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NO BRASIL, O TESTE DA RDA SERÁ PELO ENEM

Em junho de 2011, foi publicizado o relatório final do Comitê Executivo de Coordenação do Teste da RDA, realizado nos Estados Unidos da América do Norte - EUA. A realização do teste teve abrangência nacional e levou três anos entre planejamento e realização, a partir da reunião inicial do Comitê criado para este fim, em 2008. Dois documentos base foram disponibilizados:

 

§  Report and Recommendations of the U.S. RDA Test Coordinating Committee Executive Summary, 13 June 2011.

§  Report and Recommendations of the U.S. RDA Test Coordinating Committee public release, 20June 2011.

 

Saliente-se que a nova normativa, como tradicionalmente acontece com todos os instrumentos da área, envolveu forte participação (integrada e colaborativa) da comunidade bibliotecária, por meio de suas entidades de representação profissional, empresas e organizações públicas, cursos de biblioteconomia e bibliotecas. Um diálogo raro de se ver no Brasil, agora do século 21. Tão raro que já se promove um pacto em favor da Biblioteconomia brasileira (sobrevivência ou inanição social).

 

Como acontece em países com tradição na área, é importante haver participação interinstitucional nas transformações da área, apoiando e sendo apoiada pela comunidade de profissionais. Esta interação pode ser um fator de impacto (negativo ou positivo) na adesão e aplicação da RDA, em solo tupiniquim.

 

Entre os países anglo-americanos o planejamento na adoção da RDA transcorre dentro de um cronograma de trabalho articulado. O que serve de modelo para a comunidade bibliotecária de outros países que pretendam fazer uso da norma.

 

O Comitê Executivo de Coordenação do Teste da RDA foi composto pela: Library of Congress (LC), National Agricultural Library (NAL), e National Library of Medicine (NLM). A finalidade do teste foi o de avaliar a RDA em ambientes de informação e de bibliotecas, com vistas às implicações técnicas, operacionais e financeiras. Operacionalmente, o processo de avaliação apresentou a seguinte estrutura:

 

§  26 instituições parceiras envolvidas (incluídas: LC, NAL e NLM). Composição diversificada, contando com agência de utilidade bibliográfica, editora, escola de biblioteconomia, arquivo, bibliotecas públicas e escolares, além de especializadas e universitárias. As bibliotecas universitárias totalizaram cerca de 10 agências bibliográficas, entre as 26 homologadas para o processo avaliativo.

§  O teste tomou como recursos de aplicação: 10.570 registros bibliográficos criados; 12.800 registros de autoridade; 8.000 pesquisas submetidas para recuperação. Alguns analistas consideraram pouco para avaliar o instrumento em um universo bibliográfico diversificado, outros opinaram que a avaliação será continua por meio da sua adoção na atividade prática.

 

Dos objetivos pretendidos pelo teste e os resultados obtidos tiveram a seguinte avaliação:

 

§  Fornecer uma estrutura consistente, flexível e extensível para todos os tipos de recursos documentais: objetivo cumprido.

§  Compatibilidade com padrões bibliográficos internacionais estabelecidos: o objetivo foi parcialmente atendido. O Comitê aguarda pelo esforço de harmonização entre JSC (Joint Steering Committee for Development of RDA), ISBD (International Standard Bibliographic Description), e a comunidade ISSN (International Standard Serial Number).

§  Ser útil dentro da comunidade biblioteconômica, e prover capacidade de utilização por outras comunidades de informação: o teste não cobriu este objetivo. O Comitê tem claro que outras comunidades documentais exploram o uso da RDA. Comunidades de web semântica e do padrão Dublin Core desenvolvem perfis de aplicação com base na RDA.

§  Permitir aos usuários encontrar, identificar, selecionar e obter os recursos necessários às suas necessidades de informação: objetivo parcialmente atendido. As opiniões dos usuários foram variadas em relação aos registros RDA e a forma como atendem suas necessidades. Considera-se que o teste não verificou totalmente as tarefas dos usuários.

§  Compatibilidade com as descrições e os pontos de acesso em catálogos e bases de dados bibliográficas existentes: objetivo cumprido. As descrições são compatíveis com os catálogos e bases atuais, assim como os pontos de acesso. Há necessidade de colher opiniões junto à comunidade bibliotecária sobre como resolver algumas diferenças em pontos de acesso.

§  Independência do formato, meio ou sistema utilizado para armazenar ou intercambiar dados: objetivo cumprido.

§  Facilidade de adaptação às emergentes estruturas de banco de dados: o teste não verificou esse objetivo, embora haja evidências de que os dados RDA são suficientemente granulares para habilitar novos tipos de apresentação e integração com outras fontes de dados.

§  Uso como ferramenta online: objetivo não cumprido.

§  Texto em inglês corrente, capaz de ser usado por outras comunidades linguísticas: objetivo não cumprido.

§  Facilidade e eficiência de uso, tanto como ferramenta de trabalho, quanto para fins de treinamento: objetivo não cumprido.

 

Diante das restrições verificadas, e pela avaliação dos dados resultantes do teste, o Comitê recomenda que a adoção da RDA não aconteça antes de janeiro de 2013. É importante que os objetivos estejam substancialmente satisfeito. Além disto, para se alcançar uma infraestrutura de metadados viável e robusta, a RDA deve ser parte integrante. Neste sentido, correções devem ser analisadas e ações corretivas realizadas e, portanto, é necessário um prazo. Assim, as recomendações assumem a data inicial de primeiro de julho de 2011, e muitas das ações previstas devem ocorrer simultaneamente. As recomendações elencadas:

 

§  Reescrever as instruções da RDA de forma clara, inequívoca e em inglês corrente. Em especial confirmar a legibilidade do capítulo inicial. Prazo 18 meses.

§  Definir o processo de atualização da RDA no ambiente online. Prazo 03 meses.

§  Melhorar a funcionalidade do RDA Toolkit. Com base nos dados do teste trabalhar com a ALA Publishing (American Library Association), para identificar um processo de testes de usabilidade nas melhorais do curso do Toolkit. Prazo 03 meses.

§  Desenvolver exemplos de registros completos da RDA em MARC e outros esquemas de codificação. Integra-los no Toolkit, incluindo também exemplo para outras comunidades especiais (obras raras, música etc.). Prazo 06 meses.

§  Concluir o conjunto de elementos de registros definidos pela RDA. Garantir que o registro seja bem descrito e sincronizado com a nova norma. Prazo 06 meses.

§  Apresentar um novo processo confiável de substituição do Formato MARC. Prazo 18 – 24 meses.

§  Apresentação de protótipo de entrada e diferentes sistemas que usam o conjunto de elementos da RDA (incluído o relacionamento). Prazo 18 meses.

§  Estabelecer esforços de coordenação do programa de treinamento em RDA. Envolver PCC (Program for Cooperative Catalogiong), ALCTS (Association for Library Coolections ande Technical Services) e outras instituições. Prazo 18 meses.
 

O Comitê alerta que a adoção da RDA não irá resultar em significativa redução de custos na criação de metadados. Haverá custos inevitáveis e significativos com o treinamento. Porém, benefícios econômicos imediatos, no entanto, não pode ser o único fator determinante no cenário organizacional de uso da RDA. O teste revelou vários problemas com a norma, basicamente, que "há pouco benefício imediato perceptível na implementação de RDA sozinha”.

 

Nos custos de implantação é mencionada a subscrição ao RDA Toolkit (serviço online para acesso às instruções da RDA, orientações de aplicação e de capacitação no uso da norma). Serviço comercial pago, em dólar.

 

Há, também, custos no desenvolvimento de materiais de treinamento, diante da carência de materiais disponíveis. Para as bibliotecas aderentes há a criação e/ou revisão da documentação técnica de trabalho; aumento do tempo de produção catalográfica afetada pelo treinamento e a curva de aprendizagem com as novas instruções catalográficas. Haverá, ainda, impacto sobre os contratos existentes entre a biblioteca e as redes cooperativas, e os fornecedores de software e respectivo suporte.

 

Relacionado a está última questão, os membros do teste comentaram que, embora os sistemas atuais possam importar e armazenar registros RDA baseados em MARC 21, alterações substancias nos sistemas locais serão necessárias para melhor indexar e exibir os registros ao público. Houve manifestações de dúvidas de que as mudanças na RDA renderiam benefícios significativos sem uma mudança do formato MARC e derivados. O Formato pode dificultar a separação de elementos e de uso de URI (Uniform Resource Identifier) em ambiente de dados vinculados. Quando o Comitê tentou reunir registros RDA produzidos em outros esquemas de MARC, poucos registros foram recebidos.  Neste sentido, a própria Libray of Congress já sinalizou a substituição do formato MARC nos próximos anos.

 

No Brasil, provavelmente, o ambiente das bibliotecas universitárias deve nortear a inserção da nova norma, nos próximos anos. Até por haver neste segmento maior densidade articulatória das práticas bibliotecárias. Já, as bibliotecas brasileiras que não adotem o padrão MARC ou outro similar, a adoção da RDA será provavelmente custosa.

 

Quanto aos benefícios, foi citado mudanças na forma como as características dos recursos e os relacionamentos são identificados; maior foco nas tarefas do usuário de encontrar, identificar, selecionar e obter os recursos (maior revalorização dos conceitos de Cutter, quanto ao catálogo como mediador entra a informação e o usuário); nova perspectiva sobre a utilização e reutilização dos metadados (bibliográficos e não-bibliográficos); estímulo aos novos esquemas de codificação; e o aparecimento de sistemas melhores para a descoberta de recursos.

 

Aspecto interessante em relação a atividade de tratamento técnico – foi comentado no relatório que os registros RDA, em média, continham mais elementos de dados do que suas contrapartes AACR2. Padrões de erros observados em ambas as normas foram frequentemente relacionados com a complexidade de recursos catalogados. Erros foram verificados em torno de alguns conceitos e instruções RDA, como o fornecimento de pontos de acesso para obras, expressões e manifestações. Comentários de catalogadores indicaram que muitos não tinham confiança em suas habilidades de encontrar e interpretar as instruções mais relevantes da RDA. A norma, como já mencionado, não se encontra em um estágio de fácil compreensão.

 

As instituições parceiras, no teste, citaram outros impactos sobre as operações de catalogação locais, na aquisição, cópia e manutenção de arquivo bibliográfico original de catalogação.

 

Um aspecto importante foi a consulta realizada junto aos usuários de bibliotecas. A maioria dos usuários entrevistados (85%) foi favorável aos registros RDA. Eles gostaram da clareza e completeza dos registros, em especial, a eliminação de abreviações e da terminologia em latim, além do abandono da regra de três autores e do aumento do número de pontos de acesso. Apesar dos elogios, para 65% dos entrevistados havia comentários negativos dirigidos para a eliminação do DGM (Designação Geral do Material), e sua substituição pelas categorias: mídias, suporte e tipos de conteúdo, por terem terminologia de difícil entendimento. Observou-se uma falta de conhecimento dos funcionários de bibliotecas e de usuários sobre as opções que podem estar disponíveis para esclarecer e apresentar estes elementos na tela do OPAC (Online Public Access Catalog).

 

Apesar dos problemas comentados e do posicionamento manifestado pelo Comitê, a maioria das instituições parceiras sentem que a comunidade de bibliotecas dos EUA deve implementar a RDA.

 

Manifestação da biblioteca da Universidade da Carolina realça a sensação da comunidade bibliotecária norte-americana:

 

·      O Teste de aplicação da RDA tornou concreto que a comunidade precisa e muito de um modelo de dados, e de estrutura de codificação pós-MARC para aproveitar o que a RDA tem a oferecer. É necessário rever a definição de nossos dados como "registros", passando a defini-los como dados relacionáveis. Há que desenvolver estruturas de banco de dados que tornem esse trabalho de construção de relacionamentos eficiente no dia-a-dia do serviço de catalogação. Após o teste, avivou-se apenas a esperança, porque não se tem nenhuma infraestrutura ao redor para provar (ou refutar) o sucesso  do processo. Acredita-se que a RDA é um passo necessário e valioso para o futuro do controle bibliográfico. Também é claro que não é suficiente. O exercício do teste mostrou o quanto de trabalho ainda há para se empreender.

 

No cenário brasileiro é importante que a área se mobilize sobre os recursos que mudem os processos gerenciais e operacionais de tratamento da informação bibliográfica. O ideal seria uma ação colaborativa e interativa, nacionalmente articulada. Infelizmente, a realidade da prática bibliotecária brasileira é desigual. Ademais, as políticas públicas de criação de bibliotecas, no país, priorizam mais a aquisição de acervo e os programas de leituras, e nada incluem sobre adoção de padrões técnicos na organização da informação. Nesta linha, a avaliação da RDA parece que será realizada pelo ENEM [E nem vem que não terá resultado algum].

 

Mas resta alguma esperança. Há ações de profissionais que, minimamente, buscam manter uma estrutura de discussão sobre catalogação, no Brasil.

 

Neste sentido, destaque para o Grupo de Estudos e Pesquisa em Catalogação – GCAT, gerenciada pela Professora Zaira Regina Zafalon (Universidade Federal de São Carlos).

 

Outro destaque é a criação da Comissão Brasileira de Tratamento da Informação (CBTI), a partir de recomendação efetuada em 08 de agosto de 2011, durante a realização do XXIV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, em Maceió.  A Comissão foi estabelecida de acordo com o artigo 35 do Estatuto da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB), e é um órgão assessor da Federação e tem como finalidade promover o desenvolvimento de todas as Unidades de Informação brasileiras. Ocupa a presidência da CBTI, a bibliotecária Luciana Grings (Fundação Biblioteca Nacional).


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.