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TERMINOLOGIA NÃO É EPISTEMOLOGIA

Apesar de parecer óbvio para os especialistas no assunto, não custa lembrar que a disciplina conhecida como Terminologia, que estuda termos de um campo de especialidade e sua articulação com os conceitos técnico-científicos e os usuários, não é um modo de se refletir sobre uma ciência. É, sobretudo, um mecanismo de operar na realidade das ciências, registrando conceitos de um campo para depois elaborar produtos a serem utilizados pelo grupo em questão: dicionários especializados, glossários etc.

 

Em artigos e trabalhos encontrados na literatura da Ciência da Informação relata-se o uso das ferramentas e da teoria terminológicas para avaliação do próprio discurso científico. O objetivo não é gerar um produto documentário – um tesauro, por exemplo, que beneficiará seus pesquisadores e interessados –, entretanto, intenta-se legitimar argumentos que asseveram a fragilidade conceitual e teórica da Ciência da Informação. Conclusão louvável e facilmente aceita, mas conseguida a custo baixo. Para compreender os intrincados problemas de uma ciência é necessário ir muito mais além.

 

A premissa que sustenta tal argumentação sobre a Ciência da Informação centra-se na idéia de que uma ciência consolidada tende a valer-se de conceitos unívocos, obtidos mediante consenso. Como não os encontram na Ciência da Informação, concluem autorizadamente sobre o possível estado de seu desenvolvimento. Parece legítima tal afirmação, porém, procura recobrir uma fragilidade quase insuspeita sob indícios aparentemente evidentes do modus operandi de uma ciência e da Ciência da Informação. Dispensam um exercício metódico de leitura dos clássicos da filosofia da ciência e da sociologia do conhecimento, o que oportunizaria entender a ciência como empreendimento humano agindo na realidade social e, logo depois, pensar especificamente a Ciência da Informação.

 

Nesse discurso, supõe-se que para pensar sobre uma ciência devemos, em primeiro lugar, alcançar seus “objetos”, e para ser um objeto legítimo precisamos levar seus conceitos ao teste da univocidade. Aceitam o autoritarismo do significado único para não correr o risco de ter argumentos futuros assentados em terreno frágil. A ameaça de fragilidade das idéias e dos conceitos parece forçar a busca por certezas e edifícios “solidamente” construídos. Ainda, segundo esse ponto de vista, não podemos conhecer sem aceitarmos antecipadamente, e em conjunto, as condições sob as quais se darão os novos conhecimentos.

 

A Terminologia não pode ser responsabilizada nem mesmo figurar como discurso principal para avaliar uma ciência em sua totalidade, ou dizer que está bem ou mau, ou que deve rediscutir seus conceitos a luz das técnicas de identificação e descrição de termos. O procedimento terminológico, tomado isoladamente, restringe qualquer possibilidade de refletir sobre as condições complexas de uma ciência; determinantes estes que conferem a própria existência aos conceitos.

 

Enquanto isso ocorrer na Ciência da Informação, o discurso terminológico se mostrará como reflexão epistemológica, como se epistemologia fosse algo resolvido e unânime a priori e tivesse como objeto a ciência. A epistemologia pode ser reduzida à filosofia da ciência, descolada de uma sociologia da ciência. O conhecimento (do grego epistéme, ciência ou conhecimento) tratado pela epistemologia não consegue dividir o sujeito cognitivo em duas partes: de um lado, fica o homem de ciência, o sujeito cartesiano, e de outro, o sujeito que produz conhecimento não-científico, popular, religiosos etc.

 

A valorização da Terminologia como teoria do conhecimento científico, conforme entendem alguns estudiosos da Ciência da Informação, parece crer nesta divisão do gênero humano, pois dispensam as análises históricas e sociológicas da ciência, a não ser quando estas se misturam às análises sociolingüísticas.

 

Ao contrário do que se pensa, dentro do espectro da prática epistemológica tem-se muitas idéias e realizações. A epistemologia pode seguir um caminho filosófico e querer saber coisas sobre o conhecimento em geral, sua origem e condicionantes. Caso seja uma posição aplicada à ciência é à filosofia da ciência que deverá recorrer. E ainda, se se pensa em refletir sobre a historia da ciência e seus cruzamentos com os aspectos sociais, as linhas de estudo se complexificam muito mais. Não será preciso tocar na discussão da origem do conhecimento ou seus requisitos de objetividade, o que nos levará às especulações clássicas, que oscilam entre o racionalismo, o empirismo, a objetividade e a subjetividade; do idealismo clássico ao idealismo crítico...

 

Ora, isso parece ser trabalhoso demais, então, adotam-se – como de costume – técnicas utilizadas para organizar o conhecimento nas ciências para nos dar respostas sobre como está o andamento destas ciências (pela definição dos conceitos gerados em seu interior).

 

Assim, deve-se ficar claro que, quando se cogitar discussões epistemológicas na Ciência da Informação, devemos ir além da prática terminológica, a qual, apesar de visível e com resultados concretos em termos operacionais para se avaliar o estado dos termos de uma ciência, não nos diz muito sobre os condicionantes histórico-sociais nem mesmo as ideologias que fundaram e orientam esta ou aquela ciência. Lembre-se que a Terminologia, segundo consta, é uma disciplina que foca a sincronia, e não a diacronia. Como disciplina, a Terminologia é sempre necessária para a prática de organização de registros e elaboração de instrumentos dos serviços de informação, mas como proposta ou coadjuvante teórica da epistemologia, ela é dispensável. Os diversos lastros fundamentais de quaisquer ciências ou áreas de pesquisa não podem ser explicados com uma abordagem terminológica. Desse modo, não podemos confundir Terminologia com Epistemologia, pois, do contrário, restringiremos as possibilidades de se examinar as coisas e a ação humana para ficar apenas com suas expressões mais usadas.

 

Referência

 

SMIT, J. W.; TÁLAMO, M. F. G. M. ; KOBASHI, N. Y. A determinação do campo científico da ciência da informação: uma abordagem terminológica. DataGramaZero, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, fev. 2004. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/fev04/Art_03.htm>. Acesso em: 24 set. 2007.

 

Carlos Cândido de Almeida

Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).

 

(Publicado em novembro de 2007)

Autor: Carlos Cândido de Almeida

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.