ENTRE O CÉU E O INFERNO, A PAIXÃO EM ALMODÓVAR
Pois bem, nós que estávamos acostumados ao amor, à paixão e ao desejo femininos desfilados nos diletantes filmes do diretor espanhol, agora nos deparamos com o desejo carnal homossexual masculino e com a mórbida paixão pedófila. Desejo e paixão que constrangem, ao tempo em que mostram reações adversas (do público) que vão do escárnio à indiferença. O menosprezo das relações homossexuais, algo que a sociedade convive e teima em não aceitar; e a indiferença com as relações pedófilas, algo que a sociedade conhece e a trata no submundo da co-existência.
Má educação é um filme em que o sexo é tratado como perversão. As relações mostradas são perversas. É assim que vivem os personagens desta trama que discute a iniciação sexual em internato religioso e a conseqüência no futuro dos assediados. Almodóvar discute o homossexualismo fincado na igreja católica responsabilizando-a por pedofilia e sua conseqüência como o homossexualismo assumido, tão condenado por esta mesma igreja. É a hipocrisia determinante nas relações carnais do desejo e da paixão.
A fé é posta de lado e os personagens principais declaram-se agnósticos. A cena do assassinato do travesti, cometido por dois padres e tendo Deus por testemunha (segundo os próprios) é de uma preciosidade cínico-religiosa digno de quem faz parte de instituições que se consideram acima do bem e do mal (e a igreja é uma delas). A afirmação, feita pelo padre-assassino, de que Deus é testemunha, mas está do lado deles é o xeque-mate Almodoviano nas pretensões clericais de pureza religiosa.
Má educação não tem glamour, não tem charme, características mais próximas do mundo feminino, é cínico, farsante e interesseiro, características mais próximas do mundo masculino. O filme tem uma trama que não empolga embora guarde uma surpresa, nada que um observador atento não a desvende antes de aparecer na tela.
A trama revela paixões no limite do proibido. E revela também, entre outras coisas, o já sabido, mas pouco confessado: que as paixões são recorrentes, e que se ama mais de uma vez. No caso do padre Manolo duas: a primeira como um homem adulto, no cargo de padre-diretor de um internato masculino, na figura de um pedófilo; a segunda, como adulto, já numa fase próxima a terceira idade, na figura de um homossexual.
É a igreja o alvo maior da crítica no filme. É nela que se encontra a perdição da paixão na forma mais vil do sexo que é a pedofilia, praticada por baixo das batinas e segredados nas sacristias. Como diz Antonio Carlos Viana em Aberto está o inferno (Companhia da Letras, 2004) "A igreja sempre foi cheia de escândalos [...] porque batina cobre o pau, mas não cobre as taras".
Por fim, mais uma vez Almodóvar mostra-se competente ao trabalhar o seu objeto de desejo cinematográfico: a paixão. E mostra que uma vez vivida uma grande paixão, a vida não mais retorna ao seu curso natural. E que estar apaixonado é viver entre o céu e o inferno. E não há igreja salvadora para tamanho desatino.
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Má educação. Espanha, 2004. Direção e Roteiro de Pedro Almodóvar. Com: Fele Martinez, Gael Garcia Bernal, Daniel Gimenez Cacho, Lluis Homar, e Javier Câma