CINEMA


A CHAVE DA IDENTIDADE

Um grupo de pessoas, em agrupamentos quase sintomáticos de dois, chega a um motel em uma estrada deserta, no meio da noite, tangidos por um temporal. Reunidos vão formar com o recepcionista um grupo de onze pessoas. Destas, dez morrerão. Têm em comum a data de nascimento: 10 de maio. Não ocupam dez quartos do motel, mas aparenta ao espectador que as mortes se sucedem numa seqüência de quartos que chegam ao número 10, a partir de chaves numeradas. Alojado o grupo, começa a matança. Todos supõem (incluindo os espectadores mais apressados) ser obra de um hóspede-prisioneiro conduzido pela polícia. Logo depois se revela o conflito: as mortes são conduzidas por um ausente, com conotação de paranormalidade ou espiritismo, devido ao motel estar edificado em um campo santo, um cemitério indígena.

O parágrafo acima se refere à Identidade, filme em cartaz em quase todas as cidades brasileiras. O início do filme é inventivo e instigante. E funciona como um alerta: atenção no quebra cabeça montado, ele pode conter a peça necessária para o entendimento do filme. Então, se sucede uma seqüência de incidentes e acidentes que chamam a atenção para as cenas posteriores, com um ingrediente a mais: sabe-se que haverá mortes, mas não em que intensidade e com qual motivação.

Motivação que se chega ao final sem se saber. Mas quem disse que para matar é preciso motivação. Assim é a vida real; assim é a ficção. Países diferentes, culturas diferentes. Em alguns a morte não é temida, mas se dá valor à vida - Japão, por exemplo, onde o índice de criminalidade é muito baixo. Em outros, a morte é temida, mas não se dá valor a vida - Brasil, como exemplo, onde o índice de criminalidade é muito alto. Ou seja o que está em julgamento, essa é a motivação do filme, não são as mortes, mas uma mente doentia - como são as mentes que matam. As mortes são apenas um álibi para a análise de um psicótico, e um serial killer, embora não esteja, no filme, em discussão esta questão.

A chave, palavra norteadora deste texto - veja-se o título -, enquanto peça física, e não metafísica, passa a ser o elemento de inquietação para os protagonistas: sabe-se a partir dela quem será o próximo da fila, ou melhor qual o próximo quarto e quem está nele. A complexidade do filme fica por conta de o espectador imaginar estar assistindo a um filme policial com um enredo de serial killer, e vai aos pouco se envolvendo com um filme paranormal.

No contexto instalado de morte em série, estabelece-se a desconfiança mútua, o que gera mais violência. É como um castelo de cartas, todos vão caindo, e todos desconfiam de todos. E o espectador junto, já num determinado momento, com a entrada do serial killer em cena para depoimento e avaliação de sua liberação da pena de morte.

O diretor ao criar a "sociedade do motel", ou o grupo de vivos reunidos para a execução sumária, ou sacrifício sacerdotal, tem a perspectiva de praticar e difundir aspectos de estudos psiquiátricos. Em um só filme vem à mente do espectador mais atento a lembrança de três outros: Psicose (a cena do motel na estrada); Silêncio dos Inocentes (o poder da mente do Dr. Lecter); e Amnésia (o jogo de cenas de trás para frente).

O simbolismo onírico dos dez assassinados, reunidos em um motel, todos nascidos num dia dez do mês de maio (peca por não ser em outubro) é uma indicação sintomática da perdição do argumento, uma vez que nada é explicável pelo número 10. Fosse um número cabalístico poder-se-ia clarear a busca do entendimento.

O filme não deixa de ser criativo, no entanto é prolixo. Não reconhece explicitamente o papel do serial killer, tanto quanto o do garoto que domina as cenas inicial e final. Seria ele o apóstolo ou o discípulo? Essa é a grande incógnita de Identidade, não reconhecida explicitamente por deliberada conduta ou por impotência psicológica do diretor. Prefiro apostar na primeira opção.

Identidade, no correr da película, vai provocando o suspense e a excitação mental de quem o assiste, que a cada fotograma tenta desvendar o mistério do filme: observe, não são os crimes, mas a situação psicótica de um condenado. Esbanja questões chaves que só o espectador mais aguçado vai responder. Portanto, vá assistir ao filme preparado para ser um investigador mais psiquiátrico do que policial, e mantenha uma relação fílmica íntima e profícua com o diretor.


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JUSTINO ALVES LIMA

Bibliotecário aposentado pela Universidade Federal de Sergipe. Graduado e mestre em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo