ALÉM DAS BIBLIOTECAS


CRISE HUMANITÁRIA QUE CERCA O POVO YANOMAMI

A esta altura da vida – expressão que por si só revela uma vida vivida à exaustão -, paro para confessar que, em meio ao estupor de muitos fatos vivenciados e sonhados, contemplações inimagináveis e extraordinárias, poucas glórias e muitas derrotas, ilusões e desilusões, no decorrer de lutas pessoais, humanas e sociais, tive que me reinventar um montão de vezes como a mitológica fênix para renascer das próprias cinzas rumo a...  Não sei...

Quando penso que já vi e sofri bastante diante de tragédias humanas; chacinas inarráveis; comportamentos imorais de governantes que aumentam seus salários milionários por meio de acertos com os coleguinhas do Poder Executivo via on-line, sem sequer deixar o copo de bebida ou a areia da praia o que, no mínimo, é chocante pelo inesperado da situação; um oito de janeiro de 2023 que perdurará para sempre como um domingo vergonhoso para a história do Brasil; dentre os mil outros fatos que poderiam ser aqui acrescidos, a exibição televisiva do povo Yanomami, leia-se, brasileiros, neste final de semana (21 / 22 de janeiro de 2023), me causou repulsa e indignação.

A Terra Yanomami, com mais de 370 aldeias e cerca de 10 milhões de hectares que seguem por Roraima (RR), Amazonas e terras fronteiriças com a Venezuela, enfrenta problemas tão sérios quanto sua área territorial.  “Festeja” 30 anos da maior devastação advinda do garimpo. Crianças entre um e cinco anos morreram “como moscas”, num total aproximado de 99, ao longo de 2022, resultando em estatística terrivelmente incerta e difícil de reverberar. Segundo dados do Ministério da Saúde, as motivações são múltiplas, com ênfase para a pneumonia, seguindo-se outras causas elencadas no Quadro 1:

 

(Fonte: Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena, https://www.poder360.com.br/saude/33-das-mortes-de-criancas-yanomamis-foram-por-pneumonia)
 

A todas essas motivações, destaca-se, com força total, o crescente avanço do citado garimpo ilegal na região, que reduz a área de mata, ou melhor, destrói a Floresta Amazônica, reduz a caça e espanta a pesca para bem longe, mediante a poluição de seus rios. Quem ousa negar que o incremento do número de garimpeiros na Terra Yanomami, a maior do país, impacta diretamente a saúde dos indígenas, isolados em comunidades distantes e perdidos em meio à imensidão da Floresta? Quando criança, adolescente e até como adulta ainda cheia de sonhos e esperanças, quando avistava uma foto de meninos e meninas só “couro e osso” minha mente voava em segundos para o continente africano, em especial, para Biafra, à época, símbolo da fome, miséria e morte na Nigéria face à hedionda Guerra, que durou entre 6 de julho de 1967 e 15 de janeiro de 1970. É duro atestar que aquele meu assombro está muito perto de mim. Por isso, assistir ao noticiário sobre o povo Yanomami nestes últimos dias, me traz à tona uma enxurrada de sentimentos de dor pessoais e intransferíveis.

 

 

(Fonte: UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2023/01/21)

Segundo a página eletrônica e atualizada do G1, tão somente em 2022, na esfera do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, distribuído entre 37 polos, confirmaram-se 11.530 casos de malária, com incidência em faixas etárias com mais de 50 anos; 18 a 49; e cinco a 11 anos. Difícil imaginar quantos Yanomamis partiram! E não só crianças! Fácil assegurar que a assistência médica é praticamente inexistente! Diante da repercussão nacional e mundial, o Presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Boa Vista (RR), no sábado 21 de janeiro, cercado de ministros de Estado, como o representante dos Ministérios dos Povos Indígenas e da Saúde, atribuindo a situação de miséria absoluta ao Governo anterior. Eu, que nem sou petista ou lulista nem tampouco bolsonarista ou raios que o partam, afirmo, com veemência, que o caos sanitário gravado, filmado, televisionado e que está mundo afora, não resulta da situação de quatro anos. São anos de descaso e desapreço. De acordo com Jadil Jamil (notícias UOL), a crise humanitária vivenciada pelos indígenas em Roraima será relatada, formalmente, ao Tribunal em Haia num processo que pode levar algum tempo para ser finalizado, com foco no Governo Federal anterior, haja vista que os dados constam de denúncia apresentada (e ignorada), ainda em 2021, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), sob o argumento de crime de genocídio e crimes contra a humanidade.

Isto porque não são somente crianças e adolescentes que morrem ao “Deus Dará”, expressão rica de significado para designar aqueles que vivem abandonados à própria sorte no aguardo do que cairá dos céus junto com os sem teto e/ou famintos que rondam as ruas das grandes cidades. Sou enfática em acreditar que o Brasil não carece de mais organismos, entidades, associações, ou seja, lá que nome leve, a exemplo do recém-criado Comitê de Coordenação Nacional. Novos órgãos levam a uma soma maior de gastos públicos e ao inchaço gradativo da estrutura governamental. O povo brasileiro não consegue mais arcar com tantos impostos que recaem sobre os ombros da classe média! Exemplo emblemático é a comitiva que acompanhou o Presidente! Uma viagem de menos de 24 horas e, por alto, lá se vão, às nossas custas, em viagem oficial, cerca de 12 autoridades ou mais! Além dos acompanhantes intocáveis, que compõem odiosos séquitos. Para quê?  

Ora, as medidas são imediatas e óbvias. Seu planejamento não requer esforço extraterrestre: diagnóstico consistente acerca da saúde dos Yanomami; resgate dos doentes mais graves para áreas próximas com condições de atendimento; deslocamento de profissionais de saúde para assistência sistemática na região. E mais, cobrança de ações emergenciais do Ministério dos Povos Indígenas; atuação vigilada e vigilante da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) em conjunto com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e por aí vai. Reitero: não precisamos de mais cabides de emprego. Precisamos, sim, e, urgentemente, de ações interministeriais e efetivas que resgatem a dignidade dos indígenas, de qualquer etnia, mediante medidas, como: avaliação, gestão e controle de políticas sociais aliadas às medidas de segurança alimentar e nutricional.

A falta de acesso regular a uma alimentação adequada por parcela significativa da população brasileira figura como um dos principais desafios da modernidade. O Brasil conseguira sair do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, por meio de estratégias de segurança alimentar e nutricional vigentes a partir dos anos 90. Voltou ao cenário da fome em 2015, com nítido agravamento durante a pandemia de Covid-19, que, a bem da verdade, afetou as mais diferentes nações mundo afora. Ano passado, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil revelou que, aproximadamente, 33,1 milhões de cidadãos não têm garantia do que irão comer amanhã ou, pior, se irão comer. Isto é, são mais de 14 milhões de seres humanos em situação de fome. Se os estudos teóricos apontam coeficientes variáveis de insegurança alimentar, o inegável é que 58,7% dos irmãos brasileiros, povo Yanomami ou não, convivem com a fome, seja em nível leve, moderado ou grave. A verdade (que parece lugar comum) é que a fome causa SEMPRE sofreguidão, aperto, aflição e pressa. Muita pressa!!!!! Muita dor!!!!


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”