ALÉM DAS BIBLIOTECAS


O ADEUS AOS CUBANOS

Pouco a pouco, vem à tona o que quase toda a população brasileira já sabia desde sempre: o “Programa Mais Médicos”, inserido em território nacional no dia 8 de julho de 2013, no Governo Dilma Rousseff ou no de Luís Inácio Lula da Silva (tanto faz), em sua essência, foi mais um golpe contra o povo brasileiro e uma forma escusa de ajudar uma ditadura algoz, com flagrantes irregularidades, dentre as quais a dispensa da revalidação dos diplomas, norma praticamente internacional (salvo raras exceções), que parece pequena e não o é. Mas, vamos discutir a essência: proclama-se mundo afora a excelência da educação e da saúde cubana a partir de publicidade e propaganda alavancada desde o início do castrismo e prossegue até hoje com o mandatário-fantoche, o civil Miguel Díaz-Canel, à frente da Assembleia Nacional do Poder Popular da República de Cuba, desde 19 de abril de 2018.

Para se descobrir a excelência da educação cubana, a princípio, basta se matricular em curso de espanhol a preço de ouro voltado para estrangeiros e descobrir que os pobres docentes apagam a lousa (nosso quadro-negro) com as mãos e estão sempre atrasados ou bem adiantados, por conta da irregularidade dos transportes públicos. Também vale visitar o chamado Museo de la Alfabetización, Havana, antes Comissão Nacional de Alfabetização, onde estão as “provas contundentes” do fim do analfabetismo, quando a cada escolarizado cabia tão somente escrever uma carta ao El Comandante, hoje, devidamente arquivada. Instituído no dia 29 de dezembro de 1964, o Museu ocupa parte do complexo militar (Ciudad Libertad), ponto de encontro das Brigadas Conrado Benítez, após a Revolução Cubana. Esta, como movimento armado e sob a liderança de Fidel Castro, conseguiu destituir Fulgencio Batista de Cuba, em 1959, com flagrante apoio soviético visando alinhar a Ilha ao chamado bloco socialista. Num terceiro momento, visita às bibliotecas, às livrarias fantasmas e aos laboratórios de tecnologias para acesso ao alunado (em qualquer nível) complementa a visão de excelência ou de decadência da educação no país.

Quanto ao quesito saúde, é possível que a formação prime pela excelência. Porém, e é muito lógico que isto seja sussurrado a pessoas de extrema confiança, de pouco vale a graduação esmerada, se tudo ou quase tudo, na rede hospitalar, está roto. Cuba não é um país em dificuldades. Por detrás do retrato vendido ao turista, há uma nação sofrida e plena de contradições. Apesar da beleza estonteante de seu território, com Varadero, Trinidad, Cienfuegos, Cayo Largo do Sul, Santiago de Cuba, Havana com seu El Malecón e sua Habana Vieja (tombada, como Trinidad, como Patrimônio da Humanidade), e seus poucos hotéis de luxo, como o Hotel Nacional, há um país literalmente roto (quebrado), para usar uma das palavras que muito cedo aprendi. Tudo está roto: telefones públicos; o serviço de abastecimento de água e luz; o sistema de transporte público; as companhias de aviação e até mesmo o que se pensa que Cuba tem de melhor: educação e saúde. 

Dentre os 8.300 médicos cubanos que aderiram ao “Mais Médicos”, chegados ao Brasil mais ou menos a partir de 2015, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 1.400 se casaram com brasileiras, o que acena com a chance real de pedido de vista de permanência. Os que estão indo de volta a seu país, seguem com coração partido. Foram eles vitais às coletividades mais carentes e mais longínquas de nosso território, incluindo aldeias ribeirinhas e indígenas, como Macuxi, Ingaricó, Wapixana e Yanomami, dentre muitas outras, que até então nunca haviam contado com assistência médica, de tal forma que deixam por aqui muitos brasileiros desnorteados e órfãos. Os cubanos são naturalmente generosos. Afinal, precisam enfrentar, no dia a dia, a miséria que ronda sua gente, a exemplo dos velhos. Estão sempre nas ruas ou entradas das casas ou, ainda, nas sacadas dos prédios. Os primeiros vendem de tudo para sobreviver: guloseimas, jornais, cigarros, cafezinho fraco e requentado... Os que estão nas sacadas já não conseguem descer as escadas íngremes e permanecem a olhar a vida que se vai... Às vezes, seu ponto de contato com o mundo é o jaba, saco que fazem descer por uma corda para receber ou enviar coisas variadas. 

Enquanto, paradoxalmente, a expectativa de vida do povo cubano cresce para 77,5 anos (no caso da mulher) e 73,5, para os homens, a renda mensal média dessa parcela populacional é em torno de oito dólares e as condições de vida deploráveis. Não sei exatamente o salário de um médico, mas comprovo, ao longo dos seis períodos onde lá estive, que um professor universitário com cargo de chefia recebe menos de 20 dólares em meio ao conformismo de que há o auxílio da libreta. Com o mísero salário mensal, a cada família é possível comprar o mínimo do mínimo, como arroz, açúcar, feijão, sabão, sal, café, fósforo, azeite e algumas coisinhas mais. Tive acesso à libreta: para duas mulheres, um creme dental, três meses; um pacote de absorventes higiênicos, quatro meses; um quilo de sal, quatro meses e por aí vai. 

Por tudo isto, é óbvio que todos estavam contentes por estar aqui. A citada OPAS, na condição de organização internacional especializada em saúde, surpreendentemente, se permitiu intermediar o não intermediável – a entrega de 70% dos salários dos médicos cubanos que aqui estavam aos ditadores. Mesmo assim, os doutores estavam em júbilo pela oportunidade ímpar de vivência profissional, de manter moradia e alimentação dignas, pagas por municípios e distritos indígenas, além de lanches fartos e atenção humana... Ao embarcarem de volta, sorrisos mesclados com infinita tristeza deixam à mostra o orgulho de carregar tevês e mil outros merecidos presentes para filhotes e parceiros. 

Resta ao Governo brasileiro fazer o que deveria ter providenciado bem antes: prover assistência médica a todos os brasileiros, incluindo os perdidos nos recônditos mais afastados. E o mais incrível! Ainda há quem sustente, a exemplo da própria OPAS, que não havia proibição explícita de os cubanos trazerem consigo qualquer membro familiar! E mais, há quem creia que, em países pobres (não é caso do Brasil, risos!), onde há médicos cubanos, tudo é custeado pelo Governo cubano, como em Nepal, Angola, Haiti e Congo. Está chegando o Natal! Vale a pena redobrar a crença em Papai Noel!


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”