GERAL


PAULA ABREU FOSCHIA


(Em busca de um novo refúgio)

Há algum tempo, tinha lido sobre a Biblioteca Rodolfo Garcia, a nova biblioteca que estava sendo construída na ABL, com inauguração prevista para 2004. Segundo a matéria, a biblioteca contaria com um belo acervo de raridades, ao qual se somaria um acervo convidativamente grande de títulos disponíveis para consulta pública, além de computadores de última geração conectados à internet, ar-condicionado e salas de leitura super agradáveis.

Como trabalho no prédio da ABL, me prometi conhecer a tal biblioteca assim que fosse inaugurada. Depois nunca mais ouvi falar nela e esqueci do assunto. Até hoje. Cheguei no escritório decidida a explorar o novo território logo ali, debaixo do meu nariz, e passei a manhã inteira ansiosa. Lembrei do recreio nos tempos de colégio, que eu muitas vezes passava sozinha na biblioteca, fuçando aqui e ali em busca de coisas novas. Josué, o funcionário da biblioteca, era meu cúmplice e me deixava levar cinco, sete, dez livros para casa por vez, quando a regra era clara: cada aluno só podia levar até dois livros. O prazo para entrega era de dois dias e até hoje fico pasma de lembrar que, por maior que fosse a minha pilha, eu terminava tudo e devolvia a tempo - o que, aliás, garantia a continuidade de meu acordo tácito com Josué.

Nosso acordo, é bom dizer, era já bastante antigo, pois só mesmo com o tempo poderia nascer tal relação de confiança. Comecei a freqüentar a tal biblioteca - que provavelmente tinha sido batizada em homenagem a algum jesuíta "famoso" - aos 10 anos, quando mudei de escola. Antes disso estudava numa escola pública onde a biblioteca se restringia a umas poucas prateleiras com livros sebentos e desinteressantes. Daí pode ter nascido minha motivação para escrever meus próprios livros, mas isso já é outra história. O fato é que, quando pisei na biblioteca do colégio novo, com piso decorado, pé direito gigantesco, mesas de consulta e prateleiras e mais prateleiras cheias de livros dos mais variados temas, senti que tinha encontrado o meu refúgio. É que como eu vinha de colégio público, cheio de greves e até ameaças de bomba (taí, outra história!), comecei o ano sentando lá na frente, apavorada de ser reprovada e decepcionar minha mãe. Resultado: minhas primeiras amigas foram um bando de cdf's que acharam que eu me encaixava no grupo. E elas faziam aula de balé e essas coisas maricas que eu já tinha abandonado há tempos. Então eu logo passei a ter uma missão no recreio: despistar minhas amigas bailarinas cdf's de letras redondas e me divertir sozinha na biblioteca.

O início foi uma festa, eu lia quinhentos livros por dia. Agatha Christie, Daniele Steel e toda aquela literatura porca ali, ao alcance da minha mãozinha de pré-adolescente curiosa, achando muito divertidos os "membros entumescidos" dos personagens do Sidney Sheldon. Não tiro o mérito de nenhum deles. O tempo foi passando e acabaram-se as opções na prateleira de literatura porca, o que me obrigou a encarar "O Idiota", do Dostoievski, aos 13 anos. Claro que não entendi bulhufas. Mas adorei. Nessa época o Josué já era meu chapinha e me liberava os livros dos "mais velhos", então eu lia absolutamente tudo o que despertava a minha curiosidade, desde Freud à autobiografia do Chaplin (que é ótima, por sinal).

Mas como eu divago. O que queria dizer é que, hoje, subi até o segundo andar do prédio da ABL em busca de um refúgio como era a minha biblioteca do colégio. Esperando até, quem sabe, conhecer alguém que fosse se tornar o meu novo Josué, o camaradinha com quem eu ia conseguir armar trambiques para ver os livros raros mais de perto, essas coisas.

Cheguei lá e avistei um funcionário atrás de uma mesinha (seria o Josué? Seria?). E eis que o funcionário me informa que a Biblioteca Rodolfo Garcia somente será aberta ao público no ano que vem. No ano que vem. Entendem? Eu lá, achando que ia conseguir passar todos os almoços ali, sentada nas confortáveis e macias cadeirinhas, lendo livros bacanas e tomando notas no meu caderninho, despistando os advogados sérios que gostam de conversar sobre sentenças e recursos na hora do almoço. Mas não. Nada disso. Pelo menos até o ano que vem, continuo em busca de um novo refúgio.

Paula Abreu Foschia - Escritora


Fonte: Blog Epinion - Postado em 03.06.2004

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.