VIVÊNCIAS (DES)LATTES-LIANAS


PERRENGUES ACADÊMICOS: REFLEXÕES DE UM SER HUMANO QUE HABITA ATRÁS DOS TEXTOS E DAS PESQUISAS

Thiago Giordano de Souza Siqueira

Resolvi me expressar a partir da Leitura do texto Trocas intersubjetivas: aqueles três afetos se tornam sensíveis de uma só vez  na coluna de Jetur Lima. Um texto sensível e que me lembrou muito do livro a Arte de Viver, de Epicteto o qual uma amiga me presenteou durante o mestrado e logo nas primeiras páginas desse livreto o filósofo estoico diz entre tantas coisas na sequência, que De todas as coisas existentes algumas estão sob o nosso poder e outras não”.

O objetivo é deixar claro a importância do autocuidado e ter sensibilidade para apreciar o quanto é importante cuidar de si mesmo. Portanto, antes de iniciar essa leitura, informo que se trata de um texto reflexivo sem qualquer intenção de pintar um quadro negativo da vida no doutorado, nem desanimar ninguém até mesmo porque há muitas partes fantásticas e gratificantes. (E digo logo que se você for também da área de humanidades, sociais aplicadas e afins a gratificação não é financeira. Pode tirar o cavalinho da chuva).

É certo que a vida acadêmica pode apresentar momentos excelentes de partilha e outros um tanto desconfortáveis. É um momento normalmente muito autônomo e isolado e isso pode revelar algumas situações de prazer e sofrimento no processo de formação de pesquisadores. Thich Naht Hanh diz “Sem lodo não há lótus”. Lótus, para quem não conhece, ilustro abaixo:

Figura 1 - Flor de lótus

 

 

Fonte:https://pixabay.com/pt/photos/flor-l%c3%b3tus-lago-l%c3%adrios-1845520/

Possui a particularidade de nascer em águas lodosas e desabrochar numa linda flor branca e rosa na superfície. Aproveitando as peculiaridades dessa flor, podemos refletir a questão de que se não nos depararmos por momentos difíceis e controversos, não seríamos capazes de florescer até o nosso potencial pleno. Jamais estaria eu aqui querendo romantizar a dor, eu realmente gostei da analogia ao descobrir que na cultura budista essa planta significa pureza do corpo e da mente, e renascimento. Renascimento que pode ser algo muito comum principalmente quando nos esbarramos com algum impedimento e precisamos realizar alterações em nossos métodos de pesquisa ou mesmo no recorte da temática do objeto que investigamos.

Seguindo a reflexão, é engraçado pensar que na grande maioria das vezes surgem preocupações que não fazem o menor sentido e seguimos carregando-as pelo medo de nos expor ao pensar que se trata de bobagens ou coisas demasiadamente básicas – as quais por outra perspectiva podem ser extremamente importantes.

Preocupações que perpassam desde ter que mudar de cidade, até a realização de disciplinas para cumprir os créditos necessários além de fornecer a base teórico-epistêmico-metodológica para o desenvolvimento da investigação no decorrer dos anos. A sobrecarga de trabalho pode ficar mais aterrorizante com o fantasma que nos assombra com o dilema “publicar ou perecer”, que se caracteriza por um modelo produtivista que pressupõe para algumas agências de fomento a pesquisa como um índice ideal para demonstrar talento acadêmico, atribuir crédito a um indivíduo como medida de competência e consequentemente usar isso como fator de estímulo para acessar determinados financiamentos e garantir o progresso em seu campo de atuação. Parece-me um processo de condicionamento.

Para outros, somado a isso, podem agregar-se ainda questões referentes a manutenção do vínculo empregatício e das responsabilidades de sua vida privada: os papeis sociais são vários e não podemos deixar a peteca cair.

Agora eu me permito a contradição: quem foi que disse que não pode deixar a peteca cair? Em momento algum, na minha humilde concepção, existe no regulamento dos programas de pós-graduação uma normativa formal de que não existe espaço para frustração, decepções e mesmo para o fracasso. Pois bem, no lugar imaginado do campo das ideias realmente isso não consta. Todavia, no mundo real é possível nos depararmos com esse tipo de situação. Somos seres humanos e o excesso de cobrança pode nos levar ao cansaço físico, mental e consequentemente ao sofrimento e ao adoecimento.

Na tentativa de diminuir os incômodos, embora exija um tanto de dedicação e paciência, é importante se autoconhecer para enfrentar as emoções difíceis que surgem e saber como conviver com elas para que saibamos como lidar com o sofrimento emocional que poderá nos acompanhar na jornada acadêmica. Esse recurso não é uma tentativa de doutrinar ninguém e muito menos diagnosticá-los, apenas uma sugestão identificada na leitura recomendada pela psicoterapeuta que me acompanhou durante um tempo. E nessa leitura tem os 5 estágios de aceitação para enfrentar as emoções difíceis:

Figura 2 - Estágios de aceitação para enfrentar emoções difíceis

 

 

Fonte: Adaptado de (NEFF; GERMER, 2019, p.111)

Pode ser um guia interessante e curioso quando estivermos nos sentindo sobrecarregados ou atordoados com alguma situação. Às vezes negligenciamos nossas próprias emoções e é importante saber, assim como a flor de lótus, entender quando precisamos nos abrir ou nos fechar. Nesse sentido, isso pode nos auxiliar a reconhecer e nomear uma emoção difícil e conseguir responder a ela tomando uma decisão coerente a partir dos nossos pensamentos e sensações. Spoiler: pode ser um pouco chato e doloroso ao abrir espaço para reconhecer algumas emoções porque elas podem gerar um desconforto. Mas não sinta medo ou vergonha disso, afinal de contas, é sobre você.

O silêncio na vida acadêmica não é tão necessário. Seja no aspecto científico da pesquisa ou no campo pessoal mesmo. Às vezes o seu colega de sala, de turma, de moradia está na mesma que você. E ele poderá ter uma escuta atenta e compassiva contigo porque ele provavelmente tem uma vivência mais próxima da sua realidade e (espera-se) que não lhe faça julgamentos.

Digo dessa forma, porque olhando por outra perspectiva, ainda que você tenha um melhor amigo ou amiga ou seus pais, mas que não tenham vivido tudo isso, talvez seja um “tiro no pé” compartilhar as suas dores e angústias pois para muitos estamos habitando um lugar de privilégio, então não há motivos para sofrimento. Realmente, de um lado, temos consciência de que conseguimos acessar um espaço que é difícil de alcançar pelas desigualdades sociais existentes e que acarretam a ausência de vagas e investimentos para todos; de outro é um espaço favorável ao aprimoramento de conhecimentos, competências e habilidades de escrita, análises, críticas, aprofundamento teórico-prático, dominar ferramentas tecnológicas e métodos de pesquisa.

Entretanto, também precisamos gerenciar situações de gestão do tempo em que ainda se somam cobranças como a Figura 3:

Figura 3 - Possíveis fatores que complicam a vida de um acadêmico

 

 

Fonte: o autor (2022).

Embora seja uma preocupação genuína com o bem-estar individual de cada um que esteja passando por esse processo, sou muito mais solidário às pesquisadoras, pois sabemos que as mulheres carregam consigo papeis ainda mais complexos: ser mãe, esposa e dona de casa e diversas outras atividades, além de pesquisadoras e por isso nem sempre conseguem dedicar tanto tempo à pesquisa como gostariam e seguem dedicando-se incansavelmente.

Todas essas circunstâncias, por sorte, normalmente culminam em relações gratificantes com colegas, rede de contatos estabelecidas e principalmente quando damos a sorte de possuir mentores e orientadores humanizados e que apresentam atitudes acolhedoras e encorajadoras. Infelizmente isso pode não ocorrer, sobretudo quando se juntam seres humanos com pensamentos e opiniões divergentes.

É importante compreender que crescemos justamente com as diferenças, mas nem quero entrar nesse mérito que é triste e amplo. Então ficará para um outro momento. Até aqui fica uma frase de conforto: Tudo vai valer a pena no final.

Enquanto isso, retomamos Epicteto sobre como ser feliz levando a vida de forma simples: haverá momentos em que estaremos em condição de submissão e por isso teremos que nos curvar para aquilo que independe de nossos desejos. Em outras palavras, me aproprio de uma metáfora de uma grande tutora acadêmica que admiro demais e me acompanhou por alguns anos e dizia que nessa trajetória devemos nos submeter à disciplina, pois “Um dia somos prego e no outro martelo”.  

Referências

EPICTETO. El arte de vivir: manual de vida. Barcelona: Barcelona Grupo Editorial Norma, 1995. 95 p. Versão de Sharon Lebell; tradução de Magdalena Holgui?n.

LIMA, Jetur. Trocas intersubjetivas: aqueles três afetos se tornam sensíveis de uma só vez. 2022. Coluna Vivências (Des) Lattes-Lianas. Disponível em: https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=1385. Acesso em: 28 jun. 2022.

NEFF, Kristin; GERMER, Christopher. Manual de Mindfulness e Autocompaixão: um guia para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo. Porto Alegre: Artmed, 2019. 192 p.
 

Thiago Giordano de Souza Siqueira - Doutorando do PPGCI – Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação da UNESP – Universidade Estadual Paulista


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TROCAS INTERSUBJETIVAS: AQUELES TRÊS AFETOS SE TORNAM SENSÍVEIS DE UMA SÓ VEZ
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JETUR LIMA

Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGCI-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCOM/UFPA). Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará.