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BIBLIOTECAS DO SETOR PÚBLICO E O SOFTWARE LIVRE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O texto é um comentário sobre as mudanças significativas da infra-estrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação no setor público brasileiro. Segundo opiniões, tais mudanças devem gerar maior segurança, independência tecnológica, conhecimento e economia aos cofres públicos. Em realidade, isto decorre da migração para o software livre. Uma opção estratégica para a construção científica e do conhecimento que integrada a outras iniciativas fomentará o cenário tecnológico brasileiro nos próximos anos. Neste novo cenário, como ficará a biblioteca do setor público? Certamente, será afetada com tais mudanças. Assim, um interessante desafio se delineia para os bibliotecários, neste cenário.
O software livre é um conceito que se amplia fortemente em todos os níveis da esfera pública. Uma pesquisa, em andamento, solicitada pelo ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação/Casa Civil da Presidência da República, focaliza o uso de software livre nas prefeituras do país. O objetivo é elaborar um perfil do cenário atual, os recursos disponíveis e identificar os casos de sucesso existentes. Até o momento, foram identificados cerca de 50 iniciativas de prefeituras (em diversos âmbitos). A pesquisa é coordenada pelo prof. José Eduardo De Lucca (Depto. de Informática e Estatística Universidade Federal de Santa Catarina) e informações podem ser obtidas no endereço delucca@inf.ufsc.br.

Neste sentido, Ricardo Bimbo, coordenador de Implementação de Software Livre no Governo Federal (http://www.softwarelivre.org/news/2477), comenta que o processo de migração do parque de informática do governo federal para software livre é realizado em três etapas, aqui resumidas:

1ª - A migração política: baseada na definição de estratégica política para a capacitação tecnológica da Nação. A estratégia atual prioriza o debate envolvendo governo e à sociedade civil, sobre a Tecnologia da Informação, seu uso estratégico no governo e na qualificação de uma política industrial e tecnológica. Esse cenário permitiu destacar os debates sobre os softwares livres e de códigos-fonte abertos, que os conduziram ao status de política do governo, etapa já está cumprida.

2ª - A migração cultural: as máquinas de escrever a pouco foram substituídas dos escritórios. Também é recente a condição de escolher e comprar, em supermercado, a configuração de computador desejada. O único item de difícil opção de escolha era o sistema operacional e os programas utilitários, um segmento monopolizado. Com isso os usuários finais foram aprisionados ou condicionados a utilizar um produto específico. Na visão pública, o aspecto cultural da migração é voltado a re-qualificar profissionais de informática, gerentes e profissionais administrativos que foram condicionados ao uso de software proprietário em suas tomadas de decisões. Esta migração está em andamento em vários órgãos com informação, conhecimento e capacitação.

3ª - A migração Técnica: o Comitê Técnico de Implementação de Software Livre, por meio do ITI e do SERPRO, acompanha e auxilia na migração de 6 ministérios. O ambiente propício de migração se estabelece na 1ª e 2ª etapas (decisão e capacitação) citadas. Acrescente-se o número de aplicações existentes em software livre e a possibilidade de customizá-las pelo governo ou por terceiros gerando uma quantidade infinita de soluções livres e interoperáveis para uso em servidores e desktop´s. Além da experiência de migração nos ministérios, outros órgãos estão implementando software livre. Impulsionados pelas necessidades variadas, seja pelo ambiente servidor ou pela simples substituição do pacote de escritório, cientes dos benefícios que o uso do software livre trará à administração pública, às políticas tecnológica e industrial brasileiras e ao cidadão.

Em consolidação a estas fases, o governo lançou o Guia Livre - Referência de Migração para Software Livre do Governo Federal (http://www.governoeletronico.gov.br/). A publicação apresenta soluções disponíveis e estáveis em software livre, além de informações sobre experiências concretas. Foi desenvolvido sob coordenação da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. Com 150 páginas, o documento define diretrizes para a migração, gestão do ambiente, elementos técnicos necessários e critérios para planejar a migração ao software livre. O Ministério das Comunicações espera concluir até dezembro de 2004 a migração, gerando uma economia próxima de R$ 1,2 milhão por ano. Até o primeiro trimestre de 2005, os ministérios - das Relações Exteriores, Minas e Energia, Educação, Cultura e Ciência e Tecnologia devem ter migrado todos os sistemas de seus servidores e computadores de mesa para o software livre.

Uma das premissas básicas para esta mudança é a natureza libertaria dos sistemas de código fonte abertos que apresenta vantagens sociais, legais, políticas e econômicas em relação aos softwares proprietários (http://www.ansol.org/politica/administracao-publica.pt.html). Características libertárias é uma designação ao conjunto de programas que atendam a quatro princípios norteadores:

1. Execução do software para qualquer uso.
2. Estudo do funcionamento de um programa e adaptação às suas necessidades.
3. Redistribuição de cópias.
4. Melhorias do programa, tornando-o público e compartilhando os benefícios.

Em síntese, as características libertárias do código aberto na administração pública podem ser resumidas da seguinte forma:

No aspecto legal, os recursos de informática afetam a administração pública e, também, as bibliotecas: cópia ilegal de software e segurança de informática. Com a terceira premissa do software livre a organização pública pode dispor de programas evitando a situação de pirataria do software. O Estado poupa o dinheiro público e a burocracia de controle de utilização dos sistemas. As bibliotecas e serviços de informação certamente estarão da mesma forma em uma nova situação mais segura legalmente no uso de um software. A segurança em informática não existe em termos absolutos. Programas seguros incluem processos de vigilância e reação a ataques, reduzem vulnerabilidades e se mantêm em funcionamento. A segurança em software proprietário depende de correções deliberadas pelo fornecedor, caso do Windows. Com o software livre, as modificações dependem da capacidade técnica do usuário, possibilitando melhoria constante e personalizada de segurança.

No aspecto político, a independência do fornecedor de software é a vantagem realçada no uso do software livre. A quebra do monopólio de sistemas garantiria a liberdade de escolha da Administração Pública. No caso da biblioteca do setor público a política interna estará subalterna à gestão da política pública vigente no governo.

No aspecto social, a cópia do software livre é legal e sem custo de licença e manutenção da atualização das mesmas. Em muitos sistemas proprietários as licenças de uso são custosas o que acaba por estimular a cópia ilegal no ambiente de trabalho. Outra vantagem é o estímulo e reflexo na evolução científica e tecnológica. A possibilidade de estudar o software livre permite um aprendizado maior do usuário sem estar limitado ao que o fornecedor lhe determine. Por outro lado, aqueles que querem aplicar tecnologia de ponta, têm para os apoiar um conjunto de ferramentas e programas que poderão usar sem se preocuparem com cláusulas restritivas, contratos de licenciamento, que lhes permitirão implementar mais depressa este tipo de tecnologia. Atualmente, bibliotecas que queiram criar seu próprio periódico eletrônico na Internet, visando promover a produção científica e tecnológica da sua comunidade de especialistas, ou mesmo criar seus próprios serviços de conteúdos digitais - bibliotecas digitais, dispõem de sistemas de uso livre (http://www.ibict.br).

No aspecto econômico, a Administração Pública tem um impacto interno relativo à redução de custos decorrentes dos serviços de suporte e manutenção de sistemas e eliminação dos custos de licenças de uso. Como qualquer empresa pode se capacitar na prestação de serviços e manutenção de sistemas em software livre, há a possibilidade do surgimento de concorrência no mercado. Por outro lado, a possibilidade de utilizar o mesmo software independentemente do número de computadores, permite reduzir os custos não só dentro de uma instituição, como ao duplicar soluções para outras instituições dentro e fora do setor público. Externamente, o incentivo da utilização de software livre permitirá transferir vantagens para o setor privado e associativo, colaborando para o desenvolvimento de um mercado nacional de software livre competitivo globalmente.

Com certeza o mercado de software proprietário não irá terminar, mas ao contrário novas formas de comercialização serão definidas. No que se refere às bibliotecas, como será o impacto destas mudanças sobre os serviços de informação públicos? O software livre já existe em bibliotecas há alguns anos, o Microisis é um exemplo, mas uma mudança cultural radical começa agora a tomar forma dentro do ambiente de informação. É um novo desafio. Quanto ao bibliotecário, que impactos terá tais mudanças sobre sua prática? Sob ótica otimista podemos crer que um novo mercado se abre para os empreendedores: atuação como consultores em migração para plataformas de sistemas em código fonte abertos, adequação do legado tecnológico, desenvolvimento de bibliotecas digitais e de periódicos eletrônicos. Isto para citar os mais evidentes.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.