VIVÊNCIAS (DES)LATTES-LIANAS


ENSINO REMOTO: VILÃO OU SALVADOR?

Simone Maria Gonçalves de Oliveira Ulian

Minha trajetória acadêmica teve início em 1995, quando iniciei o curso de Direito em uma faculdade privada em Marília, SP. Gostei do curso mas, mesmo assim, não me sentia satisfeita. Prestei novo vestibular (na época não existia Enem) e em 1996 iniciei o curso de Ciências Sociais na Unesp, campus de Marília, SP. Não desisti do Direito e, no início dos anos 2000 já era portadora de 3 diplomas de nível superior: Bacharel em Direito, Bacharel em Ciências Sociais e Licenciada em Sociologia. Meu sonho sempre foi ser professora universitária. Fiz pós graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário e em 2006 iniciei Mestrado em Direito. Durante esse período trabalhei como advogada e ministrava aulas como professora substituta da rede estadual de ensino.

Junto com o sonho de ser professora universitária, meu objetivo era ser professora de uma universidade federal, embora achasse que não seria muito fácil conseguir. Realmente não foi. Precisei me mudar para Rondônia, quase 3 mil quilômetros de distância da minha cidade natal, da minha família e dos meus amigos. Tudo aquilo que conhecia ficou pra trás. Fui aprovada em concurso público e em outubro de 2010 ingressei como professora do magistério superior da Unir – Universidade Federal de Rondônia, Campus de Cacoal onde, provavelmente, ficarei até me aposentar.

Me casei e tive dois filhos. Em 2018 minha mãe veio morar com a gente.

Embora fosse necessário, demorei para tentar ingressar no doutorado. Filhos pequenos, construção de casa ... fatos da vida foram empurrando os meus estudos para depois.

Com o início da pandemia em 2020 e sem poder sair de casa, percebi a oportunidade ideal para retomar meu plano de cursar doutorado. Mas, onde e o que estudar?

Sempre me identifiquei com o Mundo do Trabalho, questões que envolvem o trabalho e suas especificidades me dão prazer de estudar. Durante a graduação explorei o tema consciência de classe, no mestrado abordei o movimento sindical e a classe trabalhadora numa perspectiva da Sociologia do Trabalho e do Direito do Trabalho. Já tinha tido contato com a Ciência da Informação e com a Mediação da Informação. Não foi difícil relacioná-las com meu tema de estudo. Foi fantástico! Me identifiquei rapidamente com a área, me dediquei e orei (sim, faz parte!) muito! Graças à Deus fui aprovada no processo seletivo e em 2021 iniciei o Doutorado em Ciência da Informação no PPGCI da Unesp, campus de Marília, SP. Não tem como descrever o que senti quando fui aprovada! Uma das melhores coisas da minha vida!

Assim que fui aprovada já surgiram diversas dúvidas e expectativas. Não sabia se precisaria me mudar e, se a mudança fosse necessária, iria toda a família ou apenas eu. Como seria? Meus filhos são pequenos e meu esposo concursado aqui em Cacoal, RO. Minha mãe iria junto pra qualquer lugar que eu fosse! Em relação ao meu trabalho, nós, servidores das universidades federais, temos o direito de afastamento remunerado para a realização de cursos de qualificação, mestrado e doutorado desde que, é claro, cumprirmos os requisitos exigidos em lei.

Em 2021 com a pandemia no auge, a Unesp manteve durante todo o ano o ensino remoto e eu continuei em Rondônia com minha família, sempre na expectativa de que no próximo ano poderia surgir a necessidade da mudança para Marília.

Neste meio tempo, o estado de saúde da minha mãe piorou muito. Nós já sabíamos que ela estava com Alzheimer, mas outras complicações surgiram. Uma nova doença degenerativa do cérebro foi cogitada pelos médicos. Minha mãe parou de falar, de andar e, praticamente não faz nenhum movimento sozinha. Temos que alimentá-la, medicá-la, limpá-la, trocá-la e movimentá-la.

Sempre tive algumas dúvidas em relação a eficácia do ensino remoto ou à distância. Como professora, acredito que a presença física do professor é essencial para o êxito do processo de ensino e aprendizagem, mas nunca imaginei que eu seria beneficiada por essa modalidade de ensino, principalmente enquanto discente.

Em relação ao meu esposo e meus filhos, sempre existiu a possibilidade da gente se organizar para quando a minha mudança para Marília fosse necessária. Mas, deixar a minha mãe doente aqui, nunca foi uma opção! Na situação em que ela se encontra a viagem é inviável. Somos sozinhos em Cacoal. Meus irmãos e o restante da família moram no interior de SP, a maioria em Marília.

Assim que as atividades foram suspensas por causa da pandemia e surgiu a hipótese (que logo após se transformou em necessidade) do ensino remoto nas universidades, eu fui a primeira a me posicionar de modo contrário. Isso foi em 2020 e eu ainda não tinha sido aprovada para cursar doutorado. Não mudei de posicionamento. A evasão escolar foi grande aqui em Cacoal. Temos muitos alunos carentes que não possuem equipamentos aptos ao ensino remoto, muitos não têm acesso a internet ou por não terem condições financeira ou por morarem na zona rural onde simplesmente a internet “não chega” com qualidade suficiente para assistirem as aulas. Contudo, também, percebi que muitos teriam desistido se não fosse o ensino remoto.

No meu caso, enquanto discente, a experiência com o ensino remoto foi, e está sendo, muito densa. Tenho dificuldades, mas, ao mesmo tempo, tenho consciência de que se não fosse por ele, talvez, eu não teria condições de cursar o doutorado por causa da minha situação familiar.

Não sou uma pessoa muito expansiva, tenho dificuldades em me aproximar das pessoas e, estando longe dos colegas, isto se intensifica e prejudica porque o contato com eles é tão proveitoso, tanto no aspecto acadêmico como pessoal. Em relação ao ensino, não encontrei dificuldades porque todos os professores que ministraram as disciplinas foram muito solícitos e atenciosos. Realmente, a didática pode muito bem ser adaptada às novas tecnologias sem perder a sua essência e a sua eficácia. Basta um pouco mais de atenção e dedicação do acadêmico porque, de fato, é muito mais cansativo assistir aulas ou palestras na frente do computador.

Estamos acostumados com o contato físico e os computadores não substituem as pessoas. Podemos nos adaptar e fazer o nosso melhor. Basta a boa vontade e a dedicação daqueles que estão por trás das câmeras.

Estou em fase de escrita da tese. Eu e meu orientador estamos muitos distantes. Na verdade, nunca nos vimos pessoalmente. Não sei como as orientações irão se desenvolver ao longo deste processo, mas estou otimista. Acredito que não teremos maiores problemas. Meu projeto inicialmente prevê pesquisa de campo. Possivelmente precisarei passar um período em Marília para realiza-la e, talvez até lá as coisas se resolvem. Como me disse uma vez um amigo, “as abóboras se ajeitam com o andar da carroça”.

Finalizando este texto, confesso que não cheguei a uma conclusão exata acerca do ensino remoto. Não estudei parâmetros científicos sobre a eficácia desta modalidade. O que tenho para embasar a minha opinião são a minha experiência de vida e o relato de alguns dos meus alunos. Como já mencionei, muitos tiveram dificuldades e outros teriam desistido se não fosse por ele.

Para o professor/trabalhador, entendo que esta modalidade pode intensificar o trabalho que, adentrando no ambiente doméstico do indivíduo, reduz sua convivência familiar causando maior stress e fadiga. Mas, este, também, não é o tema deste texto.

Quanto a mim, enquanto discente, por enquanto, sou grata ao ensino remoto, aos professores e ao meu orientador (especialmente), por permitir que eu tivesse esse aprendizado incrível e essa vivência que levarei pro resto da minha vida. Estou realizando meu sonho!

Se me perguntarem se o ensino remoto é bom, responderei com outra indagação: “Depende, pra quem?” 

Simone Maria Gonçalves de Oliveira Ulian - Doutoranda do PPGCI da Unesp, campus de Marília, SP - Professora da Unir – Universidade Federal de Rondônia


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JETUR LIMA

Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGCI-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCOM/UFPA). Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará.