CINEMA


O JOGO DAS PAIXÕES

Ninguém pode saber é o título de um magistral filme japonês que expõe de forma cruel, e inacreditável, o abandono de quatro filhos por sua mãe. E para conectar o leitor da coluna com o filme vai a grande questão que o filme instiga: qual o limite de uma paixão?

O título do filme diz respeito a existência de três crianças que 'ninguém pode saber' que residem em determinado condomínio, que no seu regulamento proíbe o convívio de crianças. Permite a presença já em fase juvenil. A solução encontrada pela mãe, para evitar despejos, é, ao alugar o novo apartamento, entrar com duas crianças menores dentro de malas trazidas pelo caminhão da transportadora, e uma outra, mais crescida entrar durante a madrugada para não ser vista. A partir daí não podem sair de casa, não estudam e não brincam na rua. Devem viver em silêncio para não chamar a atenção dos vizinhos. Só um dos filhos, Akira (Yuya Yagira), o mais velho, pode aparecer e é apresentado aos proprietários do imóvel.

Aproprio-me do título do filme para fazer uma ligação estreita do filme com a personagem que representa a mãe e considerar que 'ninguém pode saber' até que ponto se chega para viver uma paixão.

Kiola, mãe de quatro filhos de pais diferentes, é uma mulher que se entrega perdidamente as suas paixões. Isso está escrito nas entrelinhas de um diálogo com o seu filho Akira. Ao dizer ao filho que está apaixonada, é reprovada por se apaixonar mais uma vez. Diz ao filho que desta vez é diferente, que sente ser definitivo, que é um homem que tem cuidado dela, que se preocupa com ela. Com o início dos períodos de ausência da mãe em casa, Akira preocupa-se se a mãe já falou para o namorado da existência dos quatro filhos. Ela diz que falará no tempo oportuno.

A partir daí começa o drama de Akira, condenado a tomar conta de si próprio e de três irmãos menores, quando vê sua mãe mudar de cidade a pretexto de novo emprego. Com a ausência permanente da mãe, descobre que ela demitiu-se do emprego e abandonou-os a própria sorte para viver a sua paixão. O drama vai das carências básicas de alimentação até a morte de uma das crianças. O filme é um drama que revela que 'ninguém pode saber' qual o limite de uma paixão.

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Ninguém pode saber. Japão, 2004. Direção de Hirokazu Koreeda. Com Yuya Yagira, Ayu Kitaura e Hiei Kimura.

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Uma paixão comportada é o que vive o jovem Djomeh, que empresta seu nome ao título do filme Djomeh. Exilado voluntariamente no Irã, o jovem afegão não foge da guerra do Afeganistão, o que seria comum, mas deixa o seu país natal por ter desonrado a sua família. A desonra trata-se de sua paixão por uma mulher cerca de dez anos mais velha que ele, o que vai contra os preceitos culturais da região. Como o romance é execrado pela sua família, considerando-se desonrada, decide sair do país para deixar a mulher desimpedida para outro homem.

Já no Irã, apaixona-se por uma jovem da sua faixa etária e defronta-se com outro agravante: a questão étnica. Os anfitriões do seu asilo não vêem com bons olhos suas mulheres entregues a estrangeiros, mesmo que da mesma região, uma vez que estão ocupando postos de trabalhos dos nativos. Assim, a Setareh, a jovem motivo da paixão do afegão, não é permitido relacionar-se com o estrangeiro Djomeh.

Culturalmente, seja na ótica afegã ou iraniana, pelos diálogos dos personagens, ao homem não cabe apaixonar-se e sim casar e trabalhar, ou apenas trabalhar. Ao se apaixonar recorrentemente (duas vezes com pouco mais de vinte anos) Djomeh passa a ser um problema. Um problema cultural e étnico que justificado em suas razões impede as paixões.

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Djomeh. Irã, 2002. Direção: Hassan Yektapanah. Com: Jalil Nazari, Mahmoud Behraznia e Mahbobeh Khalili.

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Mas decisões racionais nos jogos das paixões iguais as do 'A janela da frente' é difícil de serem vistas. Nesse belo filme de paixão e amor o espectador permeia-se com dois núcleos passionais, um na Roma do período atual, e o outro na Roma de 1943, em plena Segunda Grande Guerra.

Giovanna e Filippo levam uma vida de casal normal, sujeitos as atribulações do cotidiano, depois de mais de dez anos de convívio: educação dos filhos, insatisfação profissional, desemprego e coisas do tipo. A vida começa a mudar a partir do momento que levam para casa um senhor desmemoriado que encontram perambulando pelas ruas de Roma. Adicione-se à trama o personagem Lorenzo, um vizinho do apartamento em frente que por trás das vidraças das suas janelas acompanha a vida de Giovanna a quem devota sua paixão.

Disposta a descobrir quem era o 'senhor' a quem tinham acolhido, Giovanna com a ajuda de Lorenzo - aí começa o envolvimento -, busca nas reminiscências da memória do inquilino algo que possa descobrir a sua verdadeira identidade. A partir de uma carta no bolso do paletó, Giovanna descobre tratar-se de um famoso confeiteiro, Davidi Veroni. A carta é dirigida a Simone. Uma bela carta de amor na qual o autor confessa a dor do seu amor por não mais ter Simone: "o vermelho não é mais vermelho/ o verde não é mais verde/ as árvores não são mais árvores". Confessa sentir saudade até da dor do amor impossível, e que o segredo da memória está em poder guardar as lembranças desse amor impossível. Depois de repetidas leituras Giovanna descobre que Simone, a quem a carta era dirigida, tratava-se de um homem. Era um amor entre dois homens, feito de renúncias e destruído pela Guerra.

Giovanna e Lorenzo desvendam a carta e transferem para eles aquele amor impossível. Lorenzo, bancário, é promovido a gerente de uma agência em outra cidade. Pede a Giovanna que o acompanhe; dá-lhe um tempo para ela seguir depois. Ela recua e decide ficar com a família, abrindo mão desse amor impossível.

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A janela da frente. Itália/Inglaterra/Turquia/Portugal, 2002. Direção: Ferzan Ozpetek. Com: Massimo Girotto, Giovanna Mezzogiorno e Raoul Bova.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo