ARTIGOS E TEXTOS


LIVRO E LEITURA NO BRASIL: UMA HISTÓRIA QUE DEU CERTO?

O trabalho que se pretende aqui ser desenvolvido, objetiva, através de pesquisas realizadas por alguns autores e registradas em textos publicados sobre o assunto, apresentar a situação do livro e da leitura no Brasil, durante o período de 1500, data do descobrimento, até 1889, momento em que se dá a Proclamação da República.

Os textos utilizados neste trabalho, e indicados como literatura básica, encontram-se arrolados no item bibliografia.

Alguns aspectos do assunto serão abordados e escolhidos principalmente pela preocupação dos pesquisadores da área, evidenciados pelo espaço a eles destinados em seus textos, e, também, por interesses particulares, já que o tema suscita reflexões sobre a problemática do livro e da leitura nos tempos atuais.

As análises efetuadas pelos autores dos textos utilizados neste trabalho, apresentam a total ausência de livros e, em consequência, leitura no Brasil, desde o momento em que os portugueses aí aportam até o século XVIII. Referências são feitas aos jesuítas e ao trabalho de evangelização por eles realizado. Os índios aqui encontrados pelos colonizadores deveriam ser, na concepção destes, catequizados, resgatados de sua condição pagã. Sob esse rótulo, muitas atrocidades foram cometidas, principalmente quanto à sua cultura.

A educação no período colonial esteve limitada à ação da Igreja. John Luccock, citado por Lajolo e Zilberman, afirma que na colônia não havia escolas, não havia "nenhuma das instituições comuns para a primeira educação das crianças." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.131). A maioria destas "crescia e vivia sem a menor familiaridade com os primeiros rudimentos de aprendizagem." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991,p.131). Apenas a Igreja preocupava-se com a educação, estando confinados aos conventos tanto a instrução como os livros (MORAES, 1979, p.1). Durante os séculos XVI e XVII, o principal programa educacional resumiu-se à catequese dos índios pelos jesuítas. Apesar de não patrocinar diretamente, a administração portuguesa na colônia americana subsidiava os custos e protegia as escolas (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.27). "O primeiro grande projeto educacional desenvolvido no Brasil resultou do projeto evangélico dessa política catequética, executado sobretudo pelos jesuítas (...). Nesses 210 anos, consolidou-se a prática pedagógica talvez mais marcante e bem documentada da história colonial brasileira, responsável pelo estabelecimento das condições dentro das quais leitura e escrita, enquanto modelos de ação coletivos e institucionais, firmaram-se entre nós." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.16).

Esse período brasileiro não se salientou pela "intensidade da vida cultural". Isso obviamente se dá pelo momento histórico vivido na época, pelas consequências de uma terra colonizada, mas, também, porque não era apenas o Brasil que "era vítima de um ambiente claustrofóbico, do ponto de vista intelectual: o Portugal anterior à atividade de Pombal era dominado por religiosos conservadores e vivia ainda sob a égide da Santa Inquisição." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.76).

A descoberta da imprensa por Gutemberg, ocorrida no final do século XV, não resultou evidentemente numa transformação, numa alteração imediata da produção e distribuição de livros, ou seja, a ampliação do público e dos consumidores de livros não se deu imediatamente após a implantação da imprensa. Não bastou o equipamento, a matéria prima para o desenvolvimento do mercado editorial. O público, que dependia necessariamente da alfabetização e do gosto pela leitura, deveria ser formado, implicando em ações muito mais amplas e que ultrapassavam o mero acesso físico ao livro. Essa realidade não estava restrita ao Brasil colônia ou à Portugal, ela possuía um caráter universal. As ações nos vários países, no entanto, eram diferenciadas: Frieiro afirma que ao "contrário da América espanhola, que conheceu muito cedo, mal se firmara a Conquista, a imprensa e o ensino universitário, não havia em todo o Brasil uma só tipografia, uma só universidade." (1981, p.18). Corroborando com essa ideia, Lajolo e Zilberman (1991, p. 45) apresentam a falta de escolas, bibliotecas, livrarias e gráficas entre os motivos para um determinado nível cultural do Brasil colônia.

Apesar do pequeno número de pessoas com condições para fazer uso do livro e das dificuldades em obtê-lo, o Brasil colônia a ele teve acesso. Embora clandestina e perigosa, a entrada de livros se concretizou nesse período, trazidos pelos que retornavam de seus estudos na Europa. Aqui, tais livros eram emprestados, ampliando o círculo de acesso a eles (SODRÉ, 1983, p.12). Elementos vinculados à maçonaria e marinheiros portadores de encomendas se constituíam em outros segmentos que possibilitavam também a entrada desses livros, ocorrendo, no entanto, de forma irregular e esporádica. Não existia uma estrutura de distribuição organizada, obrigando a pequena população interessada a recorrer a tais métodos. "Lojas que vendessem livros praticamente inexistiam e a própria capital da Colônia, o Rio de janeiro, em 1792 não dispunha de mais de dois ou três pontos de venda." (KOSHIYAMA, 1982, p.18).

O Brasil colônia tinha limitado seus contatos culturais com o mundo pelas autoridades da Metrópole. Além disso, proibia-se qualquer tentativa de imprimir textos. O livro, nessa situação, era um produto raríssimo na terra até o fim do século XVIII (KOSHIYAMA, 1982, p.17). Com uma política como a que foi aplicada por Portugal sobre o Brasil, pode-se reconhecer a "pouca (ou quase nula) preocupação das autoridades com a difusão da leitura e escrita." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.28).

Os autores de textos para publicação, no mundo todo - por causa do pequeno mercado editorial que, por sua vez, acarretava em uma rigorosa seleção por parte das editoras, dos materiais que seriam financiados integralmente por elas - dependiam de mecenas. Os custos gráficos eram agravados, no início do século XVIII, pois a impressão de livros ainda guardava fortes marcas artesanais (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.52).

As condições para modificação dessa realidade dependiam, como já observado, da ampliação do público leitor, que começa a ocorrer nesse século, na Europa, quando a "literatura passa do meio aristocrático, onde dispunha de público restrito e era sinal de distinção, para o da classe média, entre o qual se expande e populariza." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.87).

No Brasil, essa transposição do mecenato para as relações de mercado pode ser evidenciada pelo primeiro grande sucesso literário, o Compêndio narrativo do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira, editado em 1728 e que teve, nas décadas posteriores, quatro outras edições. Esse autor inicia o livro se dirigindo aos que o apoiaram financeiramente, "porém, ao contrário dos outros, o Compêndio foi sucesso de vendas. Nessa medida, o texto, embora gerado segundo o velho sistema de produção, esboça o modelo das novas relações da literatura com o público, parecendo exemplificar a passagem de um universo cultural mediado pelo mecenato para aquele em que o autor depende das reações do mercado - autônomo - como é típico da sociedade capitalista industrial." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.55-6).

O século XVIII no Brasil, representa a época em que começa a existir um grupo de consumidores que manifestam seus hábitos e expectativas culturais. "Não se pode dizer que era uma camada culta ou elevada (...). Tinha, contudo, sua estrutura e definia certas tendências." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.65-6).

Modifica-se também, a própria concepção da população a respeito do livro: "Instrumento herético, o livro foi, no Brasil, visto sempre com extrema desconfiança, só natural nas mãos dos religiosos e até aceito apenas como peculiar ao seu ofício, e a nenhum outro." (SODRÉ, 1983, p.11).

As bibliotecas, por sua vez, até então presentes apenas nos mosteiros e nos colégios, começam, nos fins do século XVIII, a aparecerem também nas casas, em coleções particulares. Essas bibliotecas eram formadas não só com livros cuja edição havia sido autorizada pelos órgãos censores, mas continham materiais "proibidos". Muitas dessas bibliotecas que mantinham tais livros, como foi o caso das que pertenciam aos "inconfidentes mineiros", foram utilizadas com o objetivo de agravar as acusações que a eles eram imputadas. Nessa condição, na análise de Sodré, a leitura de tais livros, para as autoridades coloniais, podia ser entendida como: "ler não era apenas indesculpável impiedade, era mesmo prova de crimes inexpiáveis." (1983, p.12).

Um desses inconfidentes, o Cônego Luis Vieira da Silva, possuía a maior e melhor dessas bibliotecas. Frieiro a define como "notável para o tempo e o lugar", principalmente se considerarmos "o atraso e a apatia espiritual em que vivia a Colônia por aquele tempo. A educação pouco progredira." (1981, p.18). Essa afirmação corrobora com a ideia da inexistência, embora crescente, de um público leitor pequeno e incipiente.

Havia em Portugal uma estrutura censória para determinar os livros que teriam sua publicação proibida. O Brasil, enquanto colônia, deveria acompanhar e se submeter às decisões emanadas por aquela estrutura. "Estavam, em Portugal, sujeitos os livros a três censuras: a episcopal, ou do Ordinário, a da Inquisição, e a Régia, exercida pelo Desembargo do Paço, desde 1576 (...). A partir de 1624, os livros dependiam das autoridades civis para serem impressos, isto é, das autoridades reconhecidas pelo Estado, entre as quais, para esse fim, estavam as da Igreja; mas dependiam ainda, para circularem, da Cúria romana. Pombal, em 1768, encerrou esse regime, substituindo-o pelo da Real Mesa Censória, que vigorou até 1787. Ora, se na metrópole feudal essas eram as condições, fácil é calcular quais seriam as que imperavam na colônia escravista." (SODRÉ, 1983, p.9-10).

Outros autores, ao contrário, defendem que, apesar da estrutura censória e do emprego de livros proibidos como forma de ampliar pretensas culpas de acusados por diversos crimes, o rigor no cerceamento da entrada de livros no Brasil colônia deve ser relativizado. Os argumentos para essa posição passariam pela existência das bibliotecas particulares dos inconfidentes e alcançariam concepções mais gerais: "As autoridades opunham obstáculos à entrada de livros no Brasil? O fato não deve ser exagerado. Em todas as partes e em todos os tempos, as autoridades criaram óbices à circulação dos escritos tidos como perigosos, o que entretanto nunca impediu que tais escritos fossem lidos e até às vezes muito lidos." (FRIEIRO, 1981, p.19). O autor da citação afirma, como consequência de suas ideias, que os intelectuais de Vila Rica leram tudo o que queriam ler (p.20), e que o "propalado rigor das autoridades metropolitanas (...) não eram neste caso tão rigorosos como se tem pensado." (p.31).

Rubens Borba de Moraes também compartilha dessa opinião dizendo que apesar de enérgica fiscalização, os livros proibidos circulavam tanto em Portugal como no Brasil. Como exemplo, cita um livro importado por um livreiro do Rio de Janeiro. Esse livro "cuja proibição em Portugal fez com que todas as primeiras edições fossem impressas em Paris... e contrabandeadas para o Reino." (MORAES, 1979, p.46).

Livros identificados como "perigosos" eram vendidos em Portugal e podiam ser encontrados inclusive em bibliotecas. "Passavam incólumes na alfândega por desleixo ou ignorância dos funcionários, quando não eram trazidos de contrabando." (MORAES, 1979, p.57). Concluindo suas ideias a esse respeito, Moraes, a exemplo de Frieiro (1981), também generaliza o problema: "O fato é que entrou no Brasil em todas as épocas muito livro proibido o que confirma o que toda a gente sabe (salvo os policiais de todos os tempos): a censura, a apreensão ou confisco nunca, em tempo algum, impediram a circulação de livros considerados nocivos." (MORAES, 1979, p.60).

A censura é analisada, portanto, de várias maneiras, predominando nos textos lidos a ideia de que se deve relativizar a rigidez e o rigor empregados na colônia quanto à observância da proibição da entrada de livros considerados perigosos, nocivos, perniciosos.

Nelson Werneck Sodré, que acredita ter a censura sido nefasta para o Brasil, mesmo reconhecendo mecanismos utilizados para burlar a vigilância que tentava impedir o ingresso de livros proibidos, discorda das análises feitas por alguns autores quanto aos benefícios do fim da censura prévia decretada pelo Príncipe Regente em 1821. Outros textos abordam o assunto enaltecendo e valorizando em demasia esse ato. Sodré afirma textualmente que considera o término da censura sob um ponto de vista diferenciado, argumentando que "ardilosamente, a censura não se faria mais sobre os manuscritos, mas sobre as provas tipográficas. E continuavam proibidos os escritos contra a religião, a moral, os bons costumes, a Constituição, a pessoa do rei, a tranqüilidade pública - contra qualquer coisa, contra tudo, em suma." (SODRÉ, 1983, p.41).

Deve-se salientar, em vista das discussões que, não obstante terem chegado os livros às mãos dos brasileiros, a censura não pode deixar de ser questionada, combatida e, com o intuito de não permitir sua volta, lembrada. Em nenhum momento se pode menosprezar ou diminuir as consequências nefastas da censura.

No começo do século XIX, as tipografias ainda eram proibidas no Brasil. Toda a impressão só deveria ser realizada em Portugal. A proibição não se aplicava apenas aos livros, mas a qualquer impresso, inclusive folhas divulgando eventos religiosos. Essa situação também era provocada por necessidades burocráticas, uma vez que a burocracia censória, de cujo aval e aprovação dependiam os editores, encontrava-se na Metrópole. Moraes, no entanto, apresenta uma tentativa de fazer funcionar um prelo no Brasil, durante esse período: "Não existe, por enquanto, nenhuma prova ou indício de existência de prelo até o momento em que Antônio Isidoro da Fonseca instala no Rio de Janeiro uma pequena tipografia em 1747." (MORAES, 1979, p.62). Essa tentativa é frustrada poucos meses depois, sendo a tipografia impedida de funcionar por ordem direta da Coroa. (MORAES, 1979, p.64).

Visando tirar o Brasil do "atraso" em que se encontrava, Portugal decide editar livros voltados para a agricultura com o intuito de melhorar as condições da Colônia nesse setor. Os livros, obviamente, foram impressos na Metrópole e enviados para o Brasil. Publicar somente não era suficiente, sendo necessário fazê-los chegar às mãos dos agricultores. "Foi o que fez o governo português, mandando aos capitães generais do Brasil caixotes de livros para serem vendidos por preço barato e até se fosse o caso, dados de graça aos interessados." (MORAES, 1979, p.78). Depreende-se desse fato o valor atribuído ao livro, entendendo-se a política de não incentivo à leitura na Colônia como uma resolução, como uma determinação e não apenas por mero descaso ou por não considerar o valor cultural e educacional do livro. Dá-se talvez nesse momento, a primeira ação distributivista, o primeiro ato concreto de distribuição, até mesmo indiscriminada, de livros no Brasil, prática comumente empregada no século XX.

A tipografia no Brasil apenas vai surgir em 1808 quando a Família Real e o governo português mudam-se para o Rio de Janeiro. D. João, o príncipe-regente, em 13 de maio de 1808 "rubricou a carta régia que oficialmente permitia a utilização de prelos no Brasil." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.128). Vale lembrar, no entanto, que a imprensa surge no Brasil de maneira oficial e fruto de necessidade burocrática, isto é, a tipografia implantada com os prelos vindos de Portugal seria empregada na impressão da legislação e de todas os papéis necessários para o andamento do governo. (SILVA, s.d., p.3).

A Tipografia Real além de responder aos objetivos com os quais foi instalada, passou a publicar livros abrangendo vários assuntos como ciências exatas, filosofia, medicina, história natural etc. Contudo, a maior produção foi de literatura, editando desde romance, poesia, teatro, até literatura infantil, literatura popular e, inclusive, jornais. (MORAES, 1979, p.117ss). O primeiro romance publicado foi o "Diabo coxo", de Lesage, em 1810. (p.120).

Lajolo e Zilberman afirmam que "ventos favoráveis para os negócios da cultura escrita" começam a soprar só nos anos 20 "com a abolição da censura prévia e, em 1821, com o fim do monopólio estatal da imprensa." (1991, p.142). Entretanto, Rubens Borba de Moraes indica que diversas pessoas tiveram a ideia de estabelecer uma tipografia na cidade de Salvador, sendo que a única a funcionar foi a de Manuel Antônio da Silva Serva. Seu funcionamento foi autorizado pelo Príncipe Regente em Carta Régia de 5 de fevereiro de 1811. (1991, p.132). Essa data é anterior à apresentada por Lajolo e Zilberman como a do fim do monopólio estatal da imprensa. Moraes reforça essa afirmação com outros dados sobre a primeira tipografia particular brasileira: "A tipografia de Silva e Serva era uma empresa comercial, e novo ramo de sua casa de negócio. Foi fundada para dar lucro, tal como sucederia com uma impressora-editora de hoje (...). Esse fato vem refletido na escolha das obras editadas. São elas, em grande maioria, livros de venda garantida, ou pelo assunto de que tratam, ou pelo nome conhecido dos autores. Essa tendência é visível desde o primeiro ano de sua fundação." (MORAES, 1979, p.136).

Para se ter uma ideia da produção editorial na época, pode-se utilizar de um levantamento efetuado por Veiga Cabral, citado por Koshiyama, em que se arrolam mil e quinhentos trabalhos - a maioria traduções - impressos entre 1808 e 1822. (1982, p.18-9).

Apesar da instalação da Imprensa Régia, a situação do texto impresso parece não ter se alterado substancialmente: "Além de tardia, a implantação da imprensa na então colônia lusitana constituiu uma medida isolada, não tendo sido secundada pela criação e consolidação de instituições e instrumentos necessários à difusão dos produtos impressos. Continuavam faltando escolas, bibliotecas, gabinetes de leitura, livrarias, jornais, editoras. Tais ausências tornaram quase inexpressiva a mudança." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.129). Cresce o número de tipografias e de livreiros, mas não o suficiente para se constituir num aparato de apoio para difundir o livro e criar um público para consumi-lo. Esse público cresceria durante o século XIX, engendrando-se "no Brasil as primeiras e novas formas de público que, inicialmente ralo e inconsistente, aos poucos ganha personalidade e contorno diferenciado. Entre os anônimos leitores de folhetos e os assíduos freqüentadores de teatros, circulam intelectuais, homens de letras, estudantes, jornalistas, algumas sinhás-moças e até velhotas capazes de leitura." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.89-90).

Dados sobre as livrarias existentes no Brasil, comprovam seu pequeno número no Brasil colônia: "Havia (...) em 1813, apenas duas livrarias, ambas de franceses (...). Em 1821, havia pelo menos nove (...). Em 1823, proclamada a Independência, surgiram outras." (SODRÉ, 1983, p.38).

A exemplo das livrarias, a educação no começo do século XIX pouco ou nada havia se desenvolvido e estruturado; o Brasil carecia de um sistema escolar ao menos regularizado. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.117).

A Corte Portuguesa também traz consigo a Biblioteca Real. Esta continha aproximadamente cinco mil volumes sobre vários assuntos e é inaugurada no dia 13 de maio de 1811, data do aniversário do Príncipe Regente. Abre-se ao público, no entanto, apenas em 1814. (MORAES, 1979, p.82 e 84).

Essa biblioteca, mesmo que aberta aos interessados, não se constituiu numa efetiva biblioteca pública, principalmente pela situação social e cultural da colônia. Moraes diz que tanto a imprensa como a biblioteca foram criadas pelo governo aos moldes de Lisboa, ou seja, como repartições públicas e com todos os problemas que tal condição acarreta. (1979, p.128-9).

Defendendo a ideia de que a Biblioteca Real já existia em Portugal e foi apenas transferida de sede, e que as bibliotecas dos conventos não eram franqueadas à população, esse autor reconhece a Biblioteca Pública da Bahia, inaugurada no antigo Colégio dos Jesuítas em 4 de agosto de 1811, como a primeira biblioteca pública fundada no Brasil. (MORAES, 1979, p.147).

A Biblioteca Pública da Bahia foi constituída a partir da iniciativa de um cidadão, obtendo autorização e incentivo da administração local. Seu acervo inicial era composto de aproximadamente três mil volumes, obtidos em caráter de doação. A esse respeito, Moraes observa que tal quantidade de obras doadas era prova de "que havia na Bahia mais livros em mãos de particulares do que se pode imaginar." (1979, p.146). Sete anos após sua inauguração, o Conde dos Arcos, que apoiava a existência da biblioteca, deixa o governo da Bahia. A biblioteca, a partir de então, fica entregue ao abandono. O acervo que crescia com doações e compras efetuadas com o produto da arrecadação de subvenções, fica estagnado, atingindo apenas 78221 volumes em 1835. (1979, p.150).

A análise do acervo dessa biblioteca revela dados interessantes: a coleção de obras de referência (dicionários, enciclopédias etc.), são avaliadas como "simplesmente excelente". (MORAES, 1979, p.154). Grande parte do acervo era composto por obras francesas e inglesas. Moraes amplia as observações sobre o acervo: "a modernidade da coleção chama logo a atenção; impressiona o avultado número de obras de autoria de 'filósofos' ilustrados. A ausência quase completa de livros que combatem suas teorias também é significativa; o grande número de livros franceses e ingleses é coisa inusitada; assim como a variedade de assuntos; o número de livros proibidos em Portugal ou que figuram no Index é grande; trata-se, enfim, de biblioteca que não sofreu censura." (MORAES, 1979, p.152). Essa análise final é perigosa: a ausência de livros que combatiam os 'filósofos' ilustrados, não se caracteriza numa forma de censura?

As ideias veiculadas na Colônia pelos jornais publicados fora do Brasil, mas que de diversas maneiras nele penetravam, preocupavam o governo português, a ponto de ele mesmo financiar e imprimir periódicos oficiais, objetivando neutralizar os efeitos da leitura do material contrabandeado. (SODRÉ, 1983, p.29). A leitura é reconhecida mais uma vez, como importante e instrumento de divulgação ideológica. Sodré afirma que na luta "doutrinária de preparação à Independência, (...) o papel da imprensa foi destacado." (1983, p.60).

O Brasil, independente dos livros aqui editados, ainda se abastecia de impressos provenientes de Portugal. Por esse motivo, Koshiyama acredita que a independência de 1822, para a cultura impressa, "não implicou violentas rupturas entre Brasil e Portugal." (1982, p.21). Já Lajolo e Zilberman entendem que o "projeto de independência política, acalentado por algumas elites e generosamente compartilhado pelo povo, foi decisivo, no Brasil, para o desenvolvimento da leitura e escrita como práticas sociais." (1991, p,.127).

Após a independência, amplia-se o número de bibliotecas particulares e, obviamente, a quantidade de livros nas mãos das pessoas. Mesmo assim, as condições para publicação de livros não eram favoráveis no Brasil, situação que persiste até meados do século XIX. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.141). Isso ocorre, apesar de importantes conquistas por parte dos autores, como é o caso dos direitos autorais. Estes eram conseguidos, a partir de 1817, com a solicitação de "privilégio" feita junto ao rei, garantindo que ninguém mais poderia imprimir sua obra intelectual. O rei concedia tal privilégio durante catorze anos. (SILVA, s.d., p.4).

Em torno de 1830, os pontos de distribuição de material impresso eram poucos, "confinando-se ao tripé Tipografia Nacional (designação após a independência da antiga Impressão Régia), Casa de Plancher e a de Veiga.". (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.142). Nos anos 40 daquele século, o romance se desenvolve, além de existir "as condições necessárias para que os livros didáticos fossem se tornando uma presença regular na vida escolar brasileira." (1991, p.136). Mas, a criação de livrarias e editoras no Brasil até a primeira metade do século XIX representava "projetos e esforços descontínuos. Jamais configuram atividades coesas que, secundando um projeto educacional consistente, sustentam (e se sustentam de) uma sólida prática social da leitura. O novo estágio só ocorre a partir do estabelecimento, em terras cariocas, dos doublés de editor e livreiro Laemmert, Garnier e Francisco Alves. Seus nomes tornam-se marcos que dominarão a produção e distribuição de livros ao longo da segunda metade do século passado, cruzando inclusive a soleira do seguinte." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.144). Os três livreiros-editores citados (Laemmert, Garnier e Francisco Alves) criam casas sólidas, apoiando a implantação de um suporte, agora mais concreto, para a publicação e divulgação do livro no Brasil.

A partir dessa época, começa a se formar, de fato, um público leitor para a literatura, constituindo-se "entre a maioria das pessoas com acesso à instrução - estudantes, professores, comerciantes, funcionários, militares e senhoras da classe dominante. (KOSHIYAMA, 1982, p.24).

O público começa a se formar, mas ainda é restrito, muito restrito. Os folhetins de José de Alencar e, mais tarde, os romances de Machado de Assis, contam com um público cativo, como observam Lajolo e Zilberman (1991). No entender de Machado de Assis (citado por essas autoras), contudo, "Há um círculo limitado de leitores: a concorrência é quase nula, e os livros aparecem e morrem nas livrarias." (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p.93-4). Em 1862 o mesmo Machado de Assis dizia que "o nosso movimento literário é dos mais insignificantes possíveis. Poucos livros se publicam e ainda menos se lêem." Em 1866, esse reconhecido romancista abarcava "no mesmo ceticismo a produção, circulação e leitura de livros." (1991, p.92-3).

A quantidade de livros vendidos já quase no final do século XIX indica o quanto eram poucos os leitores. As tiragens eram reduzidas e os exemplares eram vendidos muito lentamente. Garnier, um dos principais editores em atividade na época, como já observado, "afirmava francamente que determinados livros, qualquer que fosse o preço, se bem aceitos, atraiam 300 a 400 compradores; os livros populares vendiam, no primeiro ano, de 600 a 800 exemplares." (KOSHIYAMA, 1982, p.29).

A ausência de leitores, de público leitor, pode ser explicada pela situação vivida pelo Brasil na época, quando 80% da população brasileira era analfabeta, não dispondo, a sua maioria, de escolas primárias onde pudesse ser alfabetizada. (KOSHIYAMA, 1982, p.29 e 39). Já no início do século XX, "havia déficit de escolas em relação à demanda prevista (...). Escolas secundárias - públicas e privadas - eram sempre pagas e caras, pois cobravam taxas, selos e contribuições dos alunos. Por serem onerosas, tinham como freqüentadores os filhos das famílias afortunadas, futuros candidatos aos cursos superiores existentes no país. (...) As escolas secundárias atendiam, nessas condições, apenas a 1% (um por cento) dos 6 milhões de brasileiros entre 12 e 20 anos, segundo o censo de 1920. E apenas 1/4 das escolas secundárias do país era dirigido pelo poder público, ficando o restante com a iniciativa particular." (KOSHIYAMA, 1982, p.35-6).

Nessas condições, tornava-se difícil criar um público para o livro no Brasil ou oferecer a situação adequada para que se desenvolvesse a leitura. As autoridades, governantes e dirigentes da Colônia ou do Império não se preocupavam em instituir ou implantar ações que propiciassem a concretização dessas condições.

Rubens Borba de Moraes sintetiza seu estudo, talvez pendendo mais do que o necessário para um certo ufanismo, da seguinte maneira: "... há muito que pesquisar sobre a História dos livros e das bibliotecas no Brasil colonial. O pouco que sabemos, porém, já nos permite uma primeira observação: não vivemos sem livros e sem bibliotecas. O Brasil colonial não viveu no obscurantismo. Não tivemos, é verdade, universidades como o México e o Peru, mas tivemos tantos livros e livrarias quanto as colônias espanholas." (1979, p.173).

 

BIBLIOGRAFIA

FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego. 2.ed. Belo Horizonte: Itatiaia /Edusp, 1981. p.13-62.

KOSHIYAMA, Alice Mitika. Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982. p.16-66.

LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, Regina. A leitura rarefeita: livro e literatura no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1991.

MORAES, Rubens Borba de. Livros e bibliotecas no Brasil colonial. Rio de Janeiro: LTC, 1979.

SILVA, Maria Beatriz Nizza. Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821. São Paulo: Departamento de História, FFCLH/USP, s.d. (Folheto)

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983. p.1-82.

 

(Texto produzido em 1995 para a coleção Ensaios APB, mas não publicado. Está aqui sendo reproduzido pela primeira vez)

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Junior
Fonte: ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo Francisco de. Sociedade e Biblioteconomia. São Paulo: Polis, 1997. p.40-50

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.