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PODE SER LATENTE, MAS A CATALOGAÇÃO BRASILEIRA PULSA

Entre os dias 19 e 20 de agosto de 2010, realizou-se na cidade de Belo Horizonte – MG, o II Encontro de Estudos e Pesquisa em Catalogação. Evento promovido pela Escola de Ciência da Informação da UFMG, sob a coordenação e ação pró-ativa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Catalogação, criado como resultado do Encontro de Docência em Catalogação, ocorrido em 2008, na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Este Grupo dá passos significativos para oxigenar a catalogação brasileira quanto a pulsar sobre seus rumos e pensar nos seus horizontes. Cita-se as professoras: Cristina Dotta Ortega, Lídia Alvarenga e Cíntia de Azevedo Lourenço (ECI/UFMG); Zaira Regina Zafalon (DCI/UFSCar); Elisa Campos Machado (DEPB/UNIRIO); e a bibliotecária Márcia Milton Vianna (Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais), responsáveis pela organização do segundo encontro.

 

Observa-se que a catalogação brasileira, enquanto atividade segue latente no país, ainda que não expresse toda sua realidade diante de novos contextos teóricos e de práticas que emergem na cena mundial. Há, porém, uma proposta que nasce acadêmica e vai se consolidando sob o envolvimento participativo de uma crescente comunidade profissional. Fato promissor.

 

Promissora, na situação visualizada no número de participantes do II Encontro, com 270 inscritos, espalhados pelo auditório principal e outras salas com estrutura de projeção por telão. Além, da transmissão  pela Web. O que expande os interessados pelo tema na casa dos milhares. Enfim, a catalogação pulsa e não repulsa.

 

O Encontro dividiu-se em 4 mesas temáticas e apresentadas durante os dois dias. E o tempo foi curto, não para as exposições dos especialistas convidados, mas para as discussões surgidas. Sobre os debates levantados o que obtivemos da maioria foi aula de boa qualidade e apredizado da história e das personalidades de nosso universo catalográfico. Assistir as manifestações da Profa. Rosa Correa e da Profa. Antonia Memória, foi uma oportunidade impar de conhecer mais da vida bibliotecária e de se divertir com a atividade de catalogação. O bom humor foi algo presente, fato raro na prática catalográfica onde a página de rosto não sorri.

 

Saliente-se que o Encontro simboliza um esforço acadêmico por minimizar a carência da área em se discutir e conhecer um pouco mais, além de abrir espaço frutífero de colaboração entre os profissionais. Efeito manifesto na própria mobilização da FEBAB em criar seu “Comitê de Catalogação”, resgatando assim uma iniciativa importante de nosso passado remoto.

 

Das mesas, os comentários, segundo minha interpretação e anotações pessoais, destacam:

 

Mesa 1: Controle bibliográfico e catalogação cooperativa: história, conceitos, políticas, procedimentos, tecnologias:

 

Palestras:

 

  • História e conceitos do controle bibliográfico no Brasil e no mundo, por Bernadete Santos Campello (UFMG), que enfatizou o papel do bibliotecário na compreensão da dimensão da padronização, na busca da cooperação, do compartilhamento, e do diálogo com outros interessados na organização e preservação do saber humano. Observou que as coisas não começaram agora, assim é fundamental reveer os pontos históricos, com destaque a algumas tentativas de modalidades de Controle Bibliográfico Universal – CBU. Modalidade desde o "apego ao livro" (1ª modalidade) nas instenções de reunir os materiais – Biblioteca de Alexandria e de Pérgamo. Reunir as informações e referências aos textos (2º modelo) Conrad Gesner – Biblioteca Universalis, Paul Outlet. O 3º modelo Planejado UNESCO/IFLA, se desenvolve o objetivo não só de reunir, mas o de concientizar as nações para a importância de controlar sua produção com base em normas comuns. Com o impacto no Depósito Legal o surgimento da ideia da bibliografia nacional como instrumento sofisticado da produção bibliográfica dos países. Neste modelo se consolidam padrões, programas como a catalogação na fonte, e sistemas de identificação bibliográfica como: ISBN, ISSN, ISAN, IFPI, ISMN, DOI. Sistemas estes de controle que se colocam como substitutos dos registros bibliográficos. Já, o 4º e último modelo, se desenha como um controle descentralizado e fragmentado. Exemplificado nos repositórios por tipo de material, organismos como a Cinemateca Brasileira, CPDOC/FGV, Centro de Memória/UNICAMP, Fundação Casa Rui Barbosa, Academia Brasileira de Cordel, Museu Vila-Lobos, para citar os casos nacionais. O Google livros e a Internet Archives como exemplos da virtualização do controle.

 

  • O poder integrador da catalogação cooperativa no Brasil, por Nanci Oddone (UFBa), é inicialmente uma homenagem à figura da bibliotecária Lydia de Queiroz Sambaqui precursora da moderna biblioteconomia brasileira, com trabalho na organização da biblioteca do DASP e no desenvolvimento do sistema de catalogação cooperativa de abrangência nacional, em meados dos anos 40 aos 60, apesar do tamanho do país e das carências das bibliotecas no período. Na sua exposição historifica a formação do curso de Biblioteconomia no Brasil e o papel de Ramiz Galvão (no período de 1910 a 1930) e a influência de Paul Outlet no processo. O trabalho da profa. Oddone é sintese de sua tese: Ciência da Informação em perspectiva histórica: Lydia de Queiroz Sambaquy e o aporte da Documentação (Brasil, 1930-1970), defendida em 2004, na UFRJ.

 

  • A Biblioteca Nacional e o controle bibliográfico nacional: panorama atual e perspectivas futuras, por Luciana Grings e Stela Márcia Pacheco (Biblioteca Nacional). A exposição foi um desabafo contra o descaso e as dificuldades enfrentadas pela BN. Para uma instituição que nasceu na nobreza portuguesa, passou ao longo da história por altos e baixos, e pelos comentários havidos deve ser forte concorrente ao bolsa familia, já que hoje depende do assistencialismo público. Normalmente, outros países têm zelo com a sua coleção nacional, evitam sujeitar seu patrimonio a um processo severo de degradação do imobiliário e mobiliário sujeitos ao perigo de tubulações elétricas e de gás, que o cerca. E o solo do Rio de Janeiro é um campo minado, neste sentido. Há o Controle Bibliográfico, uma das importantes atribuições da Biblioteca e que atualmente se realiza com dificuldades, tendo uma equipe diminuta de 5 pessoas para cuidar do depósito de 50 mil itens/ano. Sendo que da equipe apenas dois são concursados. Acrescente-se que, apesar de haver uma legislação de Depósito Legal que nem todos cumprem, os deputados federais aprovaram outra legislação sobreposta que se destina ao depósito legal para música. O agravante é que a legislação em vigor de Depósito Legal ainda não foi sequer regulamentada. Outro aspecto citado é determinar qual a quantificação da produção editorial brasileira. O ISBN não é confiável como indicador desta produção pois as editoras compram lotes de números com a contrapartida de enviar os exemplares para a BN, o que nem sempre ocorre. Mesmo a publicação da Bibliografia Nacional teve de ser interrompida pelo alto custo e por haver somente 14 pessoas no serviço de catalogação. O problema é o tamanho reduzido da equipe que afeta também a atualização do catálogo. Apesar das mazelas, a BN mantém o consórcio eletrônico de bibliotecas com 100 bibliotecas membros, além de ONGs como a Casa dos Meninos de São Paulo (realiza trabalhos com crianças e adolescentes há mais de 40 anos), que desenvolve projeto de uso do catálogo da BN como catalogação social.

 

Mesa 2: Sistemas de informação científica: políticas, procedimentos, tecnologias:

 

Palestras

 

·         Cooperação de Dados: processo histórico e situação atual no contexto da Rede de Bibliotecas da UNESP, apresentada por Flávia Maria Bastos (UNESP), sobre a infraestrutura da rede UNESP formada por 32 bibliotecas, seu histórico de formação e constituição da biblioteca central, posteriormente denominada Coordenadoria Geral de Bibliotecas e as ações de informatização planejadas ao longo do tempo que estruturam além do WebOPAC Athena (catálogo bibliográfico de acesso on-line via interface Web), os repositórios acadêmicos C@pelo de TCC (trabalhos de conclusão de curso), C@thedra (biblioteca digital de dissertações e teses), Cl@ve (conteúdo de música). Neste processo de integração de suas bases, a Rede Bibliográfica da UNESP se integra a NDLTD – Integração à Networked Digital Library of Theses and Dissertations, com vistas a uma  maior visibilidade institucional e integração a outros repositórios internacionais, baseados no  Protocolo OAI (Open Archives Initiative). Comenta os problemas havidos de integração e de não participação ao projeto da BDTD/IBICT (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações).

 

·         Rede de Informação em Ciências da Saúde na América Latina e no Caribe: as metodologias da Biblioteca Virtual em Saúde-BVS, por Maria Anália da Conceição (BIREME). Abordagem da história e experiência da Bireme (criada em 1967) com objetivo de contribuir para o desenvolvimento científico e técnico da saúde nos países da América Latina, Central e do Caribe. Observa-se da apresentação a importância de um serviço de informação fortemente estruturado em políticas de informação claras, adoção de padrões e protocolos que fornecem sustentação ao desenvolvimento de metodologias documentais na organização e acesso às centenas de milhares de registros bibliográficos e de títulos de revistas correntes.

 

 

Mesa 3: Pesquisa em Catalogação: princípios, modelos, normas:

 

Palestras

 

 

  • Manifestações de obras musicais: o uso do título uniforme, por Kátia Lúcia Pacheco (UFMG). Apresenta uma síntese do tema desenvolvido em sua dissertação de mestrado. É um estudo de aplicação do título uniforme em registros bibliográficos de obras musicais, presentes em catálogos de bibliotecas vinculadas ao ensino de música. Analisa as regras para representação descritiva de documentos musicais, o Código de Catalogação Anglo Americano (revisão de 2002) e as Normas da Biblioteca do Congresso Americano (LCRI), capítulos referentes à formação e aplicação do título uniforme, à luz dos Requisitos Funcionais para Registros Bibliográficos (FRBR). Questiona se os catalogadores de obras musicais empregam o título uniforme nos registros bibliográficos e quais as dificuldades que enfrentam para atribuir este ponto de acesso.

 

  • Sintaxe e semântica de registros bibliográficos: proposta de aplicação à conversão ao formato MARC 21 Bibliográfico, por Zaira Regina Zafalon (UFSCar) e Plácida L. V. A. da C. Santos (UNESP).  Com base em projeto de pesquisa comenta-se o problema de falta de uso de padrões em bases de dados bibliográficas quando da conversão de registros para sistemas sob padrão MARC 21. Enfatiza que o objetivo de representação bibliográfica é estabelecer a comunicação entre os recursos informacionais disponíveis e as necessidades de seus usuários. Neste sentido, a comunicação só se operacionaliza se a representação se estrutura em normas, padrões e recursos. Salienta questões que os bibliotecários levantam para não adotar o formato MARC. Sob adotação de regras semânticas e procedimentos extraídos da computação define uma proposta metodológica de conversão de bases bibliográficas não estruturadas ou padronizadas.

 

  • A noção de estrutura como fundamento para a produção dos registros das bases de dados, por Cristina Dotta Ortega (UFMG). Reflexão dos fundamentos sobre os registros bibliográficos e os sistemas. Destaca que a representação descritiva e a representação temática constituem as bases para a elaboração de modelos de registros de informação, os quais permitem a construção e gestão de sistemas. A apresentação é uma síntese de tese de doutorado "Os registros de informação dos sistemas documentários: uma discussão no âmbito da Representação Descritiva", na qual observa a necessidade de resgatar e reforçar o aspecto intelectual do processo de elaboração de registros de informação de sistemas documentários. Procura tratar da ressignificação da Representação Descritiva no que se refere à elaboração de modelos de registros de informação dos sistemas documentários, no contexto da Organização da Informação enquanto conjunto de fundamentos, métodos e instrumentos voltados à construção e gestão de sistemas documentários.

 

  • Bases de dados: fontes para a produção de indicadores do trabalho imaterial, por Nair Yumiko Kobashi (USP).  Apresenta reflexão sobre a conjunção das áreas de Representação Temática e Representação Descritiva como importantes para o trabalho com a produção de bases de dados. Destaca que as áres possuem teorias e métodos para tratar as informações de maneira a fazerem significados e constituirem instrumentos que facilem o acesso. Atualmente, repositórios são contruidos para armazenamento de conhecimento funcionalizados. Tornam-se próteses complementares do cérebro humano e, portanto, necessitam ser bem estruturados. Observa que não pode haver acesso a informação sem tratamento sistematizado. A estruturação dos repositórios sob parâmetros normativos possibilita realizar “escavação” de dados e análise métricas dos conteúdos.

 

  • RDA e a possibilidade de um código brasileiro de catalogação, por Zaira Regina Zafalon (UFSCar) e Eliane Serrão Alves Mey (UNIRIO). Comenta que a representação bibliográfica é parte de um processo comunicativo, que conecta registros do conhecimento a indivíduos, grupos de pessoas ou instituições e vice-versa. Os códigos de catalogação são um conjunto de regras, interpretações e exemplos indicativos destinados à elaboração de registros bibliográficos. Devem apresentar a semântica e a sintaxe dos registros bibliográficos, bem como uma gramática. Observa que os códigos refletem a cultura de determinado grupo social, lingüístico, ou reunido por qualquer característica comum. Salientam que a representação não deve substituir o representado, mas buscar a forma de tornar o representado reconhecível diante de dada situação, contexto e público. Cita os códigos nacionais de catalogação havidos no Brasil.

 

 

Mesa 4: Ensino em Catalogação: conteúdos programáticos e questões metodológicas:

 

Palestras

 

  • Análise de conteúdos programáticos de Representação Descritiva em cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia no Brasil e em cursos de Ciência da Informação em Portugal, por Terezinha Batista de Souza (UEL). Aborda o projeto de doutorado realizado na Universidade do Porto, Portugal. O tema tratou das mudanças mundiais na área da catalogação. Inclui o mapeamento da formação de arquivísta e de bibliotecário em Portugal e Brasil. Comentou sobre a carga horária das disciplinas de representação, ressaltando que os cursos de maneira geral oferecem ao menos uma unidade curricular que contempla a Representação Descritiva de Documentos. A curiosidade em Portugal é o fato dos programas não utilizarem o AACR, mas as ISBDs. No Brasil, 100% dos cursos contemplam ao menos uma disciplina de Representação Descritiva, com base no AACR2. A formação de bibliotecário e de arquivista, em Portugal, é integrado. No Brasil é separado. A semelhança com relação ao ensino de Representação Descritiva, em ambos os países, apresenta foco no ensino tradicional.

 

  • Ensino de catalogação: princípios ou normas?, por Elisa Campos Machado, Naira Christofoletti Silveira, Eliane Serrão Alves Mey e Maria Tereza Reis Mendes (UNIRIO). Com foco no aspecto pedagógico, as professoras salientam a necessidade do ensino da catalogação abranger teoria e prática. A teoria ressaltando a compreensão dos fundamentos e princípios, das funções e dos enfoques da catalogação; conhecimento dos modelos teóricos e dos principais teóricos. A prática enfocando as regras catalográficas, sua interpretação e aplicação propriamente; elaboração de registros bibliográficos e de registros de nomes e termos autorizados. Sinaliza proposta de conteúdo desejável para o ensino com: aspectos teóricos da Comunicação, da Antropologia e da Linguagem, entre outros aportes; leitura de textos recentes sobre catalogação e resgate de teóricos, como: Charles Ami Cutter, S. R. Ranganathan, Eva Verona, Ákos Domanovsky e Barbara Tillett; modelos conceituais: FRBR (entidades e relações), FRAD e FRSAD; com destaque a pesquisas anteriores fundamentais a esses modelos; Princípios de Paris (1961) e Declaração dos Princípios Internacionais de Catalogação (2009); normas: ISBD, AACR2 ou seu sucedâneo, metadados, MARC21. Considera que o ensino de catalogação precisa estender-se após a graduação, por meio de cursos de especialização ou de extensão, para os que desejam aperfeiçoar-se e se atualizar.

 

 

O evento mostrou que, sem esquecer as tendências da área e das propostas de ensino na área, a catalogação segue sendo uma temática forte para a formação de graduados em Biblioteconomia e Documentação. Até porque a representação descritiva e temática aplicada sobre qualquer documento, entendido tradicionalmente como formado pela integração do suporte físico com um conteúdo documental, passa agora por mudanças. Mudanças que influenciam o seu aspecto físico. A forma do livro e das revistas impressas, acrescenta-se formas como: discos, vídeos, películas, mapas, CD-ROM e outros tipos de suportes para registro da informação. Neste sentido, também se insere os registros binários ou digitais. Estamos em um cenário onde bibliotecas e serviços de documentação devem adequar seus fundos bibliográficos e suas técnicas de tratamento e organização que melhor permitam a comunicação e a informação aos usuários dos conteúdos que estas variadas tipologias de materiais armazenam. Sob estes aspectos movimentos organizados de bibliotecários catalogadores tornam mais produtivo pensar a área, no Brasil. E, um aspecto importante em tudo isso, manter pulsante a catalogação em sua esfera acadêmica e do seu exercício profissional.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.