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RELATO DE VIAGEM SOBRE AS BIBLIOTECAS EM TERRIS BRASILIS

Janeiro é um mês dedicado às férias, além de ser o mês das águas (Eta chuva!). Mas apesar das águas é, também, oportunidade para um banho de cultura e de informações sobre novos lugares. O texto, apresentado, é um relato das observações realizadas durante minhas férias aproveitadas em um breve cruzeiro marítimo, navegando por ondas outras que não a Internet. Um cruzeiro pelo Atlântico, visualizando a costa brasileira e algumas das suas belas regiões como Ilhéus, Salvador, Búzios e Ilhabela.

A primeira URL marítima acessada é a cidade de Ilhéus (Ba), imortalizada por Gabriela e tantos outros personagens criados pelo escritor Jorge Amado. A região fascina pela suas belas praias, algumas ainda isoladas. Embora possua um centro histórico local batizado como quarteirão "Jorge Amado", a biblioteca pública que se situa próxima não consta do roteiro turístico, apesar do seu edifício despertar atenção aos olhos de um visitante mais atento. Externamente é um conservado casarão que remonta à época áurea da riqueza gerada pela produção do cacau. Infelizmente, não foi possível uma visita por estar fechada no horário do almoço, abrindo somente após as 14 horas (segundo informação de um transeunte). Entretanto, mesmo após as 17 horas a biblioteca continuava fechada, quem sabe fosse o mês de férias.

Um fato ilustrativo da ausência da biblioteca no roteiro turístico local ocorreu no centro histórico, a abordagem realizada por um dos guias locais. O jovem se aproximou oferecendo seus préstimos para relatar aspectos históricos da cidade. Disse-lhe que aceitaria com a condição que falasse a respeito do prédio da biblioteca pública, sua história e criação. Ele fitou-me, coçou a cabeça virou-se e foi em busca de um outro visitante menos exigente ou excêntrico. Informações sobre a biblioteca e seu edifício podem ser encontradas na Internet (www.fundaci.org.br/biblioteca.php).

Outro fato acorrido deu-se durante visita à casa de cultura "Jorge Amado", situada na residência onde o escritor viveu sua infância e adolescência. Entre os itens expostos estão as capas dos livros escritos por Jorge Amado e, também, as capas dos livros de outros escritores locais. Indago ao guia local se as publicações relacionadas poderiam ser consultadas. Ele não sabe dizer. Indago-lhe então se a biblioteca pública possuía os livros ali expostos. Novamente, ele não soube responder. Fica a impressão da falta de informação do guia e reforça a exclusão da biblioteca da política cultural e turística local.

Sigo navegando, agora em direção à cidade de Salvador, Ba. Na beleza histórica e arquitetônica do Pelourinho onde localiza-se imponente a Fundação Casa de "Jorge Amado" (http://www.jorgeamado.org.br/casa_fundacao.htm). Por detrás da exposição pública dos documentos sobre o famoso escritor, encontra-se um rico tesouro o qual, certamente, poucos observam ao adentrarem o edifício. Digo da biblioteca e do núcleo de estudo e pesquisa. Curiosamente, solicito à recepcionista uma visita à biblioteca. Surpresa foi o pronto atendimento por meio dos profissionais: Tom (de turismo) e Suzana (bibliotecária). Mencionam não ser usual tal visita. Normalmente, apenas especialistas solicitam consultas e nunca turistas. Mas a acolhedora recepção baiana, prontamente apresenta a biblioteca e o trabalho valioso dos bibliotecários na preservação e difusão da obra de Jorge Amado, além de vasta documentação sobre sua vida. Encontram-se tratadas as várias edições de sua produção nacional e as traduções nos mais diversos idiomas.

Todo o material encontra-se cadastrado em base de dados desenvolvida com o software Winisis. No projeto de conservação do material há estudos para digitalização visando melhor atender aos pesquisadores brasileiros. Aos futuros visitantes que venham à visita a Fundação Casa de "Jorge Amado", recomenda-se agendar a visita.

Novamente sobre as ondas, sigo para a região de Búzios - RJ, onde os visitantes encontram um local de muitas belezas naturais. Infelizmente a recepção aos turistas é deficiente em termos de informações ou orientações. Os visitantes ficam a mercê dos agenciadores de passeios. Após conhecer alguns locais turísticos, vou à biblioteca pública. O horário de funcionamento encerra às 17 horas, chego às 18 horas. O interessante foi encontrar a indicação da existência da biblioteca, dada por um vendedor-ambulante. Após percorrer de quatro a cinco quarteirões, não visualizando a biblioteca, entro em uma floricultura para pedir informações. O funcionário que atende no balcão ao ser indagado sobre a localização da biblioteca pública foi curto e grosso. - "Sei não! Nem imagino".

Apesar de não saber, chamou por outra pessoa que parecia ser a proprietária do estabelecimento. Ela informou ser o prédio vizinho à floricultura. Realmente, se fosse cobra mordia (a mim e ao primeiro atendente consultado), passei pela biblioteca e não reparei a placa afixada na parede.

 

Embora não tenha encontrado informações sobre a biblioteca no site oficial da Prefeitura de Búzios (www.buzios.rj.gov.br), é possível obter na Internet (www.buziosnews.com.br/chica.htm), menção a história da personagem que dá nome à biblioteca pública. Após solicitar, por meio de correio eletrônico, a Assessoria de Comunicação e Imagem da Prefeitura de Armação dos Búzios o e-mail da biblioteca a resposta salienta que: "Infelizmente a biblioteca municipal de Búzios, não tem e-mail. Qualquer informação sobre os setores da prefeitura pode enviar para esta Assessoria que encaminharemos para o setor".

Um claro exemplo que sugere exclusão da biblioteca da política pública local e da falta de sua inclusão digital, situação que penaliza à própria comunidade usuária. O estranho é que vários setores da própria prefeitura (cultura e educação, por exemplo), além do próprio gabinete do prefeito possuírem endereço eletrônico. Porém, todas as mensagens enviadas por este missivista retornaram informando caixa postal cheia. Se precisar de informações via Internet, melhor telefonar (aliás, esqueci de perguntar se a biblioteca possui telefone).

De Búzios navego para Ilhabela (SP). Diferente do município anterior, há na chegada um posto de informações orientando os visitantes. No local obtive o endereço da biblioteca pública. Embora fosse sábado e o quadro afixado à porta indicasse aos usuários o horário de funcionamento encerrar às 12 horas, encontrava-se fechada já às 11 horas da manhã. Pela fresta da janela observo a existência de computadores, resta saber se está informatizada.

 

Embora não possua home page, tem endereço eletrônico. Através de correspondência enviada, fica-se sabendo que não está informatizada, apenas utiliza programas básicos do windows. Não fornece acesso à Internet e nem serviços baseados no uso da mesma aos seus usuários. Também, não está inserida na política cultural ou no desenvolvimento turístico do município. Lamentavelmente, não há bibliotecário à frente do serviço, o que inclusive justifica ter um horário afixado de funcionamento para o público e não o seguir.

No endereço: www.kalinesia.com/socio/atas/ATA%20-%20RM%2010.06.03.doc, é exposto problema vivenciado pela entidade Sociedade Amigos da Biblioteca, assim resumido:

No inicio de 2001, um espaço do prédio da Biblioteca Municipal (localizada na Vila), foi emprestado para a instalação provisória da Câmara Municipal, que havia acabado de deixar o Prédio da Cadeia e Fórum, objeto de tombamento. Apesar da promessa por parte das autoridades municipais de que o espaço seria devolvido à biblioteca, não só isto não se deu como ainda surgiram recentemente posicionamentos públicos contraditórios acerca das intenções com relação a utilização daquele espaço, consubstanciado no projeto de reformas por que passa o prédio visando a instalação de gabinetes para os Vereadores.

A Sociedade Amigos da Biblioteca aprovou então a seguinte ação de apoio:

...redigir um posicionamento claro no sentido de firmar seu interesse em permanecer no local, que é não só estratégico para a atividade, mas produto de anos de luta, esforço e realizações da entidade, bem como requerer a restituição do espaço, endereçado às autoridades do Legislativo e Executivo Municipal....

Nota-se que a biblioteca divide o espaço com a Câmara Municipal. Quer seja, ocupa um anexo, que pode ser visualizada na foto acima. Pelo relato encontrado e disponível na Internet, o esforço empenhado pela Sociedade Amigos da Biblioteca não logrou êxito.

Observo que em termos tecnológico há deficiências manifestas em bibliotecas públicas que tentei pessoalmente visitar. Pelas informações colhidas, via Internet, as bibliotecas públicas têm como principal público usuário, os estudantes.

Em termos de inserção no desenvolvimento cultural e turístico local, nota-se que a participação é praticamente nula. Como tentei visitar três bibliotecas públicas de cidades litorâneas, não posso formar conclusões. Resta a impressão pessoal que pode mudar com a maré de informações, ou seja, se há um potencial de ação para a biblioteca pública em termos de suporte ao desenvolvimento turístico local, essa ação se esvai como as ondas do mar que se desfaz nas areias da praia.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.