ALÉM DAS BIBLIOTECAS


SER MULHER. SER MARIA

O Dia Internacional da Mulher aproxima-se. Revemos os movimentos que embalam a vida das mulheres ao longo das décadas. Feminismo. Empoderamento. Emancipação. Mulher além de seu tempo, na acepção negativa de “fora dos “padrões”, etc. Confessamos, mais uma vez, que detestamos a aura que cerca tais tendências. Para nós, são expressões que rotulam a mulher contemporânea e contrapõem os gêneros e as orientações sexuais das pessoas. Confessamos, mais uma vez, nossa rejeição infinda à contraposição homem x mulher ou mulher x homem ou mulher versus travestibilidade e transexualidade ou homem versus travestibilidade e transexualidade.

A nós, importa o ser humano carregando nos ombros suas virtudes e suas eventuais falhas. Não podemos legitimar guetos – mulheres negras, pardas, brancas; cabelos crespos ou lisos ou afros; mulheres hetero ou homoafetivas; mulheres jovens, de meia idade (seja lá o que isto signifique) ou velhas; mulheres lindas ou de beleza exterior não deslumbrante; mulheres em ascensão social, econômica, profissional, mas, sobretudo, as grandes mulheres anônimas que batalham seu dia a dia. Necessitamos simplesmente lutar para alcançar sonhos sem destruir o outro; acalentar o próximo, com respeito e carinho, seja lá quem for. Alimentar a cumplicidade ao lado do companheiro ou companheira.

Por esta motivação norteadora de toda uma vida, sempre nos orgulhamos de ser simplesmente mulher, simplesmente Maria, disposta a caminhar ao lado de alguém, mesmo que adiante haja o risco de nos afastarmos nas vielas da vida repletas de armadilhas. Acreditamos, com veemência, que podemos ser profissionais comprometidas, donas de casa dedicadas, fêmea, sensual, traquinas e, com certeza, não importam os gritos das feministas, mulher de cama, mesa e fogão. Na cama, gerei meus filhos e vivi as delícias de paixões fugidias ou não, fulminantes ou passageiras. À mesa, sempre senti prazer em dispor as refeições para minha família. No convívio com o fogão, sempre me deliciei, antecipando o que adviria como produto.

Nunca, na verdade, nunca mesmo, precisamos recorrer ao termo – empoderamento – na acepção dicionarista de que se apoderar é tomar o poder, o domínio ou a posse de alguém ou de determinada situação. Empoderar como concessão de poder para si próprio ou para alguém. Dispor de força ou de autoridade para caminhar ou fazer caminhar os que nos cercam não faz parte de nossa essência. Aliás, se poder garantisse legitimidade à mulher no cotidiano, teríamos todas nós – mulheres que pegamos as rédeas de nossa existência sob a âncora da dignidade e coerência – de enfrentar os verdadeiros poderosos.

Estes, sim, têm poder sobre a luta dos trabalhadores e dos cidadãos no sentido pleno da palavra, não importa o gênero. Estão em organizações públicas e privadas, nos palácios, congressos, fóruns, tribunais, enfim, nas chamadas instituições sociais, na concepção de instrumentos reguladores e normativos das ações humanas, recorrendo a regras e procedimentos, quase sempre, de poder normativo e coercitivo. Ditam normas, muitas vezes, esdrúxulas. Geram filhos largados no mundo sem identidade ou sem amor. Esgueiram-se nos eternos conchavos e acordos. Tecem estratégias para angariar mais recursos. Escancaram o fosso social. Protegem os endinheirados. Exploram os lutadores. Esquivam-se dos empobrecidos, sem rosto e sem voz. Aproximam-se dos comparsas ou “parsas”.

Enfim, não nos faz falta alardear as expressões feminismo, empoderamento e outros mais. Precisamos, sim, ser mulher, ser Maria que assume sua luta em meio a tropeços, alegrias e muitas tristezas, mas sem perder de vista quem está a nosso lado. Nada mais... Repetimos: mais ações, menos falácia e menos exagero. Aliás, um bom exemplo de desproporcionalidade é a renúncia do presidente do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio, 2020 / 2021, Yoshiro Mori, acusado de propagar comentários sexistas numa fala à mídia, quando disse que “as mulheres falam muito durante as reuniões de conselhos administrativos, o que para ele é irritante.” Apesar das desculpas públicas e formais no dia seguinte, o caso ganhou repercussão nacional e internacional e a renúncia foi a melhor saída. Falar muito desmerece a mulher? Trata-se de inverdade? Mulheres silenciosas, vocês estão liberadas para nos jogar pedras! Somos marias atentas aos direitos das mulheres, à violência de gênero e ao feminicídio, mesmo distantes de guetos, classificações e tantos itens politicamente (in)corretos.

 

 

(Fonte: Arquivo pessoal da autora - 2021)


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”