ALÉM DAS BIBLIOTECAS


CAIXAS DE PAPELÃO E AMOR

Imaginem vocês, por um momento que seja, rápido ou fugidio, prolongado ou duradouro, como seria a humanidade se uniforme e sem pontos e contrapontos: todos gostando ou desgostando de coisas similares! Pura monotonia! Impossibilidade quase patológica! Há os que se deliciam como viageiros. Há os que se deliciam com sua caminha gostosa e fofinha. Estou dentre a categoria dos que amam conhecer recantos de nosso país e cruzar fronteiras longínquas para desvendar a beleza ímpar de continentes e povos tão díspares, e, paradoxalmente, tão iguais. Ao longo de minha vida nômade, uma única inferência: o ser humano, onde quer que esteja, assemelha-se em sua essência – alegria e tristeza; alento e desalento; altruísmo e egoísmo; bondade e maldade; amor e desamor. 

Por conta disto, ao visitar a Finlândia, dezembro de 2023 / janeiro de 2024, considerada em relatório patrocinado pela Search the United Nations / Organização das Nações Unidas (ONU) como o país mais feliz do mundo pela sétima vez consecutiva, divulgado em março de 2024, de imediato, corri para mim mesma num gesto de remissão. Durante o segundo dia de viagem, na capital Helsinki, o guia local afirmou que, no país, os bebês, independentemente de classes sociais, dormem em caixas de papelão de muita boa qualidade. Obviamente, sorrisos escusos ou olhares de descrédito julgaram a ideia fantasiosa. Propus investigar e o fiz: é a mais pura verdade. Há 75 anos, todas as mulheres grávidas natas na Finlândia ou ali residentes recebem um kit de maternidade do Governo, posto numa caixa a ser utilizada por quanto tempo a família quiser ao longo dos primeiros meses do bebê. 

Bebês de todas as classes sociais dormem em caixas de papelão na Finlândia

 

 

Fonte:

Foto de Milla Kontkanen, 2024

Os primeiros cochilos virão na segurança de quatro paredes de papelão. Ali está o essencial para os primeiros dias de sobrevivência: um saco de dormir, um pequeno colchão com roupas de cama, lençóis, cueiros, peças de vestuário para as diferentes estações, macacões, mamadeiras, produtos de banho e de higiene, fraldas e muito mais.

Kit maternidade faz a felicidade das mães finlandesas

 

 

 

 

Fonte:

CRECHE na Dinamarca cuida de crianças de graça..., 2024

Trata-se de tradição que persiste desde os anos 30, precisamente 1938, com o intuito de assegurar às crianças um começo de vida igual, distante de preconceitos econômicos e sociais, embora de início, a iniciativa só estivesse disponível para mães de baixa renda, o que se universalizou em 1949. Na década de 30, a Finlândia era um país notadamente pobre com elevada mortalidade infantil – 65 em 1.000 bebês não resistiam. Os governantes creem que esta iniciativa aparentemente tão simplória e de tão fácil execução foi decisiva para a nação alcançar ínfimas taxas de mortalidade infantil dentre os demais países, com a ressalva de que o acompanhamento pré-natal é levado muito a sério. Se nada é impositivo, uma vez que as mães podem escolher entre a caixa ou uma ajuda financeira, que ronda em torno de 140 euros (cerca de 760,34 reais brasileiros), com a ressalva de que a grande maioria (95% a 98%) opta pelas caixas de papelão recheadas de amor, há ordem no aparente assistencialismo: para receber o benefício em qualquer das duas modalidades, obrigatoriamente, as gestantes necessitam de seguir religiosamente o pré-natal antes do quarto mês de gestação.

Isto é, as caixas recheadas de amor, os cuidados pré-natal para quaisquer gestantes, um sistema de seguro de saúde nacional e um sistema central da rede hospitalar, desde os anos 60, constam como itens essenciais para o estabelecimento de vínculos de afeto entre as gerações de mulheres, que reconhecem os bebês da época dos seus filhos pelo conteúdo dos conjuntos de utensílios, que acompanham as mudanças inevitáveis dos tempos. Por exemplo, os bebês de agora dormem em suas próprias caixinhas e não mais na cama dos pais, lhes concedendo liberdade e lutando, desde já e inconscientemente, por sua autonomia. Além do mais, pouco a pouco, as controversas mamadeiras e chupetas foram removidas dos itens a fim de incentivar a prática do aleitamento materno e os benefícios daí advindos. A influência da Biblioteca Pública Helsinki Central Library ou Oodi (poema lírico) concorre para a inclusão de livros infantis nos kits de modo a encorajar as crianças a segurá-los e lê-los adiante em busca de compreender o universo e o ser humano, face ao espaço belo e grandioso para crianças, muitas crianças, desde bebês! Tudo justifica a premissa de que as mães finlandesas são as mais felizes do mundo e a Finlândia, o país mais feliz do mundo, segundo o supracitado relatório da ONU.

Além do mais, trata-se de tendência dos chamados países nórdicos, situados na região da Europa setentrional e do Atlântico Norte, incluindo, além da Finlândia, Dinamarca, Islândia, Noruega e Suécia. Por exemplo, na região central da Dinamarca, funcionárias de uma creche cuidam dos bebês, sem qualquer ônus, por duas horas ininterruptas nas noites de quintas-feiras para dar chance aos pais de gerarem novos nenês, se assim desejarem. Se o objetivo mor é amenizar o déficit de natalidade da Dinamarca, um dos maiores do mundo, o que corresponde a uma população bastante envelhecida, por trás do intuito social, há o temor de colocar em xeque o futuro de cuidadoras... De qualquer forma, dentre argumentos mil, há a esperança de que os berços improvisados e cheios de amor reduzam a desigualdade social e estimulem o amor dentre os seres humanos desde sempre!

Fontes

CRECHE na Dinamarca cuida de crianças de graça para que pais “façam” novos bebês. BBC News. 4 jun. 2013. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/09/120917_creche_ dinamar ca_lgb. Acesso em: 12 abr. 2024. 

LEE, Helena. Bebês dormem em caixa de papelão na Finlândia. BBC News Brasil. 4 jun. 2013. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/06/130604_bebes_caixa_finlandia_an. Acesso em: 11 abr. 2024. 


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ENFIM, AGORA EU SOU GRAZIA!
Março/2024



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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”