MENINAS DO BRASIL
A Vênus de Botticelli possui um físico que tornaria as "top models" de hoje, no mínimo, aflitas. É gordinha e "tem barriga". Enfim, uma bela mulher, mas com padrão estético diferente do valorizado pela mídia hoje. Se na Itália o padrão "Boticelli" de beleza predominou e se espalhou pelo mundo renascentista, no Brasil não é diferente.
No século XIX, mais precisamente no período romântico, existia a preocupação em promover o modelo brasileiro de beleza que se afastasse do domínio português, principalmente porque o país tornara-se independente politicamente de Portugal.
José de Alencar lançou, nesse período, um dos ícones da beleza "morena" do país, a índia Iracema*. A descrição da personagem tornou-se "clássica" nas letras nacionais:
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da Jati não era doce como seu sorriso (...)
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Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu (...) p.16
A beleza da índia é demonstrada por meio dos elementos da natureza nacional: mel, graúna (pássaro preto), jati (abelha), talhe da palmeira, ema selvagem. Fauna e flora nacionais harmonizam-se com a descrição de Iracema.
Na obra Menina Bonita do Laço de Fita, Ana Maria narra a história de uma menina negra e um coelhinho branco. O coelho, apaixonado pela cor da menina, tenta descobrir como ficar negro também.
A autora aborda a questão racial com graça e sutileza, levando o leitor a sucumbir diante da beleza da Menina. Transporta-o às princesas africanas. E, ao mesmo tempo, a torcer para que o coelho encontre resposta e solução para realizar o seu desejo.
O coelho é levado perceber pela mãe da Menina que cada um tem a cor herdada de seus antepassados.
Logo, ele entendeu que a solução seria casar-se com uma coelha "escura como a noite". É o que ele faz. Logo no início da narrativa encontra-se a descrição da Menina Bonita do Laço de Fita :
Era uma vez uma menina linda, linda.
Os olhos dela pareciam duas azeitonas
pretas, daqueles bem brilhantes.
Os cabelos eram enroladinhos e bem
negros, feito fiapos da noite. A pele era
escura e lustrosa, que nem o pêlo da
pantera negra quando pula na chuva.
Mas onde pode estar a semelhança com o texto de Alencar? Ao ler as descrições de Iracema e da Menina Bonita do Laço de Fita, uma seguida da outra, o leitor vai perceber. As duas descrições têm um início fabular, mágico: "Além, muito além daquela serra..." ; "Era uma vez...". Assim, temos um ritmo descritivo muito parecido.
Alencar, no século XIX, buscou no índio o modelo nacional para afastar o cabresto cultural europeu. Ana, por sua vez, resgata o modelo afro de beleza tão presente na vida brasileira, mas que foi por muito tempo ignorado pela elite cultural do país.
* Iracema - José de Alencar - editora Ática, 1997
* Menina bonita do laço de fita - Ana Maria Machado - editora Ática, 1997.