PENSAMENTOS BALDIOS SOBRE LEITURA E RELEITURA
Outro dia, li no InfoHome o texto temporário "Saber ler é não estar só" de Isabel Portela. E também li o "Da sensualidade da leitura" do nosso Oswaldo.
Fiquei com os dois escritos a fermentar em minha mente. De fato, ler é não estar só, e no ato da leitura há um prazer que beira a sensualidade, se levarmos em conta o que o grande Freud desvelou sobre o viés sensual de tudo que fazemos. Qualquer ato, seja ele de corpo ou mente, reveste-se, sim, de uma sensualidade, porque ligada à punção de vida, à libido. Quanto à leitura, quem lê nunca morre em vida. Leitura, seja do ponto de vista intelectual ou emocional, liga-se a Eros e não a Tanatos.
Ler é um ato solitário, pois o leitor se embrenha no texto, sozinho, e lá permanece, longe de tudo e de todos que o cercam. Pode até usar a leitura para fugir deste mundo, afastar-se do que há de banal ou sofrido em seu cotidiano. No entanto, na verdade, não ficamos sós enquanto lemos. E isto porque o livro da vez - ou os livros da vez, pois há leitores que leem vários livros ao mesmo tempo - é aquele companheiro com quem se pode estabelecer uma intimidade única. E, dependendo de quando seja ele novamente o livro da vez, poderá trazer surpresas e novidades, de acordo com o tanto de tempo em que ficou à nossa espera na estante, aguardando a releitura.
Ler e reler são atos que se revestem de algum mistério. Existe algo de mágico na leitura nova e fresca, de um livro descoberto em livraria ou biblioteca, ou ganho de alguém. Tudo ali é novidade! Podemos saborear ou não a narrativa, podemos descobrir ali justamente o que procurávamos, ou nos encher de tédio.
A meu ver, no entanto, há um mistério maior na releitura, quando garimpamos alguma estante e redescobrimos algo que nos traz a mensagem de que precisávamos, sem o saber. Há ainda o mistério de se conservar um livro que não nos agradou de forma alguma, e que, de repente, "ao acaso", depois de anos, voltamos a ler, com um espanto de revelações, um maravilhamento inaudito.
O contrário também ocorre. Há livros que se tornam obsoletos, enfadonhos, quando antes, muito antes, nos deliciaram. Mudamos nós, ou muda o livro? Uma pergunta meramente retórica, pois claro que somos nós que mudamos. Isto me leva à ideia de uma ilusão de liberdade que o ato de ler encerra. Podemos nos irritar profundamente ou amar definitivamente algo que lemos, para depois, mais tarde, percebermos que tanto a irritação profunda quanto o amor definitivo nada tinham de profundo ou definitivo, e vice-versa.
Para o ser humano, a meu ver, o ato de ler encerra ainda outro desafio, além de nos atiçar a inteligência e a sensibilidade. Ele testa nossa eterna necessidade de controle. Ler é estar à mercê do desconhecido, do inusitado, do estranho, do desconfortável, do imponderável, ou do contrário de tudo isso. Mas... como saber? Não há como, pois ler é estar sobretudo à mercê do incontrolável. Só no abrir/fechar um livro pode talvez haver controle. O resto é dúvida, é surpresa, é espanto... ou nada disso.