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MUSEU DO OSSO

O bairro do Ribeirinho, na Ilha de Boipeba –BA, faz parte do caminho que leva à Praia da Cueira. A impressão é que esse bairro concentra as pessoas nativas da Ilha. Há efervescência cultural ali. É um lugar em que as novidades estão acessíveis aos olhos de quem passa, pois as casas parecem avançar, com suas portas e janelas, para a rua principal.

Os moradores estão em todo lugar, numa janela entreaberta, num dos canteiros da rua, numa varanda. Respondem discretamente a cumprimentos quando passam os transeuntes.

Há sempre alguém disposto a prosear, como é o caso de Cabeludo. Num primeiro momento não é ele quem chama a atenção, mas sua casa pintada de cor vibrante e muitas coisas dependuradas no teto, afixadas nas paredes. Quando se olha de primeira, não se sabe com segurança do que se trata, mas depois se descobre que é um Museu.

 

 

Casa/Museu de Cabeludo

Cabeludo chama-se Otávio Gonçalves Ribeiro, filho de Celina Gonçalves de Araújo e Mariano Ribeiro da Luz e tem 70 anos, sendo 60 dedicados a observar e coletar ossos do mar e levar para a casa.

Mesmo leigo no assunto, o visitante percebe tratar-se de peças calcificadas há muitos anos, séculos talvez. Desse acervo, coletado ao longo de décadas, ele estruturou o Museu do Osso.

 

 

“Cabeludo” e o Museu que criou

A paixão pelos ossos veio muito cedo! Aos 10 anos de idade começou a coletá-los no mar. De menino curioso transformou-se em adulto e exerceu a profissão de pescador por quase 30 anos, até se aposentar.

Originário de Boipeba, desde pequeno se encantou pelo mar e os ossos que encontrava nele. Ainda criança começou a levar ossos para casa e pendurar onde encontrava lugar.

Havia um empecilho: seu pai quando chegava em casa estranhava aquilo e desmontava tudo, jogava fora. Cabeludo conta que sofreu muito com a atitude do pai, mas sempre teve o apoio de sua mãe, mulher forte que, pouco tempo depois de separar do marido, criaria sozinha Cabeludo e mais 17 filhos. Ao falar da mãe, que morreu aos 99 anos, ele entoa carinhosamente cada palavra para exaltá-la. Uma das “peças” do Museu é a foto de Dona Celina ao lado da foto do filho.

 

 

Foto da mãe de Cabeludo

Eu comecei o museu botando as peças na casa de meu pai... eu pendurava na janela, na casa de palha e meu pai foi um homem muito agressivo, bebia demais. Quando ele chegava da rua bebo, ele metia a mão nas peças que eu botei na janela para pendurar os ossos de baleia esse negócio... e minha mãe entrava na briga, era aquela confusão e ele me bateu muito, mas essas pancadas que ele me deu, era o caminho de minha vida, da milha felicidade. (depoimento de Cabeludo em 26/02/ 2022, em Boipeba).

Hoje Cabeludo tem orgulho de receber os visitantes. Quanto ao pai, ele diz “que Deus bote a alma dele em bom lugar”, como se aquelas dificuldades iniciais na própria família tenham servido de base, de amadurecimento para que ele não desistisse de seu sonho.

Conhecer Cabeludo/Otávio é estar diante da força incontestável da paixão. Um homem e sua paixão por seu lugar de origem, pelo mar, pelos animais.

Durante a visita o idealizador do Museu leva o visitante às águas do mar, mergulha com ele e traz informações de como coletou seu acervo, da vivência com o mar, da história da região, do sonho de um menino.

 

 

Osso calcificado da cabeça da Baleia Orca, orifício para expiração

De acordo com Cabeludo, há aproximadamente 280 anos, o mar de Boipeba era rota para as baleias Orcas, mas atualmente são as Jubartes é que passam por lá.

 

 

Nadadeira calcificada de Baleia

No Museu há instrumentos e materiais usados no mar e na navegação que contribuem para a ambientação, como as boias e lanternas marinhas ao lado de ossos de tartaruga:

 

 

Ossos da cabeça da tartaruga “Cascuda”

Impressionam as ossaturas de cabeças de tartaruga. A partir delas, o visitante vai sendo conduzido a outro mundo: o marinho, dos animais que estão no mar da região.

 

 

Costela de Tartaruga

Um osso (vértebra?) da costela da tartaruga dá a dimensão do tamanho desse animal.

A companhia de Cabeludo narrando a respeito de cada peça também é uma preciosidade.

 

 

Tartaruga roxa

De acordo com ele, a tartaruga roxa “vive até 150 anos na água”. É um dos cascos muito grandes que estão expostos no Museu.

 

 

Ossos de golfinhos

Há ossos que se assemelham a esculturas delicadas e a arrumação que Cabeludo faz com eles instiga a imaginação do visitante, transmuta-se em perguntas: é osso? Qual animal marinho? Será isso? Ou aquilo?

Cabeludo não teve apoio do pai, mas teve uma mãe que o ajudou a manter o sonho e a concretizá-lo em um Museu.

Também ainda não tem apoio público dos governos locais (Cairu/ Boipeba/Bahia) para manter seu acervo, mas conta com a ajuda dos visitantes que contribuem voluntariamente para o Museu.

Cabeludo disponibiliza os melhores cômodos de sua casa para abrigar o acervo de muitas vidas e compartilhá-lo com quem visita o museu.

O baiano compartilha com o visitante, generosamente, sua paixão, o seu sonho de vida que se transformou em Museu do Osso.

Cabeludo é uma manifestação do verso de Fernando Pessoa: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”

Consulta

PESSOA, Fernando. Mensagem. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=15726 .Acesso em: 28 maio. 2022.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.