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CATALOGAÇÃO DESCRITIVA: A HISTÓRIA INFLUENCIANDO O DIA A DIA DO ESTUDANTE DE BIBLIOTECONOMIA AO BIBLIOTECÁRIO(A)

No processo catalográfico, a catalogação descritiva é um componente-chave para a organização e tratamento dos recursos informacionais e de conhecimento. Meio pelo qual são representados e recuperados em um catálogo bibliográfico. Podendo ser físicos ou digitais, o que inclui: livros, periódicos, vídeos, gravações sonoras — qualquer forma documental coletada por uma agência bibliográfica, a finalidade é informar o público. O bibliotecário de catalogação registra as características de identificação dos recursos, como o título, dimensões e data de publicação. São alguns dos elementos de metadados que formam a essência do registro bibliográfico. Esse processo também envolve a escolha de pontos de acesso que indicam as responsabilidades pelo conteúdo, forma ou suporte (nomes de pessoas, instituições ou grupos), como é denominado (títulos); e com quais outros recursos podem estar relacionados. Os acréscimos dos pontos de acesso aos registros do catálogo, fornecem ao usuário várias opções de descoberta sobre o que existe na coleção desenvolvida pela biblioteca.

A literatura da área apresenta a catalogação descritiva como o estágio inicial do processo catalográfico, seguido pela catalogação de assunto, controle de autoridade e a codificação final em um formato bibliográfico. A catalogação de assunto ou temática permite ao bibliotecário fornecer acesso dinâmico ao conteúdo por meio dos assuntos, terminologias ou temáticas controladas e números de classificação. O controle de autoridade, e das formas de acesso autorizadas são mantidas consistentes nos registros bibliográficos, em geral, pelo compartilhamento de uma base de dados específica que padroniza as formas de nomes e títulos.

Com a codificação do registro, em um formato bibliográfico padronizado e processado em meios eletrônicos, torna possível o uso e compartilhamento entre catálogos. Na prática, o processo catalográfico raramente é linear, e o catalogador pode estar envolvido em todas essas etapas, ao mesmo tempo. Porém, a catalogação descritiva é o início do processo, sendo complementada pelos pontos de acesso, assim compondo a base do registro bibliográfico do catálogo. Por sua importância merece toda a atenção do bibliotecário.

Nos cursos de biblioteconomia, aprendemos que catálogos existem desde a antiguidade e tomamos conhecimento de sua evolução. Neste aspecto, leitura obrigatória é Ruth French Strout (The developmment of the catalog and cataloguing codes), que cita as primeiras práticas de catalogação, e que aponta o século XIX como o de surgimento do catálogo em fichas como um sinal de início da era moderna da catalogação e os esforços para fornecer um sistema adequado às coleções.

Esses esforços, muitas vezes, exigiam a inclusão de mais elementos de metadados descritivos, mais as diretrizes escritas sobre como determiná-los e registrá-los. No começo do século XIX, as instituições seguiam suas próprias diretrizes na descrição dos materiais. Na história, o desenvolvimento da catalogação descritiva é o registro das mudanças de práticas singulares para procedimentos cooperativos, o que contempla a padronização. Esses fatos podem ser compreendidos pela história dos códigos que guiaram essas práticas; bem como as alterações dos ambientes analógicos para os digitais.

Ao olhar para o período histórico de padronização e os avanços, observa-se que as regras catalográficas, em especial, as de tradição anglo-americana, enfrentaram críticas. Os padrões foram contando com um número crescente de regras específicas e enumerativas para sua utilização. Os códigos careciam de organização clara e princípios orientadores explícitos. O que resultava em uma catalogação trabalhosa e de custos intensivos.

Seymour Lubetzky publica em 1953, um relatório critico a esses códigos, em favor de regras objetivas e princípios claros. É neste contexto, que a Federação Internacional de Associações e Instituições de Bibliotecas (IFLA) promove a Conferência Internacional sobre Princípios da Catalogação, em 1961. Com a participação de representantes de 53 países, incluindo o Brasil, representado pela bibliotecária Maria Luiza Monteiro da Cunha.

O evento resultou na publicação da Declaração dos Princípios, conhecida como os Princípios de Paris. Apesar de não ser um padrão descritivo formal, a Declaração enumerou princípios norteadores para a escolha e forma dos pontos de acesso de nomes e títulos. Inspirou-se nos objetivos de Charles Ammi Cutter; bem como nos textos de Lubetzky. A expectativa era que os participantes revisassem os seus respectivos códigos nacionais de catalogação para alinhamento aos Princípios.

Apesar da contribuição com as práticas padronizadas na indicação dos pontos de acesso entre os vários códigos nacionais, havia a necessidade de um trabalho de alinhamento com as práticas descritivas. Alinhamento que começa a ocorrer em 1969, com a Reunião Internacional de Especialistas em Catalogação (RIEC), na cidade de Copenhagen, com a participação de 32 países, resultando na criação do International Standard Bibliographic Description (ISBD).

A ISBD foi projetada para estabelecer uma consistência internacional no conteúdo, ordem e pontuação dos elementos descritivos. Estruturou-se em conjunto de oito áreas de metadados de ocorrência comum, como título, indicação de responsabilidade e informações de publicação. Assim, como os Princípios de Paris, a ISBD surge para orientar a revisão dos códigos de catalogação, para alinhar práticas descritivas e facilitar o compartilhamento de registros.

Nesse ponto histórico, as bibliotecas norte-americanas e britânicas haviam retomado esforço para trazer suas práticas catalográficas de volta ao mesmo padrão comum. O que resulta no lançamento, em 1967, das Regras de Catalogação Anglo-Americanas (AACR). Um código inspirado nos Princípios de Paris, oferecendo abordagem catalográfica mais simples e baseada em princípios.

Com o lançamento da ISBD, na sequência, os esforços orientaram-se na harmonização do AACR com a nova estrutura internacional, e que resulta em uma segunda edição, em 1978. O AACR2 se tornaria em um código descritivo predominante nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália, além de amplo uso internacional, até os anos recentes deste século XXI. Em realidade, outros códigos de catalogação nacionais foram revisados ??no período, para incorporar os Princípios de Paris e a ISBD, por exemplo, o Regeln f€ur die alphatische Katalogisierung (RAK), nos países de língua alemã.

Em paralelo, as bibliotecas adentravam por um ambiente tecnológico em rápida mudança. O movimento da automação, no final do século XX, resultou na substituição dos catálogos impressos por sistemas eletrônicos. Decorrência da adesão ao formato MARC. Há, ainda, a proeminência de recursos eletrônicos e digitais nas coleções das bibliotecas.

A confluência de desenvolvimentos, ao longo da história, apresentou desafios para as diretrizes da catalogação descritiva criadas, tendo em mente o ambiente impresso e analógico. Questões sobre as mudanças para ambientes digitais estavam entre os tópicos explorados na Conferência Internacional sobre os Princípios e Desenvolvimento Futuro da AACR, ocorrida em 1997. Desperta-se um maior interesse em desenvolver uma abordagem orientada aos princípios dos dados bibliográficos baseada em entidade-relacionamento. Acontecimento que influencia a IFLA no desenvolvimento do modelo conceitual — Requisitos Funcionais para Registros Bibliográficos (FRBR).

Publicado em 1998, o FRBR define as entidades importantes e as tarefas do usuário no domínio bibliográfico. A sua conceituação dos recursos bibliográficos torna-se influente ao determinar um conjunto de quatro entidades relacionadas: obra, expressão, manifestação e item.

Essas entidades representam as distintas abstrações nas características dos recursos informacionais, desde o mais abstrato (obra) até o mais concreto (item). Possibilita abordar as preocupações de Lubetzky e outros estudiosos sobre a distinção entre “livros” (materiais físicos) e “obras” (o conteúdo criativo independente do meio). O FRBR foi seguido pelos Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade (FRAD), em 2009; e os Requisitos Funcionais para dados de Autoridade de Assunto (FRSAD), em 2010.

Concomitante aos requisitos, ocorre outra iniciativa da IFLA, a Declaração dos Princípios Internacionais de Catalogação (ICP), que atualiza o seu antecessor, os Princípios de Paris. Juntos, essas ações refletidas em documentos orientariam a criação de um novo código de catalogação, Recursos: Descrição e Acesso (RDA). Apesar de sucessor do AACR2, a Norma foi projetada para adoção internacional, entre as comunidades de língua inglesa e não inglesa, tornando-se o primeiro conjunto de diretrizes catalográficas desse tipo. Baseada no AACR2, FRBR e ICP, o projeto inicial da RDA foi lançada em 2010 para testes. Em 2013, iniciou-se a efetiva implementação em vários países. Ao contrário dos padrões descritivos anteriores, a ela foi organizada em torno das entidades conceituais estabelecidas pelo FRBR e destinada a acomodar os dados de recursos digitais, em catálogos.

Em 2017, a IFLA consolidou os três modelos de Requisitos Funcionais em um, conhecido como Library Reference Model (LRM). Diante dessa mudança, a RDA atualizou seu conteúdo e estrutura, em 2020. Assim, ela passa a denominar-se RDA 3R. A forma abreviada se refere ao Projeto de Reestruturação e Redesenho do RDA Toolkit (RDA, Restructure, Redesign). A normativa assume uma aparência diferente devido as alterações efetuadas. Entretanto, não é considerada uma nova edição. A RDA é um recurso integrado online com várias atualizações no ano, até pelo seu permanente desenvolvimento. A finalidade essencial é promover uma mesma prática coletiva de descrição, de forma a possibilitar maior compartilhamento e reutilização dos dados bibliográficos.

De outro lado, a IFLA publica em 2022 a última atualização da ISBD consolidada. Uma norma útil e aplicável para a descrição bibliográfica de qualquer tipo de recurso em todo tipo de catálogo, sejam de acesso público em linha (OPAC), ou de menor avanço tecnológico. Estabelece critérios para uma catalogação descritiva compatível com padrões internacionais e favorável ao intercâmbio de registros bibliográficos.

Enfim, a história da catalogação é contínua, e demanda uma atualização presente do bibliotecário para que possa ter, no exercício da atividade descritiva, melhores perspectivas catalográficas.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.