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BOND, JAMES BOND! MARC, FORMATO MARC!

Os últimos filmes de James Bond foram muito elogiados pela crítica, por ter reavivado a série. Se você gosta de aventura e de muita ação, a indicação é “Quantum of Solace”, mas se enquanto catalogador você não aprecia tal categoria de filme, então ao menos o catalogue como cortesia. Afinal, em nossa opinião, há similaridades entre o mais famoso e fictício agente secreto do cinema, com o mais popular padrão de intercâmbio bibliográfico da Biblioteconomia.

 

James Bond é identificado como agente secreto britânico. O personagem é criação do escritor inglês Ian Fleming, tendo sido apresentado ao público inicialmente em livros na década de 1950, tornando-se sucesso de venda entre os leitores ingleses. A popularidade só se fez crescer com a série para o cinema iniciada em 1962 (James Bond também apareceu em quadrinhos, videojogos, e se tornou alvo de muitas paródias).

 

O formato MARC, como sabemos, é conhecido pelo seu conjunto de tags ou etiquetas que codificam e identificam os elementos contidos em um registro bibliográfico. Não é um padrão secreto ao contrário é aberto. Nasceu do desejo de um conjunto de bibliotecas norte-americanas, concebido nos anos de 1960 como um método de conversão de fichas bibliográficas pela Library of Congress (LC) para um padrão legível por máquina. Ao longo do tempo e da evolução tecnológica sua popularização só tem crescido (o Formato MARC também apareceu sob diversas variações criadas por serviços documentais e bibliográficos de muitos países).

 

O interessante é que ambos (personagem e padrão) são frutos dos ativos, atípicos, revolucionários, e memoráveis anos da década de 1960. Rock'n Roll, Beatles, Rollings Stones, Guerra Fria, Vietnam, Cuba, Pílula, Hippies, Viagem a Lua e outras viagens. No Brasil, Jânio Quadros, ditadura, Bossa Nova, Roberto Carlos e as tardes de domingo, as certinhas do Lalau (criada pelo jornalista Stanislaw Ponte Preta), Teatro de Arena, Cinema Novo. Para os cinqüentões atuais, mas pequenos petits no período, o que marcava era: Circo do Arrelia, Nacional Kid, Star Treck, O Último dos Moicanos, e os desenhos (Pepe Legal, Manda-chuva, Flinstones, Jetsons etc.), entre outras doces lembranças infantis e entre as alegrias e tristezas dos adultos daquela época.

 

Mas nos anos 1960, o “Agente” surge para defender o poder ocidental e os interesses Britânicos de criminosos interessados em destruir o mundo, ou o avanço do comunismo com uma capacidade indestrutível, tanto é assim que há mais de 40 anos continua jovial, conquistador e invencível. Bem, o formato MARC também nasce nesta época de significativas mudanças sociais e de inovações científicas. E ao contrário do Agente de sua Majestade, ele surge para integrar os serviços bibliotecários e facilitar a circulação codificada da informação bibliográfica. Um se tornou popular por sua capacidade de ação e o outro por sua capacidade de organização, intercâmbio e recuperação.

 

Bond trabalha solitário e todos que se associam a ele em suas ações acabam fatalmente mortos. O MARC ao contrário é para ser utilizado de maneira colaborativa. Não é padrão para uso pessoal, individual ou solitário. Bibliotecas que procedem no uso do formato de forma isolada, sem cooperar seus serviços bibliográficos, o fazem de maneira errônea. O potencial do Formato está justamente na sua utilização coletiva e cooperativa, por isso é chamado padrão de intercâmbio de bibliográfico.

 

Bond vive mil peripécias, todas perigosamente, e como é o mocinho ele não morre, e sua roupa parece ter sido comprada em lojas da Ducal, Mappin ou da Sears (de Campinas/SP), pois “não amarrota e nem perde o vinco”.  É ardiloso, sabe enfrentar seus oponentes; nunca perde em um jogo de cartas. Detém diversos recursos pessoais e tecnológicos. Ao longo dos seus 40 e poucos anos mantém-se atualizado e adaptado aos contextos políticos, econômicos e sociais.

 

Com MARC, o catalogador só vive perigosamente se aplica a imprudência de repetir a “roda” da catalogação ao invés de buscar registro já catalogado, sujeitando o usuário a uma possível indicação errônea da informação bibliográfica. Na era das redes sociais, os serviços bibliotecários modernos cooperam, colaboram e são interativos. O MARC, apesar de seus 40 e poucos anos, mantém-se adaptado a evolução dos suportes documentais, e aos contextos tecnológicos e sociais de acesso e uso da informação registrada. Continuamente incorpora novos recursos e se adapta às novas linguagens para ambiente digital como o XML – MARCXML.

 

James Bond tem como emblema o código “007” indicando sua autorização para matar todos os criminosos ou espiões que se interponham à sua frente. O MARC tem as etiquetas 00X para registrar estruturadamente toda uma tipologia documental, como: Livros, Teses (BK - Books); Arquivos de computador (CF - Computer Files); Mapas, Globos, Imagens de satélite (MP - Maps); Discos, Fitas, Partituras (MU - Music); Periódicos (SE - Serials); Fotos, Posters, Slides, Vídeos (VM - Visual Materials); Kits que misturam mídias, Material de arquivo (MX - Mixed Materials). Muitos campos são aplicáveis a todos os tipos de material. As diferenças ocorrem nos campos fixos, 007 e em especial no campo 006 e 008 do MARC 21.

 

A etiqueta 007 (campo fixo de Descrição física - informação geral) do MARC, refere-se às características físicas de um documento, derivadas das informações inseridas em outros campos, em especial o campo 300 (Descrição física) e dos campos de Notas - 5XX.

 

No transcurso das discussões de integração do formato e decorrente das condições particulares dos campos existentes no USMARC e CANMARC as atenções das Agências de catalogação (norte-americana e canadense) que resultaram no final da década de 1990 no MARC 21 (o formato MARC para o século 21), destacam alternativas para elementos de dados bibliográficos, o campo 006 (dados de material adicional), definido como alternativa ao problema do campo 008 não ser repetitivo. Adotou-se um modelo geral clarificando a coexistência em um registro de repetições de dados bibliográficos inseridos no campo 006 e os dados bibliográficos únicos do campo 008, especialmente em relação aos dados nas posições 06 (Tipo de registro), situado na cabeceira do formato. Recordando que o Líder do MARC é o primeiro campo de um registro bibliográfico. Tem um tamanho fixo de 24 posições. Consiste de dados contendo valores codificados para definição dos parâmetros necessários ao processamento do registro.

 

A ênfase é o aspecto da definição do Tipo de registro determinada por um código alfabético composto por um caractere ser importante para diferenciar os registros MARC criados para distintos tipos de conteúdos e de materiais. O procedimento é usado também para validar certos elementos de dados do registro.

 

Saliente-se que os itens bibliográficos cada vez mais apresentam múltiplas formas de materiais. Assim, os materiais necessitam ser identificados por um código de Tipo de registro específico relativo à sua categoria documental. O código usado para determinação dos itens que apresentem formas múltiplas dos materiais é:

 

·        o (Kit) – indicado para conjunto de documentos publicado como uma unidade, não ocorrendo predominância de nenhum tipo de material.

 

·        p (materiais mistos) – é uma coleção de itens, mas não há predominância de nenhum tipo de material.

 

A exceção dessa situação, todos os itens têm uma única forma de material, identificada pelos códigos:

 

§        a – material textual;

§        c – música impressa;

§        d – música manuscrita;

§        e – material cartográfico;

§        f – material cartográfico manuscrito;

§        g – recurso projetável;

§        i – gravação sonora não musical;

§        j – Gravação sonora musical;

§        k – gráfico bidimensional não projetável;

§        m – arquivo de computador;

§        r – artefato tridimensional ou realia; e

§        t – material textual manuscrito.

 

 

O indicador Tipo de registro identifica um tipo de material sob aspectos genéricos. A identificação mais especifica do tipo de material se vai encontrar em outros códigos situados no líder e ou campos de controle variável.

 

Certamente, Bond não encontra dificuldade em localizar seus inimigos, a dificuldade está em lidar com eles com os recursos que domina e com os quais se sai muito bem ao final.

 

Já, com o formato MARC a dificuldade não está em encontrar e entender as transformações ou mudanças das características documentais, mas em lidar com elas. Identificar predominância em itens de múltiplos materiais coloca o catalogador em situação de subjetividade (ainda que investigativa). Por vezes a escolha é uma aventura de alto risco. E atenção, James Bond não é catalogador. Então como sair de certas “ciladas documentais”. Creio que nem o famoso “Agente” saberia.

 

A complexidade surgindo. O jornal Folha de São Paulo (04/10/2009, caderno dinheiro) publicou artigo destacando que por mais de 500 anos, o livro foi uma entidade estável. Uma seqüência coerente de palavras conectadas, impressas em papel e delimitadas por capa. Um tradicional Tipo de registro: “a” – material textual (no MARC21).

 

Mas na era da onipresente Rede, da mobilidade das tecnologias de informação (iPhone, Kindle e YouTube), o conceito de livro ganha uma nova elasticidade. As editoras passam a combinar recursos de texto, vídeo e internet em esforço de captar o interesse dos leitores. Nomeia esses produtos como “vooks” (ou “vivros”, em português), produtos que combinam vídeos e textos eletrônicos e podem ser lidos por vários aparatos móveis. Surge o romance em papel e em livro eletrônico e, também, em áudio e vídeo, no qual os leitores são convidados a se conectar a web a cada cinco capítulos a fim de assistir os filmes que condensam a trama.

 

O procedimento é chamado de “multimídia híbridas”, necessária para atrair os leitores modernos que querem algo diferente. É um procedimento que os modernos catalogadores devem atentar para os impactos sobre os processos da catalogação.

 

Como anteriormente frisado: Bond não é bibliotecário! Portanto, bibliotecários não podem perder o “bonde” dos acontecimentos, e nem tomar o “bonde andando” das mudanças documentais que requerem uma nova reflexão e práticas no processo de tratamento da informação.

 

James Bond, em seus filmes, sinaliza que os bandidos apresentam novos comportamentos e habilidades, além de interesses. Os crimes nos tempos atuais são do tipo: ambientais, energia, industrial. Uma forma de violência mais sutil. Pena que Bond não anda de trem suburbano no Rio de Janeiro.

 

Os editores, de sua parte, observam que as tecnologias das redes sociais permitem “conversações” entre leitores o que influencia a maneira como os livros são escritos. Eles buscam refletir sobre como livros e informações serão combinadas no século 21.

 

A revista Veja (edição 2134, ano 42, n. 41, 14/10/2009) ao tratar da chegada do Kindle ao Brasil, destaca que o livro impresso é uma tecnologia perfeita (não necessita de bateria ou manual de uso), mas apesar desta característica o livro evolui. Os equipamentos de leitura de livros eletrônicos (e-readers) têm potencial de suceder os livros impressos com impacto semelhante ao da substituição das máquinas de escrever pelos computadores pessoais (eu tenho diploma de datilografia, e daí!).

 

O Google E-book é um modelo de negócio promissor, com máquinas de impressão por demanda surgindo no mercado como base de sustentação ao modelo de comércio do livro eletrônico (ou livro digital). Até a BIREME sabe do potencial para o desenvolvimento da produção científica, nasceu o Scielo Livro.

 

O MARC 21 embute o uso combinado do campo 006 com o campo 008 o que permite adequar os aspectos de multimídia documental. A questão é: será uma alternativa suficiente para as rápidas transformações na concepção dos documentos, agora mais digitais?

 

Bond não é bibliotecário! Como lidar com as “ciladas documentais”? As grandes agências bibliográficas brasileiras têm como vantagem a conexão com os principais “players” internacionais de bases bibliográficas como a OCLC (Online Computer Library Center), além de envolvimento com os grupos de trabalho em catalogação e controle bibliográfico da IFLA, caso do IME-ICC (IFLA Meetings of Experts on an International Cataloguing Code), por exemplo.

 

Já, as agências do “baixo clero” da catalogação brasileira precisam se mobilizar não só para a catalogação cooperativa, mas para grupos de trabalho que subsidiem a determinação da nova ordem nacional do tratamento da informação registrada. E na compreensão dos impactos da publicação digital mediadas por aparatos de leitura, e das máquinas de impressão por demanda - a Biblioteca terá a sua?

 

Afinal, Bond não é bibliotecário. E o MARC, bem o MARC só é “matador” se souberem usá-lo no seu potencial coletivo. Caso em contrário o catalogador será “dominado”. E olha que está quase tudo “dominado”. Tá dominado, tá tudo dominado.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.