LITERATURA INFANTOJUVENIL


ERA UMA VEZ...

A fórmula de encantamento mais utilizada na abertura das sessões de narrativas de história é Era uma vez... Ela, em geral, é sussurrada criando um clima de expectativa nos ouvintes. Existem muitas outras que fui coletando no decorrer da minha vida. São elas:

- Há muito tempo atrás... 
- No tempo em que os bichos falavam... 
- No tempo em que galinha tinha dentes... 
- No tempo em que não havia tempo, num lugar que era lugar nenhum... 
- Numa floresta muito distante daqui... 
- Antigamente... 
- Conta-se que antigamente... 
- Era uma vez um conde, que ia por uma ponte, queres que eu te conte? 
- Estava certo dia... 
- Antigamente, quando Adão era cadete... 
- Vivia outrora... 
- No tempo de Dante... 
- Quando o Senhor andou pelo mundo... 
- Num dia muito distante, num lugar há mais de mil quilômetros daqui... 
- Quando as estrelas ficavam mais perto da Terra... 
- Alguém aqui já ouviu falar de ribombancho? 

A expressão Era uma vez... é muito pronunciada na oralidade, mas também é muito comum em títulos de livros.

Um deles, talvez não seja tão conhecido na atualidade é o livro Era uma vez 33...

Pausa para pensar... uma paradinha na conversa...

O que será que os autores querem dizer com o 33? Será que é um livro sobre a vida de Jesus? Falo isso, pois, apesar de haver controvérsia, dizem que Jesus morreu aos 33 anos... Será que é uma adaptação dos 40 ladrões, que agora são 33.

Não, os 33 desse título não se referem a Jesus, mas aos médicos. Antigamente quando um médico ou uma médica queria examinar a garganta do paciente, em especial as crianças, pegava uma espátula e pedia: fale trinta e três.

Se o leitor não passou por isso, não é 60+.

Não sei dizer se e quando a classe médica parou de fazer isso. Sei, no entanto, que na década 1990 convidamos o Dr. Orlando Colli, pediatra de Maringá, para autografar na Livraria Maluquinha seu livro Era uma vez 33.  

Gosto muito deste livro, é lindo! Ele tem ilustrações coloridas em várias tonalidades de vermelho na capa e no seu miolo. O ilustrador é Alcy Linares um cartunista com traços conhecido e reconhecido nacionalmente. O livro é composto de três histórias que foram escritas pelos pediatras: Orlando Colli, Dr. Alexander Sapiro e Antonio Carlos Oppermann Thomé. Ele é resultado de uma iniciativa da empresa farmacêutica Roche que em 1993 lançou o concurso Era uma vez 33:

O objetivo foi despertar nos médicos o talento para comunicar-se com as crianças e ao mesmo tempo, chamar a atenção para a realidade vivida pelas portadoras do vírus da Aids no Brasil. Este livro, resultado do trabalho dos três vencedores do concurso, é dedicado a todas as crianças que encontrarão em suas páginas matéria-prima para seus sonhos e fantasias.

A escolha dos melhores textos foi feita por um júri, como dizem os mais antigos – De fina estampa. Nada mais nada menos que os escritores: Fanny Abramovich, Ruth Rocha e Ziraldo Alves Pinto.

Gosto muito das três histórias. Elas estão apresentadas na obra nessa ordem: Era uma vez uns trinta e três; Por que trinta e três? e Fabinho e os porquês Provavelmente, assim como eu, o leitor imagina que nos três textos há referência ao ato do médico pedir ao paciente - Fala 33. Negativo só uma história aborda isso... (que sem graça eu antecipar essa informação!)

Sem mais delongas (palavra antiga) passo a fazer um resumo de cada história para demonstrar a criatividade dos pediatras que, na minha avaliação, conseguiram alcançar o objetivo do projeto que foi o talento para comunicar-se com as crianças.

Era uma vez uns trinta e três é a primeira história e foi escrita por Dr. Orlando Colli. Ela tem característica de um conto de fada moderno e narra o dilema da princesa Belatrix que precisava escolher o marido dentre os seus 33 pretendentes. Estes enfileirados e de maneira arrogante, atrapalhada, tímida, enrolada, esnobe etc. foram apresentando as suas qualidades. A princesa entediada ora áspera, ora irônica, ora enfurecida foi dispensando cada um, mas... “Eis, porém, que surge o salvador da lavoura, montado em seu garboso fusquinha. Foi chegando e foi mudando toda a história, apresentando logo as suas credenciais: “Eu vou explicar quem sou eu e como sou, usando todas as letras do Alfabeto!”

E não é que o pretendente inovou, começou os seus argumentos em ordem alfabética, mas de trás para frente, isto é de Z-A. No final, “já atordoada, a princesa não aguentou e disse: Só falta a letra A, mas até agora você não me convenceu. Então o nosso herói finalizou: Pois bem. Reservei a última letra para dizer que tenho Alma de menino, Afeto de criança e estou... Apaixonado por você! Bem, não é difícil dizer que viveram felizes para sempre, pois ainda estão vivos e amor de verdade, com A, não acaba nunca.”

A segunda história foi escrita pelo Dr. Alexandre Sapiro e seu título é Por que trinta e três? Conta as aventuras do menino apelidado de gringo por ter vindo de terras europeias, portanto com dificuldade de falar o português correto. Era um menino pobre que sofria com as peraltices dos meninos mais velhos. Nem sempre tinha comida em casa, mas sempre dava um jeito de “filar” na vizinhança. Trabalhava como engraxate, lustrava os calçados e assoviava para garantir uma gorjeta. Tinha sonhos como todos os meninos da sua infância, incluindo ir à matinê. Em geral colocava sua caixa de graxa embaixo da janela do Dr. Juarez e ali trabalha e escuta as conversas durante as consultas. “Muitas coisas ele não compreendia, mas de uma tinha certeza: era muito importante mandar os doentes repetirem trinta e três, trinta e três, outra vez trinta e três.” Certo dia o menino não aguentou a curiosidade e antes que o médico entrasse no consultório o abordou: “me explica uma coisa, doutor... por que quando a gente vai no médico tem de ficar repetindo trinta e três?”  Mas, o doutor lhe dá um sorriso e uma gorjeta e se apressa para atender o paciente que o esperava.

A terceira e última história é Fabinho e os porquês do Dr. Antonio Carlos Oppermann Thomé. Ela me fez lembrar do livro da Ruth Rocha Marcelo, marmelo, martelo e outra histórias, mas diferentemente de Marcelo que nominava as coisas de acordo com sua imaginação, Fabinho resolve criar uma forma de se referir aos objetos, alimentos e outros itens. Qual era a explicação para essa mudança? Não tem! De repente, aos cinco anos resolveu que não queria mais ser chamado de Fabinho e sim de “menino-que-tem-cabelos-louros-olhos-azuis-um-metro-de-altura-sapatos-marrons-e-camisa-vermelha”.

Venhamos e convenhamos essa situação familiar não é fácil, mas se complica mais quando ele resolve chamar os alimentos de forma diferente, por exemplo: “me passa aquelas folhas verdes em forma de leque.” Ou “quero beber aquela água marrom-escura, cheia de bolinhas de ar”.

Se complica ainda mais quando resolve numerar pessoas ou seus pertences. Nessa hora a família entrou em pânico...

“Mas menino vive muito depressa e logo, logo, Fabinho foi esquecendo sua nova mania e tratando de enfrentar a vida real, pois já estava ficando muito fraquinho em Matuguês e Portumática.”

Repito: gosto muito dessas histórias, mas continuo curiosa para saber a origem dessa forma de abordar o paciente. Não fiz uma pesquisa exaustiva, pois não é meu objetivo, mas li em um texto que “33” tem a capacidade de ressoar na parede torácica e isso auxilia na ausculta dos pulmões.

Acreditei, simples assim!

 

PARA FINALIZAR TRAGO A NOTA DE RODAPÉ DA PRIMEIRA PÁGINA DO LIVRO Era uma vez 33

A empresa farmacêutica após o concurso fez a doação em dinheiro, no valor igual aos autores premiados, para a Casa Vida que na época foi uma iniciativa do Padre Julio Lancellotti, que atendia crianças portadoras do vírus HIV.

Fiz questão de trazer essa informação por dois motivos: ficar evidente a importância do Padre Julio Lancellotti no contexto nacional e para defendemos a não criminalização da solidariedade!

 

Sugestão de Leitura

COLLI, Orlando; SAPIRO, Alexander; THOMÉ, Antonio Carlos Oppermann. Era uma vez 33.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.