ONLINE/OFFLINE


BIBLIOTECÁRIO HÍBRIDO

Toda inovação tecnológica gera mudanças das mais diversas. No caso das bibliotecas, o efeito das inovações requer atenção com a necessidade de adaptação dos processos de organização e tratamento da informação, bem como da prestação de serviço.

 

Assim, no espaço dos serviços de informação as tecnologias são disruptivas e, sob aspecto positivo, têm impulsionado a transição das bibliotecas tradicionais (operadas por processos manuais e, posteriormente, por processos informatizados) para o patamar das bibliotecas digitais.

 

São aspectos que estabelecem novos modelos de serviço mais complexos e tecnologicamente desafiadores, com a finalidade de atingir aos interesses e demandas informacionais dos usuários (pessoas e organizações).

 

As mudanças provocadas pela tecnologia, após impacto inicial no ambiente, tende a gerar maior produtividade e, ao mesmo tempo, provocar a redução de recursos (humanos e financeiros), baseados também nas demandas dos usuários.

 

James G. Neal, em artigo “The Entrepreneurial Imperative” (Libraries and the Academy, Jan. 2001, p. 2), comenta que a mudança é uma constante organizacional que estimula estruturas híbridas, programas e atribuições. Com a tecnologia da informação imersa – na sua reflexão, no ambiente do ensino superior – faz-se necessário repensar a educação, passando do modelo de instrução para o paradigma da aprendizagem.

 

É, neste cenário, que as bibliotecas, em especial as universitárias, são pressionadas a reverem seus valores e a adotarem um novo paradigma. O paradigma da aprendizagem.

 

Desta forma, desenvolvem em suas operações uma cultura de compartilhamento baseada em dois elementos importantes:

 

a) um modelo de serviço híbrido estabelecido sob estruturas organizacionais flexíveis; e

b) um quadro de pessoal dotado de habilidades híbridas.

 

Lisa Allen, em palestra intitulada “Hybrid Librarians in the 21st Century Library” (ACRL Twelfth National Conference, 2005), ao abordar o tema do ambiente hibrido, destaca que o desenvolvimento da biblioteca digital ultrapassou modelos organizacionais até então existentes para os serviços de biblioteca, caracterizados como escolar, por natureza. A biblioteca digital passa a requisitar um modelo organizacional ou cultural, alinhado a uma nova estrutura de valores, tais como: menos hierárquica, mais facilitadora, colaborativa e evolutiva.

 

No centro deste modelo encontra-se a figura do bibliotecário, definido como “bibliotecário híbrido”. Salienta-se que as bibliotecas precisam manter um escopo de "material genérico” como base do seu acervo de conhecimentos, porém, nesse acervo deve acrescer-se novas áreas de saber. O acréscimo de novos saberes acontece também com a competência do bibliotecário, em especial, do profissional do século 21.

 

As equipes de bibliotecas precisam apoiar aos usuários no ambiente digital, bem como no ambiente impresso. Neste sentido, necessitam desenvolver e atualizar os seus conhecimentos técnicos e suas competências tecnológicas de forma contínua para atuarem com melhor destreza em ambos os contextos.

 

Para compreender o significado do termo “bibliotecário híbrido”, é preciso estar familiarizado com o conceito da “biblioteca híbrida”. Conceito adotado para um ambiente de informação estruturado em serviços impressos, analógicos e digitais, e que fornecem suporte às necessidades dos usuários a partir da descoberta de informações que possibilite o acesso, uso, manipulação e análise dos recursos de informação providas.

 

Na definição, entende-se que o auxílio aos usuários na busca e localização de informações é apenas uma parte compreensiva dos serviços ofertados pelos bibliotecários. No desempenho da sua atividade profissional, o bibliotecário deve adotar um equilíbrio entre a oferta de serviços e produtos impressos e digitais, baseado na forma de demanda do público. E a demanda evolui conforme a cultura social e tecnológica.

 

Sobre a mudança organizacional no ambiente bibliotecário, pesquisas realizadas em meados da década de 1990 aos primeiros anos do século 21, identificaram estratégias para os recursos humanos existentes em bibliotecas norte-americanas e orientados ao apoio à biblioteca digital e aos serviços baseados em tecnologias computacionais.

 

Essas estratégias redesenham os cargos e atribuições funcionais existentes em bibliotecas. Por exemplo, a posição de “bibliotecário de referência”, numa universidade, se transforma em “bibliotecário instrutor de tecnologia da informação e de referência”. A posição de “bibliotecário responsável pelo suporte no uso do software de automação e acesso às bases de dados”, muda para responsável também pela criação e gestão do website ou do conteúdo da biblioteca nas mídias digitais.

 

Outros exemplos encontrados referem-se à denominação de cargos de bibliotecário como: coordenador de tecnologia educacional de biblioteca; bibliotecário de recursos eletrônicos; ou bibliotecário de serviços de informação digital. Há também designações como: bibliotecário de literacia em informação e instrução tecnológica; e bibliotecário de aplicação digital.

 

Nestas denominações identificam-se o tipo de trabalho e o perfil profissional necessário para o desempenho, devido à ênfase em competências para o uso e aplicação de recursos digitais. As tarefas pertinentes à biblioteca combinam agora várias atividades essências na provisão de serviços e de apoios informacionais.

 

Estudiosos na temática das competências acreditam que as novas funções, no ambiente da biblioteca, refletem uma mudança profunda nas atividades tradicionais para atividades mais amplas e complexas. Atividades que requerem competências técnicas e tecnológicas elevadas, obtidas por meio do estudo continuado (leitura, cursos de capacitação, pós-graduação profissional). As competências tecnológicas estão relacionadas aos recursos eletrônicos, e ao ambiente da Web de dados e das mídias digitais tornados cada vez mais importantes no espaço de atuação do bibliotecário.

 

Embora não se possa determinar a existência de uma tendência no Brasil, analisando o cenário externo, observa-se o significativo requisito de habilidades técnicas relacionadas ao uso de ferramentas e de recursos para web, especialmente para exploração das mídias digitais. Aspecto que se alinha com a ideia da biblioteca híbrida. No Brasil, os usuários de bibliotecas requisitam cada vez mais acessos à coleções e serviços disponíveis através do ambiente Web.

 

Quanto ao novo modelo de serviço informacional, este está baseado no conceito do trabalho colaborativo e em equipe. Há uma série de razões para as bibliotecas realizarem uma transição para esse ambiente de trabalho suportado na colaboração. A literatura indica que muitas bibliotecas já fazem essa transição, ou estão em vias de o fazer.

 

As razões estão relacionadas não só às mudanças tecnológicas e escassez de recursos (humanos e financeiros), mas também aos requisitos de um novo modelo de serviço de biblioteca. Um modelo adaptado ao contexto da educação do século 21, baseado na construção do conhecimento, em contraposição à transmissão do conhecimento. Bibliotecas como espaços de informação e de aprendizagem.

 

Ademais, segundo a literatura consultada, em períodos de recursos escassos e de inovações tecnológicas emergentes, é importante que a gestão da biblioteca proporcione oportunidades aos seus membros, locados em diferentes unidades ou funções informacionais. Que eles possam trabalhar em conjunto no desenvolvimento de objetivos comuns e de novos projetos de organização e disseminação da informação.

 

Em relação à questão das bibliotecas híbridas, para que elas sejam sucedidas na prestação de serviço, devem estabelecer estratégias de relacionamento com o setor de computação (ou informática) existentes na organização. Além de envolver a equipe em iniciativas de literacia em informação, por exemplo.

 

De maneira geral, em ambientes híbridos de informação, os bibliotecários projetam produtos e serviços baseados em sistemas especializados, a fim de desenvolver gateways de informação para os seus usuários. Ações, portanto, que requerem colaboração próxima com o pessoal da computação.

 

No contexto da universidade, enquanto uma comunidade de construção de conhecimentos, as ações colaborativas são essenciais. Essas comunidades, nas quais a biblioteca é parte central, evoluem por meio de atividades que cooperam por meio do processo de repensar formas de apoio ou aprimoramento da construção de conhecimento.

 

Bibliotecas híbridas exigem formas de agir independente, porém com sensibilidade às necessidades da organização e/ou do público. O equilíbrio entre a identificação da missão da biblioteca e da identidade de seu serviço precisa ser alcançado. Entretanto, os membros da equipe da biblioteca envolvidos em atividades colaborativas devem ser valorizados por suas competências e seus pontos fortes, a fim de trabalharem estimulados nessas ações colaborativas, e nos quais espera-se o envolver por uma cultura de compartilhamento dos conhecimentos profissionais.

 

A colaboração pode ser facilitada por meio da formação de equipe. Terminologias como “ambiente em equipe” e “mudança de ambiente” entraram para o vocabulário da Biblioteconomia a partir da década de 1990, refletindo uma alteração no tipo de recrutamento de bibliotecários para o ambiente de trabalho.

 

Como as bibliotecas em um “novo mundo” precisam mudar a sua cultura organizacional, necessitam criar estruturas que reforcem essas mudanças, e mudanças para um ambiente baseado em equipe que perturbem a cultura estabelecida.

 

No caso do ambiente universitário, os bibliotecários são implantados nos setores de informação bibliográfica das unidades acadêmicas onde estudantes e docentes estão localizados com pouca interação entre eles.

 

O esforço de colaboração deve estar baseado no uso de recursos impressos e eletrônicos que promovam o sistema de biblioteca e que combina o alto uso da tecnologia, com o bibliotecário oferecendo uma assistência técnica, bem como assistência de referência tradicional. Em realidade, bibliotecários desempenham múltiplos papeis neste tipo de ambiente.

 

A biblioteca híbrida representa a descoberta da aprendizagem como ferramenta que requer habilidades mais próximas da Biblioteconomia.

 

A composição de equipes colaborativas é destacada com um número ideal situado entre quatro a sete pessoas, orientadas sob objetivos claros e baseados em problemas integrados com as metas da biblioteca, e considerando a importância da comunicação, da autoridade para tomar e implementar decisões por conta própria e contando com um líder experiente, disposto a mudar com habilidade em facilitar e desenvolver relacionamentos.

 

Uma equipe multifuncional precisa ter missão clara, na qual se inclui o propósito da própria equipe, o problema ou oportunidade buscada, e os resultados, recursos e funções almejados.

 

Além disso, esses resultados almejados têm que ser orientados a dados, como as decisões de uma equipe de sucesso estarem baseadas em pesquisa sistematizada e aprendizagem contínua ao invés de limitada apenas ao “pensamento de grupo”.

 

No cenário atual, a biblioteca para atingir um nível de excelência em seus serviços precisa estar conectada em redes com suas próprias estruturas e/ou agências similares.

 

No cenário descrito considera-se que o modelo de biblioteca híbrida incorpora uma equipe composta, entre outros, por bibliotecários híbridos e que chegam ao seu público, bem como forneça recursos tecnológicos (laboratórios, salas multimídias etc.) e mantenha ativa a “mística da biblioteca” como lugar vital de conexão entre pessoas. Além do cuidado em não marginalizar aqueles usuários que procuram uma experiência de biblioteca tradicional. Afinal, a biblioteca tradicional não morreu, ela apenas se transforma ou se transfigura pressionada pelo desenvolvimento tecnológico e pela agilização no atendimento de demandas simples às complexas, por vários canais de comunicação e interação: impresso, analógico e digital.


   614 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
MODELO DE AUTOMAÇÃO DE BIBLIOTECAS: A PLATAFORMA FOLIO
Fevereiro/2017

Ítem Anterior

author image
O LIVRO E A BIBLIOTECA SEM PAPEL NA EDUCAÇÃO
Dezembro/2016



author image
FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.