela pestinha lhe exigindo uma resposta. Não tinha escapatória, teria que responder. Se queriam saber, ia dizer.

– Olha querida! É uma questão muito intima, mas não é costume se usar gilete ou prestobarba. Há outros recursos mais adequados como cera, por exemplo.

A mesa ampliou a risada. Tio Lazinho se contorcia. Um dos avós de Otávio até se retirou da mesa para recolocar a dentadura na boca.

O irmão de Otávio indagou ao mesmo:

– He! He! E ela depila bem mesmo a churreia?

Otávio sem graça, se explicava com um: – Não sei!

A turma ria a gosto ao ponto em que Sônia se enervou e estourou:

– Vocês me desculpem, mas me sinto ofendida com essa situação! Primeiro minha depilação é coisa íntima e segundo eu sou moça séria, o Otávio nunca me viu depilada.

Uma das sobrinhas voltou à carga:

– Ele nunca viu você depilando a churreia?

– Não! Nunca viu e, nesta condição, nunca verá. Otávio, estou indo embora!

E já se levantava para sair, quando o riso parou, fez-se um silêncio. A Mãe do Otávio interveio:

– Querida se acalme, não queremos te ofender, foi só uma brincadeira que fazemos com todos que recebemos e acolhemos na família. Para você saber que Chureula ou Churreia são os pelos que nascem nos dedos da mão e dos pés.

A bibliotecária sentou-se, ainda mais envergonhada, e até colocou a cabeça entre os braços.

Otávio a abraçou buscando consolá-la, ao mesmo tempo em que se desculpava por sua família.

A família seguia rindo, comendo e assistindo os vídeos gravados com a reação da bibliotecária. Sim, fora registrada para a posteridade.

Realmente, há momentos nos quais os termos, conceitos e palavras-chave ao invés de nos esclarecer, coloca-nos em situações vexatórias. Tudo isso apesar de nos julgarmos possuidores de mente altamente instruída.

Autor: Fernando Modesto

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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.