ALÉM DAS BIBLIOTECAS


REFORMA DO ENSINO MÉDIO: É ELE O “GARGALO DA EDUCAÇÃO”?

IMAGINA COMO SERIA
Fábio BRAZZA

Imagina como seria
O nosso querido Brasil
Se na matéria estudantil
Se incluísse a poesia
Se nosso prato do dia
Fosse o verso dum poeta
Uma dieta seleta
Para deixar a mente sadia
De Antônio Goncalves Dias
A poesia concreta
E que tivesse na merenda
Um poema por semana
Bastante Mário Quintana
Para que a molecada aprenda
Com graça e curiosidade
O quanto aprender é bom
De Chico, Vinicius, Tom
A Carlos Drummond de Andrade
E que na hora do recreio
Entre vivas e salves
A criançada em anseio
Clamasse por Castro Alves

Imagina como seria se ao invés de celulares
Nossos jovens se distraíssem
Lendo livros aos milhares
Seriam suas mentes mais lúdicas
Imagina se as escolas públicas
Fossem iguais às particulares
Se Augusto de Campos e Sérgio Vaz
Fossem nossos artistas populares
Hoje em dia as músicas são tão pobres
Não consigo ver nenhuma vantagem
Numa letra sem vida
Totalmente desprovida
De qualquer mensagem
Se a gente é o que a gente lê
Se a gente é o que a gente ouve
Agora dá para entender
Com nossos jovens o que houve
Mas imagina se ao invés
De ostentação e pornografia
Eles recitassem cordéis
E ostentassem poesia

Imagina como seria
Se eles lessem Gabriel García [Márquez]
Mario Vargas Llosa
Escutassem Mercedes Sosa e Paco de Lucia
Se soubessem quem foi Vicente Huidobro
Talvez aprenderiam o dobro
Do que aprendem hoje em dia
Mas é que sabotaram
A educação brasileira
É perda de tempo ouvir hip hop
Pois o que não dá ibope é besteira
A mídia nos entope
Com o lixo do POP
E não com Manuel Bandeira
A mídia nos dopa
De novela e Copa
E o povo feito tropa
Caminha alienado
Mas esse caminhar restrito
Não é o mesmo descrito
Por Antônio Machado

Aliás alguém sabe quem foi Antônio Machado?
Não te culpo se não sabia
Pois eu também não saberia se não tivessem me contado

Eu sei que este mundo que tenho imaginado
Não passa de uma utopia
Mas no meu ponto de vista
Acredito que ele exista
Pois tudo existe onde existe a poesia
Por isso tento fazer minha parte
Para disseminar sabedoria
Para que ao menos nossa arte
Não se transforme em mera mercadoria
Cada verso é um resgate
Em nome da poesia
Para que essa sociedade vazia
Pouco a pouco não lhe mate.

 


Por fim, anunciada a Reforma do Ensino Médio, aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pela Presidência da República mediante a promulgação da Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Nenhum desânimo. Grande expectativa. Afinal, trata-se de discussão que ronda as Casas do Poder Legislativo há 20 anos, de tal forma que a conversão da Medida Provisória n. 746, de 2016, apesar de parecer imposição do Governo Federal, é bem-vinda para mostrar a que veio. A retomada “urgente”, segundo o Ministério da Educação, justifica-se diante da estagnação no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica, IDEB, desde 2011, ao lado da evasão escolar de cerca de 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos que prosseguem distantes do banco das escolas e da bancada de trabalho.

Por tudo isto, é fundamental que todos – educadores, professores, discentes, pais, administradores escolares, enfim, as coletividades em geral – procurem conhecer o conteúdo do documento final, disponível na íntegra no endereço eletrônico (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm), como recurso indispensável para abalizar as inevitáveis discussões que se reacendem e se reacenderão a cada minuto. É comum as pessoas opinarem com total desconhecimento de causa, o que é pura insensatez. 

O novo modelo dificilmente será implantado com rapidez. Primeiramente, porque depende da definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em fase de elaboração. Segundamente, demanda um longo e difícil caminho repleto de armadilhas e encruzilhadas, o que justifica a previsão para seu funcionamento efetivo no ano de 2018. Tomara que sim! 2018! 2019! 2020! Ninguém sabe ao certo. Sabemos, porém, que dificilmente atingirá todos os rincões do Brasil. Dificilmente, reduzirá as desigualdades sociais, econômicas e educacionais do país, até porque nem representa passe de mágica nem tampouco panaceia para as moléstias endêmicas dos grandes males que afetam a educação nacional, como cantado e decantado por Fábio Brazza, quando diz: “imagina como seria [o Brasil] se ao invés de celulares, nossos jovens se distraíssem lendo livros aos milhares. Seriam suas mentes mais lúdicas [...]”

São muitos os itens contemplados pelo modelo em pauta, muitos dos quais de amplitude e complexidade extremas. Dentre eles, destaque para a flexibilização do currículo escolar. Enquanto 60% correspondem ao conteúdo mínimo obrigatório fixado pela BNCC, as escolas estão livres para destinar os 40% restantes da carga horária dos três anos do ensino médio, segundo a realidade regional / local / institucional, oferecendo ao alunado, no mínimo, um dos cinco itinerários formativos, a saber: linguagens e tecnologias; matemática e tecnologias; ciências da natureza e tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional. Português e matemática serão obrigatórios em todo o ensino médio e depois de reconhecer o total desvario de suprimir educação física, arte, sociologia, filosofia e inglês, elementos essenciais à formação integral do cidadão de qualquer nação, o Governo volta atrás. Segundo a Lei n. 13.415, em seu Art. 3º § 2º, a BNCC inclui obrigatoriamente estudos e práticas dos quatro segmentos de formação, enquanto o § 4o prescreve que os currículos do ensino médio, também em regime compulsório, vão incorporar a língua inglesa e outros idiomas estrangeiros, em caráter optativo, “[...] preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.”

Além da flexibilização do currículo, há outros pontos que chamam atenção, tais como: (1) a chance de inserção do ensino técnico permite o aproveitamento dos conteúdos dessa etapa de ensino quando do ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho imediato; (2) elevação da carga horária do alunado, de forma progressiva, para 1.400 horas anuais, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, em confronto com as atuais 800 horas. Aqui, cabe o adendo: se há anos, faltam investimentos para o setor, num momento crucial em que debates intensos sobre o teto para gastos públicos tomam conta do cenário nacional, é válido questionar: de onde virão os recursos para arcar com grade curricular mais extensa ou para o ensino médio integral?

No nosso caso, distante de assumir posicionamento neutro (que não deveria existir), torcemos para que a Reforma se mostre eficiente. No entanto, uma vida inteira dedicada à educação nos faz crer que não é o ensino médio a etapa que mais requer mudanças, e, sim, os últimos anos do ensino fundamental. Este constitui o verdadeiro “gargalo da educação”, haja vista que alfabetização e primeiros anos do ensino fundamental são decisivos para forjar o futuro de crianças e adolescentes, no Brasil ou fora dele. Não sei se há quem contrarie este pressuposto! Até porque, no caso nacional, salvo as exceções, a distinção persiste por anos a fio entre ensino público e ensino privado, como Brazza também lembra: “imagina se as escolas públicas fossem iguais às particulares. Se Augusto de Campos e Sérgio Vaz fossem [...] artistas populares [...]”

Trata-se de distinção comprovada por dados estatísticos e pela vivência cotidiana. Os educandos seguem rumo ao ensino médio com faixa etária mais elevada do que a prevista, por conta da evasão, da repetição de série, e, quase sempre, com o nível de leitura extremamente baixo, o que repercute na capacidade de se posicionar diante de textos e de autores, e, por conseguinte, diante da própria vida. Por tudo isto, perguntamos: por que não iniciar pelos desmandos que não são poucos no ensino fundamental?  Por tudo isto, perguntamos: por que não refletir sobre as palavras tão simples mas tão verdadeiras de Fábio Brazza?


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”